Bièvres – Foire Internationale de la Photo, 2017

Depois de alguns anos sem aparecer fui visitar a 54ª edição da super feira de Bièvres. Trata-se de uma feira organizada pelo Photoclub Paris Val-de-Bièvre e a Commune de Bièvres. Acho que minha primeira visita foi em 2002 e depois fui umas 6 vezes sendo a última em 2009. Estava até com medo de que tivesse encolhido muito pois o comércio eletrônico em sites de leilões cresceu demais nesses últimos anos. De fato está algo menor do que já foi mas, mesmo assim, continua uma grande festa. Abaixo, alguns registros e comentários da edição 2017.

O ideal é hospedar-se em Paris e ir de trem. A partir do Museu D’Orsay (por exemplo), leva perto de uma hora. Não é preciso chegar muito cedo no sábado pois a feira só começa a esquentar lá pelas 11 horas quando alguns expositores já armaram suas barracas. O horário oficial de início é às 13h. Mas a chegada na pequena Gare de Bièvres na manhã fresquinha  para fazer um reconhecimento da área e tomar um café com croissant na boulangerie é uma parte bem agradável do programa. Para almoçar existem alguns restaurantes no centrinho da cidade e come-se muito bem com uns 20 euros. Existem também barracas que vendem sanduíches e bebidas.

Vale muito a pena voltar no domingo pois os expositores tiram mais coisas de suas vans e caixas e também muitos particulares vão nesse dia e espalham suas ofertas pelo gramado. Além disso, repassando pela mesma barraca muitas vezes você irá notar algo que não havia percebido antes. Os expositores são na maioria franceses mas há também alemães, holandeses, leste europeu, ingleses e americanos. Se você falar a língua deles aprende-se muita coisa conversando pois são todos apaixonados pelo assunto.

 

Marché des Artistes

Há uma parte considerável de fotografia contemporânea. São por volta de 100 fotógrafos segundo a organização da feira e em geral são os próprios artistas que as expõe. Dá para se notar pela expografia, pelas tendas, que não se trata de “high art”. A maioria do que se vê enquadra-se em uma categoria familiar de fotos corretamente realizadas (como significativa parte do “high art” também). São temas que se encontram facilmente em revistas especializadas em fotografia. Muitas paisagens bonitas com fotos utilizando alguns truques como exposições super longas e muita pós-produção. Fotos de viagem, de lugares, de pessoas e animais no estilo National Geographic. Nas fotos P&B parece haver um esmero em se mostrar um bom histograma com toda a escala tonal, do branco lavado ao negro DMax. Também fotos com grafismos, metonímicas, nas quais o fotógrafo mostra seu olhar apurado para os detalhes. Também algumas fotos mais informadas sobre o que se passa no circuito da arte contemporânea. Nesses casos o fotógrafo tem um “projeto”, não é mais o arquetípico caçador de imagens. É o caso, por exemplo, de uma série de fotos de frequentadores de uma lavanderia ou de fachadas de lojas envelhecidas. Muitos retratos em placa úmida. São em geral sem sorrisos e sem ação e com as marcas típicas das falhas do processo. Alguns lembram o estilo Christian Boltanski e parecem retratos de campos de concentração. Também presentes os infalíveis “nús artísticos” em preto e branco. Novamente belos histogramas em corpos bem modelados.  Releituras de grandes mestres da pintura e também o fotógrafo camaleão no qual cada foto é uma referência a algum fotógrafo famoso. Enfim, não é o forte da feira mas é uma interessante coleção de categorias que compõem a imagética de nossa sociedade.

Isabel Muñoz – artista convidada

Havia também uma individual da artista fotógrafa Isabel Muñoz como convidada da organização da feira. Nascida em Barcelona em 1951, Isabel tem o eixo de seu trabalho na figura humana. Suas tiragens são sempre extremamente bem cuidadas o que inclui o uso de platinotipia. Mundialmente reconhecida, suas obras estão Maison Européenne de la Photographie, in Paris, no New Museum of Contemporary Art, in New York City, na Contemporary Arts Museum in Houston e em muitas coleções privadas importantes.

O espaço expositivo era um pouco improvisado em um salão no subsolo da prefeitura. O teto era muito baixo e isso deu ainda mais gigantismo para as impressões bem maiores que o tamanho real. Mas isso só torna mais significativo e louvável o esforço da organização em trazer uma artista de tal calibre para a feira.

Foto achada

Se ficou difícil tirar uma foto sem que “alguém já tenha feito igual”, a “foto achada” parece ter se tornado um esporte bastante praticado. É interessante se  imaginar o absurdo que pareceria para alguém de poucas décadas atrás o simples fato de se comprar fotos de família que não sejam da “sua” família. Bem isso parece bem razoável hoje e Bièvres é o lugar ideal se garimpar essas memórias alheias. São com certeza milhares de fotos antigas em todas as técnicas possíveis desde a invenção da fotografia. Existem maços mal arranjados jogados pelo chão e até expositores bem organizados com catálogos e conhecimento do assunto. Chamam a atenção os daguerreotipos que podem ser comprados de 40 euros em diante. Fotos em gelatina de prata começam nos centavos e deve-se sempre barganhar. Essa é como que uma regra da feira.

Além de fotos anônimas há também fotos de gente famosa. Vi Sarah Moon, Bettina Rheims e até a famosa foto de Albert Camus tirada por Henri Cartier Bresson – esta estava por 3.000 euros. Todas tiragens de época. Muitas são tiragens menores, arquivos de imprensa e provas. Fotos históricas de guerras e eventos importantes também são oferecidas às centenas. Muito material de lanterna mágica, alguns slides em vidro contanto historinhas ou material didático em caixas pelo chão e vendidos por uns poucos euros. Para finalizar há uma enormidade de fotos stereo em vidro, papel e daguerreotipos. Muitas são coloridas manualmente. Para essa parte da feira dois dias são pouco. Vi gente que chegou cedo no sábado e até o finalzinho do domingo ainda estavam revirando cada uma das imagens em cada barraca da feira.

Madeira, vidro e latão – como só em Bièvres

Acho que em nenhum outro lugar do mundo existe uma concentração tão grande de equipamentos fotográficos do século XIX para venda. Seria possível se formar um coleção de museu em apenas uma visita. Impressiona também a variedade de formatos, sistemas e fabricantes. Pode-se encontrar facilmente as primeiras lentes para paisagens, os dubletos acromáticos de fabricantes como Charles Chevalier, Lerebours & Secretan, Hermagis, Darlot, Dallmeyer. Muitos exemplares seguindo o desenho de Petzval para retratos com nomes icônicos como Voigtlander e Steinheil. Também câmeras e acessórios de madeira em excelente estado de conservação. Muito especiais, vi duas câmeras de super grande formato algo como como 20 x 20 polegadas e uma lente  fabricada por Emil Busch em Rathenow – Alemanha, levando o nome do fotógrafo Nicola Perscheid – essa, por 2000 euros, um bom preço. Vi também uma Charles Chevalier enorme com prisma para corrigir a inversão esquerda/direita dos daguerreotipos.

Ópticas do século XIX

Muito interessante para quem quer se aprofundar na história da fotografia foi a presença do colecionador e pesquisador italiano Corrado D’Agostini. Professor de psicologia clínica na Universidade de Florença, Corrado dedica-se também ao estudo de ópticas da fotografia no século XIX e trouxe para a feira seu segundo livro sobre lentes alemãs e austríacas. O volume anterior, dedicado exclusivamente às francesas, já se tornou referência no assunto e é consultado e citado como uma fonte rica e segura. Para saber mais, visite o link: Corrado D’Agostini.

Século XX

Muitas lentes da virada do século, quando tanto progresso foi feito com os novos vidros de Jena e a chegada das anastigmáticas. Nomes como Zeiss, Ross, Goerz e, avançando mais na linha do tempo Rodenstock e Schneider. Vi uma Symmar 480 mm, perfeita, por 650 euros. As câmeras passam a medio formato, centenas de folding cameras para filmes em chapa de vidro. No 35 mm muitas marcas das quais nem se ouviu falar além de Leicas, A até F e também as M, centenas de Zeiss Ikon, Voigtlanders, Agfas e todas as grandes japonesas em telêmetro e SLR. Linhofs em 13 x 18 e 9 x 12 (ou 4 x 5 polegadas – o chassis é intercambiável).

Bièvres liquida

Outro forte da feira são os caixotes e tapetes com bugigangas de todos os tipos. Nesses casos normalmente há um preço fixo para qualquer peça e com frequência ela pode sair por menos. Encontram-se desde equipamentos quebrados até peças funcionais precisando apenas de alguma limpeza. Muita coisa para se montar um laboratório P&B e projetos de bricolagem. O limite é o que você pode carregar.

Palestras

Há um programa de palestras durante a feira. Assisti uma muito boa sobre colorimetria, outra sobre como imprimir bem fotos em preto e branco com equipamento digital colorido e ainda uma terceira sobre fotos de viagem que dava muitas dicas sobre o uso de filtros Cokin. Todas eram sobre aplicações de imagens digitais. Eram palestras em francês e sem tradução simultânea.

Consumíveis

É possível se comprar papéis tanto para impressoras digitais como para laboratório P&B. Uma caixa de Ilford fibra de 100 folhas 18 x 24 cm estava 70 euros enquanto que o RC do mesmo tamanho saia por 60 euros. Também químicas e filmes frescos e vencidos a preços muito bons.

Processos Alternativos

Pelo primeiro ano a feira abriu espaço para processos alternativos e a fotografia em placa úmida foi o destaque do novo setor. o pôle des procédés alternatifs compunha-se de stands vendendo material e algumas animações com fotografias sendo tiradas e entregues na hora. A placa úmida tem essa vantagem de combinar todos os atrativos de um procedimento alternativo, com acabamento muito bonito e a vantagem de poder ser realizado inteiramente no local. É bom como filme e rápido como o digital. Um retrato em mais ou menos 13 x 18cm saia por 70 euros.

Entre os produtos a venda havia o stand de Pierre-Loup Martin, do Labodutroisieme, que fabrica cubas e acessórios necessários para a realização da placa úmida. Achei muito bons os preços para placas negras em plexiglass que dão um ótimo resultado quando utilizadas para ambrotipia. Dez placas em 4×5′ ou 10×12 cm saem por 8 euros.

Outro expositor interessante ainda no pôle des procédés alternatifs foi o Film Washi. A maneira como os jovens empreendedores se definem já é uma graça: “Fondé en 2013, Film Washi est la plus petite entreprise de fabrication de supports photographiques et la dernière à produire du film en France.” [Fundada em 2013, Film Washi é a menor empresa de fabricação de suportes fotográficos e a última ainda a produzir filmes na França]. Utilizando o famoso papel japonês, de fabricação artesanal, são produzidos em vários formatos, comprei 12 folhas de 4×5′ por 25 euros. Mas já está disponível até mesmo em 35 mm. Bela iniciativa e boa sorte a eles.

 

Domingo, fim de feira, é hora ir para a plataforma esperar o trem de volta. E ninguém aguenta até chegar em casa para brincar com a nova câmera de filmes.

 

Para mais informações, este é o site oficial da feira: Bièvres.

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