Tanques para revelação fotográfica, uso e história

Tanques para espirais

Este artigo é um pouco sobre prática e um pouco sobre história do processo de revelação fotográfica para negativos de gelatina de prata no que diz respeito aos recipientes onde ela ocorre. O que acontece é que eu uso e pesquiso equipamentos antigos, então, além de falar um pouco sobre as transformações ao longo do tempo, eu posso também comentar a praticidade dos mesmos em uma perspectiva atual. Mas vou contar essa história de trás para frente, assim você poderá parar quando achar que já voltei demais na linha do tempo.

Revelação fotográrica ficou praticamente reduzida ao tanque para filmes 35 mm. Esse da foto acima é um de 250ml, em aço inox e com espiral no mesmo metal e tampa de plástico. Muitas pessoas se atrapalham no início, para colocar o filme na espiral e desistem desse tipo de tanque. Mas quem supera essa fase de rejeição e pega o jeito geralmente não o abandona mais. Eu considero esse o sistema ideal. O metal é menos poroso e apresenta bem menos superfícies para reter químicos de um banho a outro. É mais fácil de lavar, creio que seja mais fácil também para  controlar a temperatura e em geral utiliza um volume menor de revelador por filme.

Existem outros sistemas em plástico como o famoso Paterson (foto abaixo) ou o Jobo, em várias versões. A Jobo tem até mesmo um modo automático para agitar o tanque girando-o sobre seu eixo na horizontal. Eles têm a vantagem de que é possível se ajustar a altura da espiral e assim se revelar formatos diferentes no mesmo tanque. Eu sou fiel utilizador dos tanques de aço e não tenho nenhum de plástico. Aqui vai então uma foto da Wikimedia Commons de um tanque da Paterson apenas para dar uma ideia.

Quem usa de aço precisa ter uma variedade de formatos pois eles não são reguláveis. Os mais antigos tinham até a tampa em aço inox, como se vê na foto abaixo. Ela é mais propensa a vazamentos mas eu coloco uma fita de vinil em volta e isso resolve bem o problema.

Colgaduras ou  film hanger

Hoje ainda se faz fotografia em grande formato, isto é, em filmes planos de ¼ de chapa ou mais. Lembrando que a chapa inteira é algo como 8 x 10″ ou 18 x 24 cm, um quarto de chapa nos leva ao 4 x 5″ ou 9 x 12cm. Estes são os formatos de ¼ nos sistemas americano e europeu respectivamente.

Houve tempo em que uma parte significativa da fotografia publicitária de produtos era feita em ¼ de chapa. O filme 120, considerado de médio formato, ficava mais para assuntos em movimento, como moda por exemplo, mas as fotos de natureza morta, os pack-shots de produtos cosméticos, alimentícios e eletrodomésticos, automóveis, eram em sua esmagadora maioria feitos em ¼ de chapa ou até maiores.

Para revelar filmes planos o melhor sistema deve ser a colgadura ou film hanger, que literalmente é um “pendurador de filme”. É um quadro em aço inox como o mostrado na foto acima. Trata-se no caso de um film hanger da Kodak em 10 x 12,5 cm (~4×5″) todo em aço inox. Não entendi até hoje por que a Kodak usou o sistema métrico para dar a medida de um filme cortado pelo sistema imperial. Em qualquer caso, o fotógrafo escorrega o filme pelas canaletas laterais e o fecha girando a aba na parte de cima.

Estes film hangers iam em tanques de aço ou de algum plástico. O problema em se usar esses tanques hoje é que eles eram dimensionados para uso profissional. Ainda é possível se encontrar alguns, mas eles são geralmente para vários litros de revelador. Para o fotógrafo amador essas quantidades não fazem sentido. O remédio que encontrei foi fabricar meus próprios tanques com chapas de PVC branco de 2 e 3 mm de espessura. Usando-se um soprador térmico e solda de PVC é possível se fazer um pequeno tanque como o da foto acima. Ele usa apenas 400 ml de revelador e permite revelar duas chapas de uma vez. Fiz outro maior para 5 chapas (foto abaixo) para com 1 litro de revelador. Estas quantidades estão mais em dia com o volume de chapas que revelo. Principalmente considerando que gosto mais de usar reveladores de banho único (one shot developer), como o Parodinal.

Film hangers não são difíceis de se encontrar e nem são caros. Acima estão os formatos 6,5 x 9 cm, 2¼ x 3¼”, 9 x 12 cm, 4 x 5″ e 13 x 18 cm. Mas como as pessoas tendem a jogá-los fora, pode ser que daqui alguns anos venham a rarear.

Bandejas

Para chapas inteiras, no meu caso de 18 x 24 cm, eu não tenho filme hangers e nem tanques. Novamente, a questão é o volume necessário de revelador que eu considero proibitivo. É normal que eu faça e revele uma única chapa, um retrato de alguém que veio em casa me visitar, por exemplo, e nesse caso não iria usar um tanque com 1 litro de revelador.

Para essas situações as bandejas são ideais. Posso revelar uma chapa inteira com apenas 250 ml de revelador em uma bandeja 18 x 24 cm. Isto dá exatamente uma ampola de 5 ml de Parodinal em 250 ml da água.

As bandejas lembram mais a revelação de papéis na cópia final da fotografia. Mas, atenção, não vale a pena com o filme usar o mesmo processo de 3 bandejas e ir passando o filme de uma a outra. O ideal é usar apenas uma bandeja e 3 béquers com os três banhos. Eu deixo a bandeja com água para molhar a gelatina do filme, por dois minutos, ele entra nessa água na escuridão total e depois vou esgotando e repondo cada um dos três banhos. Vou seguindo os sinais sonoros de um timer feito para isso. Aí já posso acender a luz e proceder a lavagem. Dessa forma não toco no filme molhado em nenhum momento. Isso é importante para se evitar arranhar a emulsão. Fazendo assim não uso fixador com endurecedor e os filmes vêm perfeitos e sem marcas ou manchas.

Bandejas para filmes em rolo?

 

Quando foram inventados os filmes em rolo, na última década do século XIX, as bandejas eram provavelmente o meio dominante. Como geralmente acontece, em vez se se pensar de imediato algo totalmente diferente, tratou-se de aperfeiçoar o existente. Foi assim que surgiram essas “bandejas” como na foto acima. Um cilindro do mesmo material, bakelite ou louça nesses casos, entra por um sulco na lateral do recipiente e fica travado a uma certa altura, sem poder sair verticalmente.

O fotógrafo deve então, por um movimento alternado de sobe e desce das mãos, ir passando o filme por dentro dos banhos tendo o cuidado de deixar a emulsão voltada para baixo, de modo a não raspar no rolo e nem no fundo do recipiente em si. Na foto acima podemos imaginar o movimento mas a bandeja mostrada não tem a sofisticação do cilindro para manter o filme sempre mergulhado no banho.

Creio que este tipo de revelação só funcione com filmes que permitam revelação com algum tipo de luz de segurança. Filmes ortocromáticos, por exemplo, que podem ser revelados sob luz vermelha ou âmbar.

Aproveitando, segue uma tabela interessante com as datas dos principais processos de negativos fotográficos. Ele foi tirado de uma publicação de María Fernanda Valverde Valdés, com o título Photographic negatives : nature and evolution of processes . Nela é possível se notar que foi apenas uma década entre a invenção do processo de gelatina de prata e os primeiros filmes flexíveis em Nitrato de Celulose.

Espirais antigas

Apesar das bandejas com roletes, logo a geometria da espiral foi identificada como sendo a ideal para dar acesso do revelador à superfície da emulsão mantendo o filme em um volume mais contido. A ideia não passa de ser um rolo mais fofo. Este tanque da Kodak, para filme 120, ainda não era como as espirais de aço ou plástico. A elegante caixinha em madeira permitia se enrolar juntos o filme e uma tira de acetado (ou algo parecido) nas bordas da qual havia uma tira dentada de borracha (ilustração abaixo)  essa tira dentada garantia uma distância entre o filme, no lado da emulsão, e as costas do acetado na volta anterior, dando assim acesso ao revelador.

Uma vez enrolados juntos a espiral ia para um tanque de revelação cilíndrico, muito bonito, feito em metal niquelado. O sistema foi sucesso por um tempo e carregadores e tanques semelhantes foram feitos para vários formatos.

Alguns deles seriam classificados hoje como “grande formato”. É o caso deste da foto acima que era provavelmente utilizado para formatos como o  que permitia fotos no tamanho “cabinet”, algo como 10 x 14 cm.

Foto do Leica Manual Morgan & Lester (1951)

O mesmo princípio foi utilizado mais tarde pela Leitz, fabricante das legendárias Leicas. O tanque em si já se parece com o das espirais atuais, por conta das dimensões do filme. Mas a ideia de enrolar juntos o filme e uma base de plástico foi novamente utilizada. No tanque da Kodak uma tira de borracha com dentes é costurada nas bordas base plástica.

No caso do Leitz Correx Tank, a própria fita plástica é deformada de modo a criar protuberâncias em suas bordas para manter a emulsão livre do contado da camada mais interna no rolo do filme. Esse sistema foi muito bem acolhido, re-copiado e criou até barreiras para a introdução das espirais convencionais de aço inox ou plástico, as quais só passaram a dominar nos anos 50 (informação do amigo, fotógrafo e pesquisador Martin Carone dos Santos). O mais incrível é que a qualidade dos materiais empregados era tal que até hoje fotógrafos utilizam o Correx da Leitz (o Martin é um deles). Enquanto que plásticos de hoje em poucos anos ressecam e se tornam quebradiços, o tanque de bakelite e a fita transparente do Correx continuam servindo e resistindo ao envelhecimento.

Espirais “luz do dia”

Parece que foi uma preocupação por algum tempo a questão do escuro para se carregar a espiral. Alguns sistemas foram propostos para que o cartucho do filme fosse colocado dentro de um recipiente e de lá fosse transportado para a espiral em plena luz do dia.

Esse é o caso dessa linda peça em bakelite da Agfa, o Rondinax. O próprio cartuxo de filme 35 mm é colocado dentro dela, em seguida ela é tampada, já com a ponta do filme engatada, e então, girando-se o botão grande mostrado na foto, o filme é puxado para a espiral. Dessa forma pode-se revelar um filme sem necessidade de um quarto escuro.

Do ponto de vista de ferramentaria esta é uma peça muito complexa. Uma verdadeira proeza de construção em uma época em que se desenhava em pranchetas e sem o auxílio de AutoCad e computadores comandando tornos e fresadoras.

Outra peça em bakelite, este tanque de revelação da Minox segue o mesmo conceito e pode-se revelar um filme no claro. Mais um ponto de flexibilidade para esta câmera, a preferida dos agentes secretos da Guerra Fria nos anos 60.

Placas de vidro em lotes

Ainda que os negativos em papel inventados por Henry Fox Talbot, o primeiro processo negativo/positivo de sucesso, tenham sido historicamente importantíssimos e abraçados com fervor por fotógrafos famosos, no início das emulsões em gelatina de prata era o vidro o suporte de predileção da grande maioria. A revelação em bandejas era a forma mais óbvia de se lidar com uma chapa de vidro emulsionada. Porém, com a necessidade de maior produção, logo surgiram alternativas para processamento em lotes.

Esse é o caso do aparelho acima. Construído em metal, provavelmente latão, e recoberto por uma camada de níquel ou equivalente, este tanque permite se revelar 6 placas de vidro de 9 x 12 cm. Para carregar é preciso luz nenhuma ou luz de segurança, conforme a emulsão em uso. Mas depois de tampado o processamento se faz com luz ambiente. A tampa superior serve para se verter os banhos e no canto inferior temos uma válvula de esgotamento. O esgotamento é muito lento mas é também verdade que os banhos de revelação eram relativamente longos de modo que esse tempo de passagem de um banho a outro não resultava em desigualdades de tratamento.

No primeiro quarto do século XX as placas de vidro, que chamamos de “placas secas”, tradução direta de dry plates, foram muito utilizadas tanto por profissionais como amadores. As detective cameras, como Klito ou a Midg, por exemplo, carregavam 12 dessas placas e foram muito importantes na desprofissionalização da fotografia. Existiam muitos fabricantes dessas placas ao redor do mundo. Não havia a concentração que depois se observou na industria de filmes onde poucos nomes dominaram o mercado. Os tanques de revelação, em especial os que podiam revelar com luz ambiente, seguiram a tendência e faziam parte obrigatória do equipamento do fotógrafo amador.

Produção em larga escala

A circulação de imagens na segunda metade do século XIX e início do XX, mesmo com os processos de impressão foto-mecânica, como o off-set, ocorria em grande escala usando suportes puramente fotográficos. Esse era o caso, por exemplo, das muito populares transparências de vidro em 3D como as das fotos abaixo. Curiosidades como monumentos, cidades, lugares distantes, animais, outras culturas e povos, eram distribuídas em placas de vidro em formatos normalmente 6 x 13 cm (como as da foto abaixo) ou 4 x 9 cm. Para que fossem vistas em pequenos visores ou até em modelos de chão para locais públicos nos quais era necessário se colocar uma moeda para se apreciar um certo número de imagens.

Para essas produções, já em escala industrial, cestos como o da foto acima eram manipulados em tanques grandes e capazes de processar vários conjuntos ao mesmo tempo. Neste exemplo são fotos de uma série de animais em zoológicos.

Visores portáteis para essas transparências de vidro, como os mostrado acima, feitos para se ver imagens em três dimensões, iam além do mundo do fotógrafo e entravam para o universo das curiosidades e colecionismo. Daí a necessidade de produção em larga escala em laboratórios de revelação industriais.

Transição para o filme flexível

Houve uma época em as placas de vidro conviveram com os filmes flexíveis. Isso aconteceu especialmente entre as duas Grandes Guerras. As câmeras possuíam chassis que aceitavam as placas de vidro, de 1mm de espessura, mas também, com a ajuda de um inserto podiam ser carregadas com filmes flexíveis.

Acima vemos um chassis deste tipo no formato 6,5 x 9 cm. A placa de vidro pode ir diretamente dentro dele ou, com os insertos à esquerda, pode-se carregar chapas de filme no mesmo formato.

Os tanques de revelação seguiram a mesma tendência ao hibridismo. Acima está um tanque em metal niquelado chamado “Dallan, film pack tank”. Foi doação de David Glat, do Museu do Brinquedo Popular, fica aqui o agradecimento. As placas de vidro podem ir diretamente no rack, como no tanque 9 x 12 mais acima, ou, com o auxílio dos insertos curvos, pode-se carregar também filmes flexíveis.

Os film pack eram interessantes alternativas para se usar filmes em chapas, mas com a possibilidade de se carregar várias em um único pacote. As chapas individuais de filme flexível ficavam empilhadas e com tiras de papel presas em uma das bordas. Cada vez que uma foto era exposta o fotógrafo puxava sua tira de papel que ficava para fora e ela era deslizada para o fundo da pilha deixando uma nova chapa na posição para ser exposta.

O sistema foi abandonado para negativos em favor dos filmes em rolo ou chapas avulsas carregadas em chassis uma a uma. Mas o filme pack ainda sobrevive nas câmeras para positivo direto em sistemas tipo Polaroid.

No início eram as bandejas

Sem dúvida esse é o sistema mais longevo da revelação analógica de emulsões a gelatina de prata. Foi o primeiro e é usado até hoje. O que há de especial em uma bandeja para que ela seja considerada fotográfica é que o fundo não pode ser liso. Se for, haverá tendência do filme ou papel grudar nesse fundo e aí ficará difícil manusear. As bandejas para uso em fotografia, que hoje estão ficando difíceis de se encontrar, foram fabricadas normalmente em algum material plástico por vacuum forming, uma chapa de plástico é aquecida e ao amolecer é sugada para dentro de um molde (daí o nome).

A segunda característica de uma bandeja fotográfica é que ela tenha em um dos cantos um bico para ajudar a verter o banho para fora dela. A terceira é que tenha um tamanho compatível com os negativos ou positivos que nelas iremos revelar. Em geral um a dois centímetros maior em cada uma das dimensões. As formas de cozinha, embora muito parecidas, não possuem em geral essas características.

Mas a fotografia existe desde muito antes dos plásticos. No início as bandejas eram de porcelana ou vidro como as da foto acima. Eu encontrei algumas dessas na feira de Bièvres. É muito difícil datar uma peça dessas. Algumas são bem formadas e pode-se perceber um processo mais industrializado. Isso sugere algo mais recente. Mas a louça em bandejas e acessórios de revelação data provavelmente de antes do bakelite (inventado em 1907). O bakelite substituiu muita coisa em fotografia e depois vieram outros plásticos. Deve ter havido uma fase de transição mas acredito que nos anos 20 já devia ser mais raro o uso da louça. Mas é claro que isso é pura especulação.

Em outros casos como a da foto abaixo, percebemos uma irregularidade e uma simplicidade que sugere uma peça inteiramente formada à mão.  Talvez seja mais antiga.

Sobre seu uso em fotografia, afinal poderia ser uma bandeja qualquer, assim como hoje muita gente usa formas de cozinha, poderia ser um ponto de dúvida. Mas, felizmente, o seu antigo proprietário, provavelmente para evitar contaminação entre os banhos, escreveu na traseira da bandeja “hyposulfite”, e isso não deixa dúvidas de que essa é uma muito antiga bandeja de fixador. Uma peça de arqueologia da fotografia.

Ainda hoje eu as utilizo. A vantagem é que possuem uma grande quantidade de material e isso oferece uma capacidade térmica alta, ou seja, uma vez equilibradas com o revelador a 20ºC elas ajudam a manter essa temperatura por mais tempo que uma bandeja de plástico, por exemplo. Mas mesmo sem considerar essa questão (desculpa) mais técnica, é um grande prazer manusear essas peças históricas e pensar que apesar da idade ainda funcionam.

3 CommentsLeave a comment

    • Não acho que seja boa ideia não. Tudo que eu vi de laboratório até hoje gira em torno de vidro, aço inox ou plástico. Creio que os banhos irão atacar o alumínio e outros compostos irão se formar, possivelmente não inertes para os processos fotográficos. No formato marmitex você deve achar coisas tipo Tupperware ou formas de vidro. O problema a resolver aí é como evitar que o filme/papel grudem no fundo.

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