Museu George Eastman, fundador da Kodak, é uma instituição multifacetada cujo maior desafio é a imensa riqueza de suas coleções em diferentes ramos do fazer imagens. Lá se encontra uma biblioteca com publicações raríssimas, históricas, como um exemplar do “Pencil of Nature” de Henry Fox Talbot, todos os exemplares do Camera Work (1903-1917) revista editada e publicada por Alfred Stieglitz, anuários e manuais de Josef Maria Eder, cadernos de anotações de fotógrafos, manuscritos, literatura técnica, e a lista vai longe incluindo de tudo sobre fotografia e cinema até nossos dias. Na sua reserva técnica encontra-se também uma enorme coleção de fotografias em todas as técnicas de impressão, desde os primórdios até o contemporâneo – milhares de daguerreotipos, por exemplo. Há um departamento dedicado à preservação de filmes, para a própria coleção, mas que sistematicamente forma profissionais e compartilha suas técnicas e conhecimentos. Há mesmo um curso de graduação para conservadores. A coleção de equipamentos de fotografia e cinema está entre as melhores do mundo e conta com todos os tipos de câmeras, lentes, materiais de laboratório, projeção e processamento . Tudo isso e ainda na mansão construída por George Eastman e na qual ele viveu os últimos 30 anos de sua vida.
Se eu fosse um arqueólogo do ano 6000, eu gostaria de escavar exatamente ali onde o Museu George Eastman se encontra. Provavelmente nada dirá mais sobre nossa era do que nossa relação com as imagens e lá está uma amostra extremamente rica e densa dessa aventura. A questão hoje é como fazer com que esse patrimônio viva e ofereça oportunidades para descobertas, para compreensão e digestão de nosso próprio tempo. Este é o desafio dos curadores do museu.
Minha visita foi de apenas um dia, aproveitando que estava “por perto” em Boston. Infelizmente não pude ver a biblioteca ou qualquer outro de seus tesouros escondidos: lentes, câmeras ou fotografias. Eu tinha um horário marcado para o dia anterior (é preciso marcar hora) mas uma nevasca cancelou meu voo e para o dia seguinte, quando consegui chegar, não havia ninguém para me acompanhar. Então só posso contar sobre minhas impressões e experiências nas salas regularmente abertas.
O museu abriu em 1949 para mostrar suas coleções. Em 1989, uma extensão foi construída incluindo um vasto subsolo onde fica a reserva técnica. A casa em si foi esvaziada e restaurada para parecer exatamente como era quando George Eastman nela vivia. Dizem que 85% da mobília e objetos foram encontrados e trazidos de volta. Graças a um grande número de fotografias (com se poderia esperar) de seus tempos áureos, foi possível se fazer uma restauração praticamente exata.
Essa iniciativa, corroborada nas visitas guiadas e outros materiais e informações, dá ao visitante a forte impressão de que o museu é mais sobre a vida privada e caráter de George Eastman do que sobre sua visão e influência, ou ainda sobre o impacto da fotografia e cinema em nossa cultura. Até mesmo o papel da Kodak só aparece em um distante segundo plano.
George Eastman
Algumas palavras então sobre George Eastman antes de continuarmos com o museu; Nascido em 1854, George teve duas irmãs. Seu pai não foi muito presente pois cuidava da fazenda onde viviam enquanto era também professor de contabilidade em Rochester a 225 km de distância. Ele morreu quando George tinha 6 anos de idade. O garoto era muito ligado à sua mãe e isso perdurou até sua vida adulta. Com 15 anos de idade ele começou a trabalhar como office-boy e mais tarde tornou-se contador-junior. Tomou contato com a fotografia experimentando-a quando tinha 23 anos (1877). Os fotógrafos costumavam preparar seus próprios negativos e papéis e George Eastman, começou a produzir placas secas (precursor do filme mas em vidro), para vende-las, poupando assim esse trabalho aos fotógrafos. Desenvolveu uma máquina aplicadora de emulsão para ter maior produtividade. Era uma atividade noturna enquanto ainda trabalhava como contador durante o dia. Ele só pediu demissão em 1881. Este foi o início da Kodak. Ele era certamente workaholic e perfeccionista; nunca se casou, não gostava de publicidade em torno de seu nome, viveu com sua mãe e ficou muito deprimido quando ela morreu em 1907, quando já viviam na mansão que ele construiu no número 900 da East Avenue em Rochester, estado de New York onde hoje é o museu. Aos 72 anos ele tinha enorme dificuldade de locomoção por conta de fortes dores na coluna. Aparentemente, não suportando a ideia de ficar preso a uma cadeira de rodas, matou-se como um tiro no peito.
A mansão é fantástica e não deixa dúvidas sobre a extensão do enorme sucesso financeiro de George Eastman. No entanto, acumular dinheiro não era uma de suas preocupações ou prazeres. É bem conhecida e reconhecida a sua veia filantrópica. O guia, ao apresentar a mansão nos contou, apontando a mesa de jantar, para a reverente admiração da audiência, que foi bem ali que ele assinou, por exemplo, um cheque de 30 milhões de dólares em doação à Universidade de Rochester. George Eastman foi patrono de muitas iniciativas em educação e saúde nos Estados Unidos e também na Inglaterra. Ele costumava dizer que preferia doar em vida do que criar alguma fundação ou algo assim para futuros projetos em filantropia.
Gostava também de caçar. Em muitas salas encontra-se troféus de caça como estes marfins que ele trouxe da África. Achei louvável o museu não ter editado este aspecto de sua vida. Seria lamentável ceder ao politicamente correto para se encaixar nos padrões de hoje. Com certeza, muitas pessoas maravilhosas foram caçadoras naquela época.
Seu empreendedorismo é colocado lado a lado com sua filantropia como a essência de suas qualidades pessoais. Fotografia foi a oportunidade que ele percebeu no momento preciso, que agarrou com o consumer insight perfeito, que desenvolveu com a engenharia adequada, fez crescer com as habilidades gerenciais corretas, mas, poderia ter sido qualquer outra coisa. Sua saga teria sido grandiosa de qualquer modo. Poderia ter sido em sabonetes, comida pronta… ou o que for. Ele nasceu para fazer dinheiro, born to make money, como se lê em um livro, para crianças, aberto em certo ponto da exposição. Isto é certamente verdade e permanece de qualquer forma como algo admirável. Seria também interessante colocar um pouco mais de peso no lado da fotografia em toda essa história. O que se passava com a sociedade por aqueles tempos? Por que as pessoas estavam tão fascinadas com a ideia de guardar suas imagens? O que a maneira como se fotografavam nos diz sobre elas? Como a indústria satisfez ou dirigiu essa tendência? Isso parece ser considerado muito óbvio para se notar ou de qualquer forma sem interesse para ser abordado por alguma outra razão.
Galeria História da Fotografia
Há uma sala onde permanentemente acontece uma mostra com o título História da Fotografia. Ela é feita com equipamentos e fotografias e muda a cada 4 meses fazendo uma rotação dentro das enormes coleções do museu. Desta vez, era algo muito previsível para uma mostra com seis vitrines: uma para daguerreotipos e colódio, com câmeras e equipamentos de laboratório, outra com Graflexes, a mais icônica câmera fotográfica americana, uma terceira com máquinas da Kodak, outra com Nikon e Canon, representando a indústria japonesa, tão importante para o negócio de filmes da Kodak, uma com Leicas e a última, que aparece com pessoas em volta, uma câmera feita para a Nasa utilizar em uma de suas espaçonaves. Tudo com etiquetas de datas, modelos, tipos… mas nenhuma narrativa construída, nenhuma proposta apresentada ou nó amarrando as coisas.
Nas paredes e sem conexão com os equipamentos mostrados na mesma sala, havia exemplos de tipos de impressão, daguerreotipos, calotipos, albumem e também gelatina de prata e ink-jet. Mostravam diferentes abordagens da fotografia e constituíam uma mostra intitulada México e a imaginação fotográfica. Fotos com assuntos mexicanos mas não necessariamente de fotógrafos locais. Um ponto que vale a pena se observar é que não havia qualquer demarcação entre High Art e Low Art, fotógrafos famosos e desconhecidos. Esta escultura fotográfica anônima (acima) apresentava-se junto com Paul Strand (abaixo). Um museu como o George Eastman e outros de fotografia especificamente, tornam inócua essa distinção pela qual tanta gente se debate ferozmente em outras paragens.
Galeria Corredor
No primeiro andar, na mansão, duas salas e um corredor foram tomados para uma outra galeria com a exposição permanente chamada “Da câmera escura à revolucionária Kodak”. Há uma sala inteira que funciona como uma câmera escura dando para um dos jardins com o objetivo de mostrar o princípio da construção de imagens. Três vitrines sobre os primeiros anos da fotografia, de daguerreotipos até placas secas…
… e na sequência o corredor com uma instrutiva seleção de fotografias (fac-símiles), câmeras, propaganda e textos sobre a muito original estratégia de marketing colocada em ação por George Eastman a fim de alargar o público consumir de fotografia.
No mesmo andar há um sala preparada para atividades com estudantes. É um ambiente de feira de ciências onde as crianças podem compreender e experimentar como animação e cinema funcionam passo a passo.
Atividades no Museu George Eastman
Longe de ser uma estática exposição de coisas antigas, como a palavra “museu” parecia conotar algumas décadas atrás, o Museu George Eastman é bem ligado nas tendências atuais para funcionar como um centro cultural e tem um animado programa que inclui exposições de fotografia contemporânea, exibição de filmes, conversas, workshops sobre processos alternativos, conservação e restauração de filmes e muito mais.
Isso é ótimo para pessoas vivendo por perto e em condições de frequentar muitas destas atividades interessantes. O dia em que eu estive lá havia uma exposição individual de um fotógrafo de Chicago, Richard Renaldi na Project Gallery, um outro espaço do Museu. A mostra chamava-se Manhatan Sunday.
Era sobre aquela hora em que a noite acaba para algumas pessoas e o dia começa para outras. Richard capturou essa atmosfera em transição em uma série de retratos e algumas paisagens urbanas. Bom trabalho em preto e branco.
Finalmente, as galerias e a casa nos convidam a passear e explorar cada canto. Algumas instalações são interessantes para uma fruição estética e informativa ao mesmo tempo, como essa grande parede, feita de amostras de pigmentos utilizados no desenvolvimento de emulsões para filmes coloridos. Há um café muito simpático onde se pode comer alguma coisa. Quanto à lojinha, a parte de livros é fraca, mas tem uma porção de objetos, joguinhos, canetas, canecas, etc, etc onde alguém poderá certamente encontrar algum souvenir que lhe agrade.
Se você é um visitante ocasional, acredito que o melhor mesmo a fazer para visitar o Museu George Eastman é, no caso de você ter um projeto de pesquisa, uma área específica de interesse ou algo do tipo, planejar sua visita com muita antecedência, fazer um levantamento prévio no banco de dados, informar e discutir com eles o que você pretende, pedir ajuda, e então separar alguns dias para mergulhar nas riquíssimas coleções de fotografias, equipamentos, livros e documentos que eles possuem. Visitar o museu em si é interessante mas o sub-solo, que eu não vi, com certeza é muito mais.
Pense também na possibilidade de fazer isso no verão.
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essa prateleira de pigmentos é um sonho!
já está em minha lista de lugares à visitar. Mas este, pelo dito, tem que ser com estadia de uns 15 dias em hotel bem próximo…
A fotografia é o registro da existência. Acredito que de todas as formas , todos os tipos de fotografia, a que mais chama a atenção é, sem dúvida, a de pessoas. No meu entender ela veio popularizar o que era realizado apenas pelos pintores. História fascinante.