Lambe-lambe era uma profissão, um processo, uma câmera e um laboratório fotográfico, tudo ao mesmo tempo. Hoje é uma memória que alguns estudiosos apaixonados cuidam de guardar. Para quem não teve a oportunidade de se fazer retratar e usufruir assim do lambe-lambe na sua finalidade primária, ainda assim, é interessante conhece-lo, pois ele nos faz refletir sobre nossa relação com as imagens e como cuidamos hoje em dia de nossas lembranças e vivências.
Na programação paralela da exposição Retrato Popular, do vernáculo ao espetáculo, em cartaz no SESC Belenzinho, há uma atividade intitulada Retrato Lambe-lambe na Praça, na qual os fotógrafos e pesquisadores Marcos Zaniboni, Cássia Xavier, Gustavo Falqueiro e Élcio Mello organizam intervenções no jardim do SESC Belenzinho. Durante os finais de semana, protagonizam o papel do ancestral fotógrafo lambe-lambe. As imagens deste post foram realizadas em uma dessas sessões que aconteceu no dia 02/07/2016, quando Marcos Zaniboni, que trabalha no estúdio de fotografia Oficina do Olhar, em Pirassununga SP, esteve lá com sua câmera, fotografando e explicando o processo.
Uma rápida palavra sobre a fotografia lambe-lambe em si: acontecia nas praças e locais de grande circulação de pessoas. A foto ao lado, está na Wikipedia, (autoria de José Moutinho – Portugal). É uma foto recente, de 2010, mas dá bem a ideia do que era. No caso o fotógrafo lambe-lambe, ou minuteiro , outro nome utilizado, realizava uma reprodução. O objetivo era, em uma época na qual se usavam filmes e papéis fotográficos, poder clicar e entregar uma foto de tamanho reduzido fazendo todo o processo no próprio local da tomada da fotografia. Os clientes típicos eram pessoas que passeavam pelo local e as fotos eram guardadas como lembranças.
Podemos considerar que seria uma compra por impulso, pois existiam estúdios que ofereciam fotos mais ou menos do mesmo gênero de memórias de família, noivos ou aniversariantes, só que requeriam um processo mais longo, com mais recursos e melhores resultados. O lambe-lambe, era a versão mais imediata, mais pobre e ao mesmo tempo mais espontânea e menos ambiciosa. Consequência disso, pelo que sabemos sobre as qualidades e necessidades dos papéis de gelatina de prata, a durabilidade de fotos fixadas e lavadas tão rapidamente, com tão pouca água, não poderia ser muito grande e deve ser isso torna mais se encontrar verdadeiras fotografias de lambe-lambe hoje em dia. Ironicamente, aquilo que era a memória afetiva de um parente ou amigo, tornou-se alvo de cobiça de colecionadores e artistas contemporâneos que disputam as pequenas fotos mesmo sem fazer ideia de quem seja o retratado. Mas vamos ao processo:
A câmera é uma caixa e como todas possui uma lente e um chassi para se colocar o material sensível. Os dois trilhos que aparecem no alto são fundamentais pois eles sustentam em um primeiro momento o vidro despolido que servirá para o enquadramento e foco. Ao deslizar um chassis preso a ele, a aproximação ou afastamento em relação à lente, encontra no ponto correto a imagem que se forma no vidro despolido. Com a tampa superior fechada o fotógrafo abre a lente, olha por uma janela na parte traseira da caixa e pode avaliar a cena que irá fotografar.
No caso que acompanhei, era essa sorridente família que se divertiu muito com a tecnologia.
Antes de iniciar, a câmera já deve ter uma reserva de filme ou papéis no seu interior e é dela que o fotógrafo irá se servir no momento de preparar o clique. Para abastecer a caixa com papéis ou filmes, assim como para quaisquer outras operações que não possam ser na presença de luz, o fotógrafo utiliza dois acessos laterais para as mãos que são isolados com mangas de tecido à prova de luz. Normalmente, se utilizaria algum filme preto e branco para produzir uma matriz a ser copiada. Mas como o propósito no SESC era mais didático e de se falar sobre e mostrar o processo, foi utilizado papel. A dificuldade do filme é que ele geraria um negativo e este ainda teria que ser seco e copiado sobre papel, por contato, para se chegar à fotografia final positiva. Infelizmente não era esse o caso.
A lente era uma Heliar da Voigtlander 13,5cm f4,5, provavelmente canibalização de uma Bergheil 9 x 12 da década de 1930. Marcos contou que esta câmera lambe-lambe foi construída a partir de um plano de uma câmera afegã. Essa é uma característica da fotografia lambe-lambe, isto é, os aparelhos eram, e hoje mais do que nunca são, fabricados pelos próprios fotógrafos usando partes de outras câmeras, adaptando e improvisando. Mas no auge da fotografia de jardim existiam também fabricantes e aparelhos com marca já desenhados para esse fim.
Esta era a visão que se tinha no interior da caixa.
O passo seguinte, uma vez enquadrado e marcado o foco, foi fechar e lente e carregar o papel fotográfico no local onde estava o plano da imagem. A família for solicitada a não se mover e eles pacientemente obedeceram. O acesso é novamente a lateral da câmera e a haste que Marcos puxa com a mão esquerda, é a que faz correr o chassis no interior da caixa e torna o mesmo mais ao alcance para a operação de posicionamento do papel no local do vidro despolido. Ela precisa voltar à posição anterior onde o enquadramento e o foco foi realizado.
Tudo pronto, vem o momento sorriso e do click.
A revelação também é feita através das aberturas laterais. Consiste em retirar, pelo tato, o papel do seu chassis e passar pelos banhos de revelação e fixação. Para simplificar, foi eliminada a etapa com o interruptor ácido. Isso não tem outra consequência que apenas diminuir a vida útil do fixador. Quando a fotografia sai deste segundo banho já pode ser vista na luz. É então hora de lavar em uma banheira maior já do lado de fora da câmera.
Na bandeja acima podemos ver o aspecto geral dos negativos em papel. Para remediar, essa apresentação que não condiz com a realidade, fotografava-se com o celular do cliente o papel em negativo e a seguir, com uma inversão a foto via aplicativo a imagem, agora digital, ficava positiva.
Irão até 31/jul/2016 as demonstrações de fotografia lambe-lambe, como foi dito acima, é uma programação complementar à exposição Retrato Popular, do vernáculo ao espetáculo, com curadoria de Valéria Laena, Titus Riedl e Roseli Nakagawa. Para mais informações acesse o site do SESC. É muito fácil chegar lá de Metro descendo na estação Belenzinho da linha 3 vermelha. Um ótimo passeio.