– 9 cm | f:6.8 | 1904 –
Entre as várias evoluções rumo a uma imagem nítida, com ângulo de visão razoável, com boa abertura na lente e campo focal plano, um marco na história das ópticas que pode ser reconhecido facilmente foi o surgimento das lentes anastigmáticas. Estas são, como o nome sugere, as que corrigiam o astigmatismo. Stigma significa ponto. A aberração óptica astigmatismo significa “não ponto”, ou seja, quando não se consegue gerar uma imagem pontual a partir de um ponto no objeto. A palavra “anastigmática” articula uma dupla negação: “não – não – ponto”, esta foi a maneira de anunciar uma lente capaz de gerar uma imagem finalmente pontual para os pontos, mesmo na periferia da imagem.
Diferente da lente de Petzval ou das Rapid Rectilinear, esta não foi uma proeza dos opticistas propriamente. Praticamente todos já sabiam como resolver o problema, todos os grandes fabricantes já conheciam qual seria o caminho para um desenho de uma lente anastigmática. O que lhes faltava era um vidro com as características necessárias para se construir a tal lente. Seria um vidro tipo Crown com alto índice de refração. Esse vidro veio de Jena na Alemanha. In 1884, Otto Schott em parceria com o físico Ernst Abbe, que trabalhava para Carl Zeiss, desenvolveram o novo vidro que permitiria o grande avanço. A Zeiss obviamente esteve entre as primeiras a lançar lentes anastigmáticas que mais tarde receberiam o nome fantasia Protar. Mas imediatamente o vidro de Jena foi adotado por todos e assim vieram os nomes famosos como Unar, Planar, da própria Zeiss e Dagor da Goerz, Stigmatics da Dallmeyer, Orthostigmat da Steinheil e, justamente, a lente deste artigo, a Collinear da Voigtländer.
Desde o início da fotografia, desde a lente de Petzval, foram muito apreciadas as lentes com foco suave, no todo ou na periferia da imagem, para retratos. Eram conhecidas como ópticas artísticas. Mas uma foto como essa acima, que aparece no The American Annual of Photography (Times Bulletin) for 1904, seria praticamente impossível sem uma lente anastigmática. Utilizando-se lentes de conceitos anteriores, mesmo uma Rapid Rectilinear, a nitidez em todo o campo só seria possível com uma abertura muito pequena e impraticável em fotografia de grupos, por mais colaborativo e estático que o grupo fosse.
O desenho foi patenteado em 1893 (Vademecum pag 306) ou, de acordo com Kingslake, em 1895 (pag 95). Assim como a Dagor da Goerz ou a Orthostigmat da Steinheil, que já haviam aparecido cerca dois anos antes (foi tudo muito rápido nessa época e as fontes nem sempre estão de acordo quanto a datas e pioneirismos), a Collinear tira partido da simetria. São dois grupos idênticos, 3 lentes coladas, colocados simetricamente em relação ao diafragma.
A Collinear, que algumas vezes aparece como Kollinear, foi fabricada em quatro séries diferenciadas pela abertura máxima indo de f/5.4, a mais luminosa na série II e de não muito boa reputação quanto à qualidade da imagem nessa abertura, até f/12.5 na série IV, uma grande angular cobrindo 100º. Esta, neste post, é uma da série III com abertura máxima f/6.8. Na escala da lente se lê números f: 6.8 – 9 – 12 – 18 – 25 – 36 – 50
Elas foram fabricadas em muitas distâncias focais entre 6 e 58 cm (Vademecum). Esta é uma pequena 9 cm (90 mm) e foi fabricada em 1904, pelo seu número de série. Provavelmente equipava alguma câmera do tipo detetive com obturador de cortina, que estavam bem na moda em sua época.
Tenho essa suspeita pelo tipo de construção do corpo que coloca a rosca bem à frente da lente deixando um mínimo a avançar além da flange e a maior parte do corpo dentro da câmera. Isso normalmente é feito para facilitar o foco no infinito em lentes curtas. Como essa é um 9 cm que cobre 9 x 12 cm e como ainda precisava de um obturador, imagino que tenha sido esse o caso. Talvez uma klapp camera
Eu a montei em uma Thornton Pickard adaptada para 4×5″. Originalmente essa câmera seria um pouco maior, mas como recebeu um back caseiro para poder usar film holders padrão, ficou para 4×5″ ou 9×12 cm.
A consequência é que mesmo aproximando ao máximo a lente (lens board) do vidro despolido a mesma fica ainda muito afastada para focar no infinito. Por essa razão construí um lens board com recuo de modo que a lente fica a uma distância operacional mesmo para uma câmera um pouco grande para ela. Aproveitei o recuo para fazer o obturador (tampa) que aparece à direita na foto acima.
Para experimentar eu fiz uma foto pensando em explorar tanto o bom ângulo que a lente abraça como a sua nitidez e perspectiva correta. Coloquei a câmera no chão na posição mostrada na foto abaixo. Depois de enquadrar e focar fechei a lente até que a pupila de entrada ficasse com mais ou menos 2 mm. Como a focal é de 90 mm isso me deu uma abertura de f/45. Usei esse método pois ainda preciso dar uma olhada nessa escala utilizada pela Voigländer e entender sua lógica.
O filme foi um 4×5″ Fortepan 200 ASA revelado em Pyrocat HD e o resultado foi a foto abaixo. Eu subi 1 cm o lens board para baixar um pouco a linha do horizonte e isso criou a vinheta nos cantos superiores da foto. Aproveitando esse fato fiz o cálculo do ângulo de visão considerando que ela estaria, no eixo, cobrindo justinho um filme 4×5″, sem margem para movimentos. A diagonal desse formato (~ 100 x 125mm) é aproximadamente 160 mm (veja uma calculadora online nesta página). Com esse círculo de imagem e focal de 90 mm podemos calcular (nesta página) que o ângulo de visão é 83º. Temos portanto uma grande angular.
A imagem acima é um scan de uma ampliação 24 x 30 cm em papel Ilford fibra mate. Pode-se argumentar que f/45 não é uma abertura que diga muito sobre uma óptica, ou, que a lente precisaria ser muito ruim para não funcionar bem até nessa abertura tão fechada. Mas o objetivo, antes de testar a lente, era fazer com ela uma foto que me agradasse. Não sei até que ponto a familiaridade com esse quarto e esses objetos pesa na minha avaliação… mas eu gostei muito!