Construa um Camera Back 4×5″

Um projeto de câmera de grande formato caseira pode ser algo muito simples já que no final das contas é apenas uma câmara escura. Principalmente quem faz pinhole costuma improvisar com caixas de sapatos, latas e outros materiais desse tipo. Porém, se você quer usar filmes, lentes, ter a possibilidade de focar com alguma precisão e poder carregar filmes na câmera à luz do dia, o que não é querer muito para um fotógrafo, algumas partes do projeto podem se tornar complicadas.

Neste tutorial vamos ver uma maneira simplificada de se fazer um back de câmera de grande formato. No caso, será para uma 4×5″ utilizando os cassetes que já existem no mercado, pois fazer um cassete, chassis ou film-holder, é realmente muito difícil por conta dos materiais e precisão das peças. Porém, fazer a parte que tem o vidro despolido e que recebe o chassis para a tomada da foto é muito mais simples e pode ser feita caseiramente.

No vídeo acima eu mostro o back que fiz para equipar uma antiga Thornton Pickard que comprei como sucata em Bièvres. O vídeo é mais para mostrar o que é, como ficou e a utilização. Abaixo o detalhamento das medidas e dicas de construção.

Construção do camera back

Assim como no back da Linhof, que serviu de inspiração, o projeto seguiu um esquema em duas peças básicas.

Ele é formado por uma espécie de moldura que fica presa na câmera e que recebe uma outra moldura que contém o vidro despolido. Na Linhof, a peça presa na câmera poder girar livremente, em qualquer ângulo, mas isso seria muito luxo para um projeto caseiro. Girar 90º, por outro lado, é uma característica bem desejável para se escolher entre paisagem ou retrato. A peça com o vidro despolido fica constantemente pressionada contra a primeira por meio de duas molas. O film holder é inserido entre as duas como se fosse uma gaveta e são as molas que o mantém preso sua posição.

Base na câmera

Para construir a base comece com 4 pedaços de madeira compensada de 4 a 6 mm de espessura. Não aconselho usar MDF. O compensado é mais estrutural e estável. Arranjados como na foto acima os quatro pedaços devem formar um quadro vazado no centro. As medidas externas devem seguir o tamanho e desenho de sua câmera e de preferência de forma quadrada para poder girar 90º. Os bicos cortados foram necessários para a montagem na Thornton Pickard, não serão necessários em outras câmeras. As medidas internas seguem o tamanho da janela do seu film holder e devem estar próximas de 4×5″. Lembrando que uma polegada equivale a 25,4 mm. O holder para 9×12 cm tem a mesma forma externa, apenas a janela é um pouco menor que 4×5″. Portanto, os dois formatos são intercambiáveis no que diz respeito à câmera. Mas não quanto ao filme, cada um precisa usar chapas no formato correto.

Junto a essa moldura irão três pedaços de madeira que formam o encaixe do film holder. Eles formam assim três paredes e deixam um lado livre que é por onde o film holder irá entrar. As medidas externas são razoavelmente livres mas as internas devem ficar bem justas, com o mínimo de folga, para o encaixe perfeito do film holder. Isso é muito importante para se evitar vazamentos de luz. Eu fiz com 19 mm as ripas do lado maior pois são as que irão receber as duas molas. A ripa do fundo ficou com 10 mm pois seu papel é apenas fechar o fundo.

Por conta da limitada precisão das ferramentas manuais que utilizo, tenho a política de que se duas peças devem se encaixar então é melhor montá-las encaixadas. Não arrisco fazer sob medida para tentar encaixar depois. Seguido esse princípio eu prendi as peças da base com fita crepe, virei, coloquei o film holder no seu lugar, centralizando bem as duas janelas, e prendi o mesmo com pedacinhos de fita dupla face. Só então é que coloquei as paredes em volta dele com cola branca (vinílica) tomando o cuidado de não sujar o holder de cola. Prendi bem com grampos de pressão e deixei secar de um dia para o outro. Isso é o que se vê na próxima foto e que garantiu encaixe perfeito. Depois de seco, coloquei  dois parafusos em cada ripa para não ficar dependendo apenas da cola para manter a estrutura.

A altura das paredes segue a altura dos holders, por volta de 12 mm. Não é muito crítica. No back da Linhof essa parede é bem mais baixa, porém, por precaução contra a precisão da indústria caseira, achei melhor fazer as paredes subirem até o mesmo nível do holder.

Mas antes de colar as paredes é preciso preparar a base para receber os film holders. Como foi dito acima eles entram como se fossem gavetas e a vedação no lado aberto é feita através de canaletas nas quais se encaixam os dois frisos mostrados com setas na foto ao lado (esse é um holder da Graflex). Além de vedar a luz esses frisos tem o papel de impedir que o holder saia para fora da câmera no momento em que puxamos o dark-slide (veja no vídeo), que seria a tampa do filme, são esses frisos que travam o holder em sua posição no back da câmera.

 

A distância marcada como AB, na foto acima, eu coloquei como 5 mm. No back da Linhof é de apenas 2,4 mm, porém, considerando que ele é de alumínio usinado, no caso acima da madeira achei melhor dar um pouco mais de espessura para ajudar na vedação. BC, a parte rebaixada de 2 mm, mede 5 mm. C é o ponto onde o friso do film holder irá se ancorar impedindo que ele saia a não ser que seja levantado. CD mede 18 mm e serve para encaixar o segundo friso. Note que o ponto E fica aquém do final do film holder (pode-se ver isso na terceira foto acima). Isso é importante para que ele possa ser firmemente segurado para ser levantado e puxado. De outro modo seria muito difícil retirá-lo do back.

A peça de latão eu coloquei por achar que aquela aresta é a que vai segurar os holders e fiquei com um pouco de receio de que com o uso os mesmos acabariam por machucar a lâmina de compensado e estragar o encaixe. Acho bom fazer um reforço naquela parte. Mas pode ser de alumínio, de algum plástico, acrílico ou de uma madeira mais dura. Pode-se também deixar só o compensado. Talvez tenha sido excesso de precaução encabeçar essa parte. Se você tiver dificuldade em reforçar acho que vale a pena experimentar sem o reforço.

Aproveitando, sobre reforçar a madeira, melhorar seu acabamento e prepará-la para a pintura, é muito importante que depois de cortadas e lixadas as peças todas recebam várias demãos de seladora. Isso impregna suas fibras tornando-as como que engomadas e mais resistentes. Facilita muito na hora de lixar, antes da pintura. Recentemente descobri e estou usando um substituto natural para a seladora (que é à base de Thinner). Trata-se da cola de pele de coelho. É um “primer” usado, pelo menos, desde tempos que remontam à douração de esculturas e móveis de madeira na Idade Média. Achei bem melhor que a Seladora pois deixa a superfície da madeira muito fácil para lixar. Depois de seca fica muito dura, veda bem os poros e veios da madeira. Lembra um pouco a laca. Pode ser encontrada em casas de material artístico, marcenaria fina e muitas fontes online.

Sobre rebaixos na base, além dos encaixes para os frisos do holder, que devem ter uma profundidade de 2 mm, mostrados com um sombreado vermelho na foto acima, é preciso rebaixar também, mas com 1 mm ou menos, toda a volta marcada com um sombreado azul na foto acima. Essa borda irá receber no final uma fita de veludo, feltro ou papel acamurçado e ajuda a evitar vazamentos de luz. É muito importante não escolher nada com espessura além ou aquém do rebaixo que você fez para que a adaptação do holder ao batente seja perfeita. É melhor errar para menos e evitar qualquer fresta entre o holder e o batente de madeira onde ficará de fato apoiado.

Os rebaixos, na peça acima, foram feitos com uma tupia manual adaptada para uma pequena mesinha (foto ao lado). Essa é uma ferramenta que só os bricoleurs mais dedicados terão, então, se esse não for o seu caso, talvez seja melhor você levar as peças a um marceneiro para que ele faça essa parte para você.

Uso do papel couro para produzir os rebaixos onde os frisos do film holder irão se encaixar

Mas também quero citar uma outra maneira mais simples que imaginei para se obter o mesmo efeito. Trata-se de “elevar o piso” da base de modo a deixar rebaixado o que precisa ficar rebaixado. Isso pode ser feito simplesmente com régua, cola, estilete e papel couro. Papel couro é um material que se encontra à venda em lojas de artigos para quem mexe com couro, bolsas, sapatos e carteiras. Ele é vendido em várias espessuras e é um tipo de cartão muito resistente e duro.

Para utilizá-lo, corte o papel couro de 1 mm de espessura e use duas camadas para produzir rebaixos de 2 mm e apenas uma camada para rebaixos de 1 mm. Utilize cola branca e cole uma peça por vez. Em seguida use seladora (ou cola de pele de coelho) e lixe cuidadosamente. O resultado é praticamente o mesmo de escavar a madeira. A folha costuma ser grande mas conte que fará alguns ensaios antes da peça final até dominar bem o acabamento. Também são ótimos para se fazer tampas de objetivas.

Peça para o vidro despolido

Para o vidro despolido fiz apenas um quadro com ripas de 30 x 8 mm, deixando com dimensões externas 120 x 140 mm. Usei quatro parafusos no centro para prender uma na outra e formar o quadro. Na base desse quadro uma moldura feita com ripas de 5 x 12 mm deixa um dente para dentro do quadro maior. É nesse dente que irá se apoiar o vidro despolido.

Paquímetro medindo o espaçador do despolido que deve ter a espessura igual a distância entre o batente do holder e a superfície do filme

A medida mais crítica do projeto todo são esses 5 mm. Isso se deve ao fato que essa é a distância entre o vidro despolido e o batente no corpo da câmera (descrito acima) e que deve ser rigorosamente igual à medida entre a superfície do filme e o batente do filme holder. Garantindo essa equivalência podemos confiar que ao afastar o despolido o filme entrará exatamente no seu lugar e o foco que fizemos no despolido se aplicará também ao filme.

Você pode ser pragmático e colocar um filme queimado no seu holder, medir com um paquímetro e reproduzir a medida na ripa que irá segurar o despolido, ou pode buscar as medidas oficiais para film holders na internet. Esteja preparado para encontrar diferentes opiniões. Eu dei uma busca no Large Format Photography Forum, uma fonte que considero bem confiável, e encontrei esse 0,197″ ou 5 mm. Eu medi alguns holders que tenho, Linhof e Graflex, e eles batem com essas medidas. Pense também que quando você gira a engrenagem da cremalheira de uma câmera de grande formato sua mão não deve nem conseguir avançar em centésimos de milímetros e seus olhos não irão ver diferença alguma na imagem para deslocamentos dessa magnitude. O bom, nesse caso, já é bom o bastante.

No meu camera back, quis introduzir um grau de liberdade a mais e cortei as ripas com 3,5 mm de altura pensando em colocar pequenos parafusos na parte interna. Com esses parafusos poderia fazer um ajuste mais fino da altura do despolido. Depois de feito, acho que foi um excesso desnecessário. Se tivesse cortado as ripas com 5 mm já seria o suficiente.

Articulando as duas peças como no sistema da Linhof

É bem criativo e pouco intuitivo o sistema da Linhof. Ele utiliza duas molas de torção para pressionar o film holder contra o corpo da câmera. A única dificuldade em se comprar essas molas é que o caso ideal seria ter uma no sentido horário e outra no anti-horário, já que ficarão em lados opostos como veremos a seguir. Mas dá para fazer com duas molas iguais facilmente encontradas em pequenos grampos de marceneiro.

 

A foto acima mostra a peça metálica feita para ligar o corpo da câmera ao quadro com o vidro despolido. B fica preso neste último e A no primeiro. 

Para fazer estas peças o mais fácil é canibalizar itens caseiros ou ferragens que se encontram em lojas de ferramentas e quinquilharia. No meu caso, usei pregadores (grampos de marceneiro) para tirar as molas e essa articulação de janela para tirar a barrinha de ferro. O suporte em L (foto abaixo), pintado de marrom (zarcão), eu fiz cortando um pedaço de chapa de ferro e dobrando-o em uma morsa. Mas note que dá perfeitamente para usar o L que a própria articulação de janela já tem. Só não usei pois achei que ela é um pouco grande e por isso resolvi fazer uma menorzinha. Mas pouparia muito trabalho sacrificando um pouco a estética.

O eixo B é apenas um parafuso com cabeça grande para segurar a mola e fica preso no quadro do despolido. Já o eixo A é um pouco mais complicado.

Usei parafuso e porca no tamanho M3 (bem fáceis de se achar). Na barrinha de ferro fiz o furo com 3 mm e depois alarguei para embutir a cabeça do parafuso usando uma broca de 6 mm. É preciso prender bem a peça para fazer esses furos. Já no suporte em L, o furo foi bem maior que 3 mm para acomodar a pequena peça que aparece no centro na foto acima. Ela é uma fatia de um caninho de latão e seu papel é fazer com que, mesmo dando aperto do parafuso contra a porca, o braço possa girar livremente em relação ao suporte pois o anel impede que o suporte seja apertado também. Para isso, o inserto deve ser ligeiramente mais longo que a espessura do suporte.

Encomendei duas molas na Molas Soberana, em São Paulo. Custou R$ 20,00 o par. Sendo uma no sentido horário e outra no anti-horário ficaram bem adaptadas. O arame usado tem 1,30 mm, o diâmetro interno da mola de duas voltas é de 4 mm, os braços têm 38 mm (um foi cortado) e o ângulo dela relaxada é de 120º. Com esses dados é possível encomendar molas em qualquer casa especializada. A Soberana despacha e pode ser encontrada no Mercado Livre. Creio que no ponto onde a mola se prende na haste, seria possível se fazer apenas um furinho na haste e dobrar a mola 90º.  Mas não quis arriscar de fazer coincidir exatamente a dobra e o furo. Por isso acabei colocando um parafuso fazendo rosca na haste e adicionando uma contra-porca.

A distância AC ficou em 70 mm, AB 31 mm e AD 14 mm. Um gap foi deixado entre o quadro do despolido e o quadro no corpo da câmera (marcado por E). Isso foi para garantir a livre movimentação de sobe e desce do quadro do despolido.

Na primeira vez que eu levantei o quadro do despolido eu vi que a porca que segura a mola batia nas haste. Usei um esmerilhadeira para fazer um encaixe e melhorar essa movimentação. Dá para ver na foto que esse encaixe não ficou muito bem posicionado, mas foi suficiente para inserir e retirar os film holders com facilidade. Outra solução seria colocar mais alto o furo do parafuso que segura o eixo da mola. Mas esse furo estava feito e pensei que fazer mais um enfraqueceria a estrutura.

Dá para ver também que o acabamento nas peças de metal não foi cuidadoso o bastante para evitar que elas arranhassem a pintura. No próximo, terei mais cuidado. No geral, depois de montado e pintado de preto o back até perdeu um pouco do aspecto rústico que tinha durante a construção.

O vidro despolido e uma lente tipo Fresnel (opcional) ficam presos em seus lugares por meio de duas fitas de mola e dois parafusos como mostra a foto. Poderia ser uma madeirinha e espuma ou EVA. O importante é que fique pressionado contra o batente e não jogue. Lembrando sempre que a ordem é: o lado despolido encostado no batente e voltado para a lente. O lado texturizado do Fresnel encostado no lado polido do vidro e mostrando seu lado liso para fora da câmera. Acrescentei também uma alça como se pode ver na direita da foto acima que serve para facilitar na hora de levantar o vidro despolido. Isso é bem visível no vídeo.

Depois de pronta e montada ainda fiz uns testes antes de colocar os isolamentos de veludo que entrariam nas canaletas da base. Como não houve nenhum vazamento eu resolvi deixar assim mesmo e já estou usando a “nova” Thornton Pickard, tanto em 4×5″ como 9×12 cm, com algumas lentes que antes estavam sem câmera para elas.

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5 CommentsLeave a comment

  • Grato pelo compartilhamento.

    “Os rebaixos, na peça acima, foram feitos com uma tupia manual adaptada para uma pequena mesinha (foto ao lado). Essa é uma ferramenta que só os bricoleurs mais dedicados terão, então, se esse não for o seu caso, talvez seja melhor você levar as peças a um marceneiro para que ele faça essa parte para você.”

    Nessa parte, tem a altarnativa de fazer os rebaixos com serrra de mesa com a serra regulada na profundidade do rebaixo, ou com serra circular manual usando um trilho próprio.

    • Sim, é verdade, só vai exigir mais de uma passada e um pouco mais de atenção e finalização com um formão.

  • Senhor bom dia.
    Tenho visto suas postagem, inclusive no YouTube e antes de mais nada, só tenho a agradecer pelo compartilhamento das informações, tão sem igual nos níveis de detalhe.
    Tenho a intenção (vontade) de me aventurar na fotografia de grande formato, 4×5 e há muito tenho pesquisado e estudado, porém existem muitas, muitas lacunas sobre os detalhes dessa empreitada.
    A minha vontade é de produzir a minha câmera, já que não encontramos praticamente nada em nosso país.
    Pretendo iniciar justamente pelo back da câmera e pelo vidro despolido. Se isso der certo, só aí então, sigo os próximos passos. Se tudo der certo pretendo comprar apenas: Film Holder, bellows (fole) e por fim a lente.
    Gostaria de saber – não achei essa informação na Net – se consigo inserir, no friso do Film Holder, o papel fotográfico sensível, usado na revelação analógica, para expor a
    foto diretamente no papel. Minha dúvida consiste exatamente nisso: a espessura do friso do Film Holder comportaria o papel, ao invés do negativo?
    Novamente, obrigado.

    • Oi Luís, grato pelas palavras de incentivo. Saber que estão usando o site é sempre um estimulo para continuar. Sobre sua pergunta, existem vários tipos de papéis fotográficos. Eu já vi gente usando papéis direto no film holder e notei que era papel RC. Esse RC significa Resin Coated e é uma base meio plástica bem diferente dos papéis fibra que costumam ser bem mais encorpados. Depende também um pouco do tamanho, quando maior a folha maior a tendência de que o fabricante escolha uma base mais grossa. Meu conselho então é que você compre papel RC no tamanho próximo de 4×5″. Dá até mesmo para fazer positivo direto e fica com uma aparência que lembra colódio pois o papel também não é sensível ao vermelho.

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