Patent-Etui | Kamera Werkstätten

Esta é uma câmera que realmente adiciona o mínimo possível de volume ao binômio lente + plano da imagem. Sendo uma folding, dobradura, ela fica muito reduzida quando fechada e quando aberta é curioso ver como tudo se dobra e acha seu espaço dentro do pequeno estojo em que ela se transforma ao ser novamente fechada. Essa proeza de compactação é realizada sem perda de recursos mesmo em relação a câmeras sofisticadas da categoria. A Patent-Etui-Kamera é uma câmera 6,5 x 9 cm (existe também em 9 x 12 cm)com obturador Compur com B, T e velocidades de 1 a 1/250 s, foco por cremalheira e dupla extensão do fole. Suas lentes são luminosas, geralmente 105 mm e f/4,5.

Tenho na coleção dois exemplares, um com a recentemente descoberta e desejada Trioplan e outra com a excelente mas menos glamurosa Tessar. Não consegui datar precisamente as duas câmeras. A Patent-Etui foi fabricada de 1920 a 1938 mas a da esquerda, na foto acima, com a Trioplan, tem um compur mais antigo (tipo dial set) e é certamente mais velha que a Tessar da direita cujo Compur tipo rim set foi introduzido em 1931.

Desenhada inicialmente para placas de vidro, é possível se utilizar também filmes em chapas desde que nos chassis seja colocado um adaptador (à esquerda na foto). Mas o mais divertido mesmo é preparar gelatina de prata e emulsionar suas próprias placas. A placa na direita é um vidro 6,5 x 9 cm, com 1 mm de espessura, que recebeu uma emulsão caseira.

Outra possibilidade é utilizar um adaptador Rada ou Rollex para filme 120 que ainda é fabricado e fácil de se encontrar.

Mas eu acho que a a Patent-Etui perde muito de suas harmoniosas formas com este adaptador. Com esse acessório ela já não é mais uma vest-pocket camera.

Muito impressionante é a extensão do fole. Ele permite close-up surpreendentes.

Este é o negativo inteiro realizado com a Tessar.

Aqui um detalhe da mesma foto.

Para fazer o enquadramento e foco ela possui, além do vidro despolido, um visor esportivo que está armado na foto acima e uma escala de distâncias no trilho do lado esquerdo.

Um vidor de 90º que pode girar, conforme se utilize retrato ou paisagem, também está disponível e possui um nível de bolha logo à sua direita.

Quanto a movimentos ela possui apenas front raise, através de um eixo rosqueado que é muito firme e prático. Creio que esta é uma vantagem enorme que foi incorporada a esta câmera em função de seu lançamento precoce em 1920. Ela competia com outras câmeras no mesmo estilo, mas de grande formato, que normalmente ofereciam algum movimento do lens board. A geração seguinte, como as Ikontas e Super Ikontas, nenhuma delas oferece nada semelhante pois apesar de serem foldings no formato médio, já estavam no espírito da fotografia na mão, sem tripé, sem despolido e por isso mesmo sem movimentos da lente.

Este recurso é muito útil para fazer baixar a linha do horizonte sem que as linhas verticais na arquitetura fiquem convergindo para algum ponto no céu. Para a foto acima, no centro de São Paulo, eu mantive a câmera em nível com auxílio do nível bolha. Isso garantiu que as verticais dos prédios permacessem verticais na foto. Mas nessa situação a linha do horizonte divide a foto bem ao meio e o quadro incorpora muito mais do chão próximo à câmera. Mas girando o botão do front raise, subindo a lente, a linha do horizonte baixa, melhora a composição, corta mais o chão e aproveita o quadro todo da foto. É um recurso muito interessante para fotos de arquitetura e interiores.

Gosto muito também de fazer fotos com a câmera simplesmente no chão e utilizando o front raise no máximo. Dá uma perspectiva que normalmente não temos no dia a dia. Esse é o caso da foto acima. Ela foi feita com a Trioplan e filme FP4 da Ilford. Impressão em papel FOMA 111.

Raramente utilizo esta câmera no formato paisagem. Pelo tipo de construção acho que ela não foi mesmo pensada para isso. Principalmente quando utilizada com tripé. Ela até tem uma rosca na lateral do corpo da câmera mas eu acho que fica um pouco instável e força um pouco a estrutura.

Mas para fotos handheld isso deixa de ser um problema. A foto acima foi feita com a Trioplan em uma praia da Normandia. Filme foi FP4 da Ilford e ampliação em papel também da Ilford. Dá para ver que eu usei muito dodging/burning, talvez exagerado, mas a luz estava realmente especial naquele momento e o negativo acabou pedindo alguma coisa mais pictórica.

Quando comecei a fazer placas secas a Patent Etui era uma das minhas câmeras preferidas. A foto acima veio de um lote bem do começo quando eu ainda tinha muitos problemas de contraste excessivo e falta de uniformidade nas bordas. Estava experimentando fotografar com velocidades altas. Mas, de qualquer forma, talvez até pelo significado pessoal da foto e do processo, acabei gostando dessa imagem. Foi feita com a Tessar.

Alguns lotes mais tarde minhas placas secas começaram a mostrar meios tons e uma uniformidade maior na aplicação da gelatina. Esta foto foi feita com a Tessar.

Olhando em retrospecto eu vejo que esta câmera muitas vezes me levou a fazer fotos noturnas. Não sei se é pelo tamanho reduzido e facilidade de andar com um tripé médio ou até pequeno, mas tenho várias fotos que fiz com ela em viagens e passeios à noite. A foto acima foi com a Trioplan e filme/papel da Ilford. A cidade é Avignon na França.

Também esta foto foi feita foi na mesma noite em Avignon, mas o tema é muito mais pomposo. Este é o palácio papal, casa de muitos papas durante o século XIV.

Kamera-Werkstätten

Fora do círculo de colecionadores e estudiosos da história da fotografia, creio que o nome Kamera-Werkstätten não seja muito conhecido. No entanto, a empresa teve um papel muito inovador e uma história muito conturbada. Foi fundada em 1919 por Paul Guthe e Benno Thorsch, em Dresden na Alemanha. Importantes lançamentos se seguiram. Uma TLR chamada Pilot em 1931, uma SLR médio formato chamada Pilot 6 em 1935 e a Praktiflex, uma SLR para filmes 35 mm, em 1939. A Praktiflex foi a criação da KW com maior continuidade. Foi a primeira SLR 35 mm a concorrer com a pioneira Kine Exakta e mais tarde seria renomeada como Praktica logo depois da II Grande Guerra. A Praktica foi um enorme sucesso e vendida por muitos anos.

Paul Guthe e Benno Thorsch teriam tudo para continuar suas vidas e a KW tudo para ampliar sua atuação entre os líderes do mercado se não fossem as turbulências políticas no final dos anos 30.  Em 1937 Paul Guthe, judeu,  emigrou para a Suiça para fugir do nazismo. Benno Thorsch, pelo mesmo motivo emigrou para os Estados Unidos em 1938. A fábrica passou para as mãos de Charles Noble, um americano de origem alemã que possuía uma firma de  revelação/cópias fotográficas em Detroit. Charles trocou sua firma pela KW e trocou de país com Benno Thorsch.

As condições em que esta troca foi realizada divergem muito conforme a fonte. Em alguns relatos, como o da Wikipedia, parece que foi uma troca normal apenas buscando o interesse das partes. Já o respeitado historiador da história da fotografia, em especial de empresas alemãs, Marc Small, coloca a coisa nos seguintes termos: “quando os nazistas perseguiam os judeus, os donos de negócios eram forçados a vender por uma ninharia para arianos ‘adequados’. Por volta de 1937, o pai de “Sir John” [Charles Noble], um cidadão americano nascido na Alemanha, forçou as famílias Guthe e Thorsche a lhe venderem a Kamera Werkstatten em Dresden”. Este texto é citado em alguns foruns de fotografia, por exemplo este. Foi postado originalmente em 18 de novembro de 2007, por Marc James Small, comentando a morte de John Noble, filho de Charles Noble.

Eu tendo a acreditar na versão de Marc Small. Primeiro por ser ele realmente autoridade no assunto e segundo pensando que dificilmente os nazistas teriam autorizado a transação se não fosse para favorecer alguns de seus aliados. A ironia da história é que se Charles Noble fez esse movimento gozando de sua origem ariana e clima favorável para forçar judeus a entregar seus patrimônios materiais e intelectuais a troco de nada ou quase nada, mas uma vez instalado e com a guerra iniciada, os nazistas deram mais atenção a seu lado americano, inimigo, e em 1943 expropriaram-lhe a fábrica que então se chamava Kamera-Werkstätten Charles A. Noble… e ainda o prenderam.

Terminada a guerra, foi a vez dos comunistas se apropriarem da KW, apesar dos esforços da família Noble para que lhes reconhecessem a propriedade, a avaliação dos soviéticos foi de que como a fábrica fora expropriada pelos alemães eles não confiscaram nada de nenhum particular, era simplesmente espólio de guerra. Não bastasse isso, sem que nenhum processo tivesse sido impetrado contra eles, pai Charles e filho John Noble foram enviados a campos de concentração na sibéria, os gullags soviéticos. Isto pode ser lido neste artigo no Telegraph comentando a morte de John Noble em 2007.

Nas mãos do governo soviético a KW veio a se tornar parte da VEB Pentacon. Apesar do grande bombardeio de Dresden ao final da guerra a planta da KW escapou praticamente intacta e o prédio existe até hoje. A foto acima é uma vista parcial feita por Adornix e encontra-se na Wikimedia Commons. Nos anos 90, após a queda do muro de Berlin, John Noble voltou a viver em Dresden e recuperou a propriedade da fábrica mas não da marca Praktica. A panorâmica Noblex foi produto dessa nova fase da vida da antiga Kamera Werkstäten.


Parque Trianon em São Paulo, foto feita com a Tessar

 

 

 

 

 

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