Muitas vezes em uma fotografia em papel de gelatina de prata, depois de pronta e lavada, notamos que algumas partes ficariam melhor se fossem mais claras, mais destacadas. Isso acontece em especial nas altas luzes. O remédio para estas situações é finalizar com um retoque especial com uma solução que se chama “rebaixador”. É basicamente uma solução de Ferricianeto de Potássio, um reagente que tem um vermelho claro e muito intenso e que é capaz de dissolver a prata que dá densidade aos negros e cinzas da fotografia.
Para saber mais sobre o Ferricianeto de Potássio consulte esta página da Wikipedia. Ele não é um reagente considerado de alta toxidade, é classificado como “irritante”. Por outro lado, não encontrei nenhuma referência ou indicação de que ele faça algum bem para nosso organismo. Então, como sempre, deve-se evitar contato do mesmo com qualquer parte do corpo, tanto do produto puro como em solução. Caso isso ocorra, o recomendado é lavar com água abundante.
Esta foto foi feita na cidade de Évora, em Portugal, com uma Super Ikonta IV e filme FP4 da Ilford. A impressão foi sobre um papel fibra da FOMA. Analisando essa cópia eu achei que se os reflexos no calçamento estivessem um pouco mais pronunciados, mais claros, sem comprometer os tons mais escuros, a foto ficaria melhor. As pedras fariam um contraponto com as luminárias e dariam mais equilíbrio à composição.
O uso do Ferricianeto de Potássio serve exatamente para essas situações. Usado adequadamente ele causa uma mudança que é muito mais perceptível nas regiões claras do que nas escuras. O branqueamento vai acontecendo lentamente no início, mas a velocidade aumenta e se um certo umbral for ultrapassado ele chega mesmo a “lavar” toda a densidade da gelatina e ficamos com áreas de branco puro. Isso pode ter um efeito interessante em alguns casos, por exemplo, quando são detalhes como reflexos pontuais de luz. Mas no geral, para preservar uma certa naturalidade, precisamos interromper o processo antes que isso aconteça. Grandes áreas lavadas e sem textura ficam mais parecendo falhas do que causando algum efeito. De qualquer forma, é melhor errar para menos pois sempre é possível reiniciar o processo e assim ir se aproximando do ponto ideal por pequenos passos. A volta, no entanto, uma vez que a matéria tenha sido levada, não será mais possível.
Muitas são as variações sobre o uso do Ferricianeto para esse fim. Existem umas 15 fórmulas de rebaixadores, reducers no inglês, se você for procurar na web. Existem rebaixadores mais apropriados para corrigir excessos de exposição e/ou revelação. Alguns são chamados de rebaixadores proporcionais (proportional reducers), pois agem mais fortemente nas áreas mais densas, e outros chamados de rebaixadores superficiais (cutting reducers) que tendem a aumentar o contraste pois agem por igual, mas as partes claras sofrem mais com a mesma remoção de prata.
Neste exemplo estou mostrando um que no meu entender se aplica mais para retoques, que é a situação clássica em que queremos realçar uma área específica da foto tornando-a mais clara, mais contrastada com o seu entorno. Para esse tipo de ação, os superficiais são os mais adequados.
Eles podem ser preparados na hora ou pode-se ter prontas duas soluções de estoque que se diluem no momento do uso. Por exemplo, para quem faz retoques com frequência, pode ser interessante ter prontas duas soluções assim compostas, conforme nos indica Viebig:
Solução A: |
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Ferricianeto de Potássio | 10 g |
Água | até 100 ml |
Solução B: |
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Hipossulfito de Sódio | 25 g |
Água | até 100 ml |
Uma solução de trabalho básica se faz com 1 parte de A, 1 parte de B e 10 partes de água. Isso pode ser mais ou menos diluído. Quanto mais concentrada, maior a rapidez do branqueamento.
Particularmente eu prefiro usar o fixador que tenho sempre pronto no laboratório, no lugar da Solução B (já que nunca uso fixador com endurecedor) e preparo a solução A com uma pitada de Ferricianeto de Potássio e um pouquinho de água. Com alguma experiência, pela intensidade da cor, já é possível se ter uma ideia da ação da solução.
O retoque como rotina de laboratório
Observo que quem está iniciando em fotografia com filmes hoje, não sei bem por que motivo, tende a ter uma visão mais tímida das possibilidades do meio. É como se para a impressão analógica o fotógrafo não tivesse mais do que os ajustes de contraste e exposição a fazer. Mas desde a sua invenção até o final do século XX a fotografia sempre incluiu práticas de retoque como sendo rotineiras, quase passagem obrigatória na obtenção de um bom positivo.
Uma “estação de retoques” era parte integrante da organização do espaço e eram tão grandes quando a necessidade das cópias que no laboratório se faziam. Este é um kit com o rebaixador R14 (soluções A e B), que era usado no laboratório profissional Mister Labo, atuante na década de 90. Muito conveniente, estava sempre pronto com frascos, medidores e pinceis. O vidro permite visualizar e assim ajuda a estimar a força da solução de trabalho pela intensidade de sua coloração. Na foto a seguir vemos Claudio Machado, também no Mister Labo, no momento em que retoca enquanto flui água para poder interromper imediatamente a ação do rebaixador. Claudio lembra que chamavam o rebaixador de “sol engarrafado” e considera que o ferricianeto e a viragem selênio são obrigatórios em praticamente qualquer impressão preto e branco.
Fluxo de trabalho no retoque local
No vídeo abaixo o retoque dessa fotografia é mostrado do início ao fim. Desde a diluição do Ferricianeto até a interrupção do processo que se faz fluindo água para se remover rapidamente a solução rebaixadora. Eu prefiro rebaixar cópias que já foram secas. Isso ajuda muito para se fazer uma melhor avaliação de qual será o objetivo do processo. Nesses casos, antes de se iniciar com a solução de rebaixamento, a cópia precisa ficar imersa pelo menos uns 5 minutos em água, à temperatura ambiente, para que a gelatina inche e esteja pronta para dar melhor acesso à prata metálica que será rebaixada.
Deve ser consensual que o resultado final representou uma melhora sobre foto original. Mas independente disso, o objetivo aqui era apenas o de mostrar as possibilidades do rebaixamento. Se você é iniciante em fotografia analógica, creio que ficaria surpreso com o uso extensivo que profissionais e amadores mais dedicados sempre fizeram do rebaixamento. No digital creio que ele seria mais parecido com sharpening do que com o dodging, que seria o equivalente de proteger partes da cópia, no ampliador, para que fiquem mais claras. Essa prática de realce vem desde a pintura e é uma forma de dirigir a atenção do observador para aquilo que queremos. Esses pontos rebaixados ficam mesmo destacados e têm portanto esse efeito. Se tiver interesse em ir mais além, nesse artigo sobre sharpening digital tem alguma coisa sobre como os pintores já faziam sharpening com tintas e telas.
Algumas dicas mais:
- Normalmente a área retocada clareia um pouco mais no fixador. Por isso é melhor parar um pouco antes do ponto considerado ideal.
- Fixador velho tem maior tendência a manchar as áreas retocadas. Por isso é melhor se utilizar fixador fresco ou com pouco uso.
- Antes e depois do retoque, evite fixadores com endurecedor pois eles tendem a causar manchas nas fotografias que sofrem rebaixamento. No artigo Prepare suas Fórmulas, tem uma receita de um fixador clássico, que serve muito bem para o rebaixamento, e provavelmente o mais barato que você poderá encontrar.
- A lavagem subsequente, mesmo sendo uma segunda lavagem, deve ser tão boa quanto a primeira que se fez após o banho fixador no processo da impressão.
- A redução local é uma boa alternativa ao “dodging” quando um aumento de contraste na área é desejado. Pois ela age mais fortemente nas áreas claras enquanto que o dodging clareia também as sombras.
- Imprimir localmente com um contraste superior, no caso de papéis multi-contraste, poderia dar um efeito semelhante ao que se obteve por rebaixamento na foto acima. Mas muitas vezes, mascarar a projeção do ampliador é algo mais complicado de se fazer do que o rebaixamento químico posterior.
- Quando a área a ser retocada requerer maior precisão, pode ser interessante escorrer a cópia, deixando-a apenas úmida, para que se tenha maior controle da área afetada. Pode-se também usar pincéis para uma aplicação mais precisa. Use um rebaixador bem diluído. Aplique, espere uns 20s, lave e avalie se reaplica ou interrompe. Esse procedimento dá maior controle e é melhor do que tentar fazer como se estivesse “pintando” com o rebaixador.
- Não prepare muita solução rebaixadora pois ela não se mantém com o tempo. Melhor fazer apenas para o uso imediato e descartar em seguida.
Para uma comparação mais evidente do efeito, aqui vai um .gif com scans do antes e depois.
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