Excelsior | ICA

 

Este é um ótimo exemplar de uma categoria de câmeras que foi muito importante na história da fotografia. Trata-se de uma combinação de características que foi utilizada por um número enorme de fabricantes. Foi uma espécie de genérica entre as câmeras de meia placa e muitas delas nem mesmo marca tinham. Esta da coleção, em especial, foge a esse anonimato pois é uma Excelsior fabricada pela ICA. A ICA foi uma das quatro grandes, entre Contessa-Nettel, Ernemann e Goerz, que se fundiram para formar a gigante Zeiss Ikon em 1926. Mas ela própria já foi fruto de uma fusão anterior, em 1909, da  Hüttig AG em Dresden, Kamerawerk Dr. Krügener em Frankfurt/M, Wünsche AG em Reick e Carl Zeiss Palmos AG em Jena. O nome ICA vem de Inernationale Camera A.G. e ficou localizada em Dresden.

Os principais atributos desta categoria de câmeras são:

  1. Construída em madeira, ela é uma câmera leve, mas graças aos reforços em metal ela ainda consegue ser suficientemente rígida para a fotografia.
  2. Além de leve, é uma câmera dobrável e por isso bem adaptada para mobilidade e para fotos externas. Por esse motivo, é também chamada de field camera ou travel camera (câmera de campo ou câmera de viagem, no inglês), ou Reisekamera, (camera de viagem no alemão) e ainda chambre de voyage, (câmera de viagem no francês). Ela pode receber diversas lentes dando a flexibilidade de fotografias de paisagens e também planos mais fechados como em grupos ou retratos.
  3. A possibilidade de várias ópticas torna-se viável graças ao fole que permite se variar largamente as distâncias da lente até a imagem.
  4. O enquadramento e foco é feito diretamente na própria imagem produzida pela lente. O fotógrafo geralmente cobre a cabeça com um pano preto (dependendo da luz ambiente) e observa esta imagem em um vidro despolido na traseira da câmera. No momento de expor a foto o vidro despolido é aberto, como uma porta, e entra um chassis com o filme ou placa.
  5. O foco é feito com um sistema de cremalheira que aproxima ou afasta o despolido da lente.
  6. A câmera oferece ainda possibilidades de se movimentar a lente em relação ao plano do despolido, permitindo assim correção de perspectiva ou foco de objetos que se encontrem a distâncias diferentes.
  7. O formato 13x18cm ou 5×7″, apresenta a vantagem de já permitir uma foto de tamanho razoável para se observar nas mãos, para se colocar em um álbum ou mesmo em um porta retratos. Muitos chassis eram adaptados para se fotografar frações deste tamanho dando assim a versatilidade de se produzir também fotos menores como as carte de visite.

Tudo isso combinado fez deste conceito de câmera um tipo ideal para profissionais e também amadores mais dedicados. As field cameras, começaram praticamente junto com a fotografia quando se firmaram como a versão leve das câmeras de estúdio que eram praticamente impossíveis de se transportar. Foram elas que começaram a “documentar o mundo” e eram normalmente vendidas em conjuntos completos para o fotógrafo viajante. Tais kits compreendiam não só a câmera e suas lentes mas todo o aparato para revelação das placas e posterior cópia em papel.

Este é um desses kits anunciados pelo distribuidor americano, Anthony, em seu catálogo de 1891. Este tipo de câmera nunca mais saiu completamente de cena, mas depois da segunda guerra o grande formato em si tornou-se algo já muito especializado e as poucas marcas que mantiveram a oferta de field cameras não estavam mais orientadas a um público muito largo. Marcas como Deardorff, Gandolfi, Wista ou Shen Hao, são mais instrumentos de precisão voltados para um público muito seletivo.

Fechada e sem a lente a Excelsior fica assim como uma pequena maleta.  A frente é fixa na base e a parte que se movimenta para abrir o fole é a do despolido. Na frente, é possível se fabricar diversas placas para acomodar diversas lentes. Além da original eu me fiz algumas caseiras para esse fim.

Depois de aberta a traseira pode ser deslizada sobre os trilhos girando-se o botão de foco. Esse tipo field camera, que abre para trás, é chamada tail board, no inglês, que seria algo como “placa traseira”, pois tail é rabo e board é placa ou prancha. Mas é uma construção que foi em grande parte substituída pelas drop bed, nas quais é a frente da câmera que tomba colocando os trilhos para que a placa da lente avance. Como nas Linhof Technika.

Como essas câmeras são leves mas não tão leves assim que dê para mudar de retrato para paisagem só no tripé, elas normalmente têm a traseira quadrada e oferecem a possibilidade de se girar o despolido de 90º.  Já vi algumas tail board que não permitem isso, mas daí ficam ou só no retrato ou só na paisagem. Colocar os trilhos na vertical é possível mas não é muito seguro. A câmera perde a firmeza.

Para permitir o uso de lentes mais longas, é comum que o tail board tenha uma dupla extensão. Na foto acima ele foi liberado para que sua borda com os trilhos  deslize mais para trás, para permitir assim uma extensão extra do fole. Ao comprar uma câmera assim é sempre importante se perguntar que lentes se pretende usar. Há um limite tanto para angulares que não podem ser mais curtas do que a câmera quando praticamente fechada, como para as longas quando precisam focar objetos próximos. Aqui no apenasimagens tem uma ferramenta que calcula a extensão necessária do fole a partir do formato, da lente e do assunto que se queira enquadrar.

Para a frente das tail board ficam normalmente reservados os movimentos verticais e horizontais da placa da lente. Liberando-se os botões apropriados pode-se transladar a lente. O limite nessa câmera é de 25 mm para os dois lados ou para cima/baixo. Não é muito mas já ajuda em muitas situações. Sobretudo subir a lente quando se quer fotografar arquitetura sem que as linhas verticais convirjam para algum ponto no céu.

Para a traseira ficam reservadas as angulações. Liberando-se os botões laterais é possível se inclinar o plano do filme/placa tanto na vertical como na horizontal. Isso é muito útil quando se utiliza a lente mais aberta e queremos focar objetos que estão a distâncias diferentes. Com abertura grande na lente não podemos contar com a profundidade de campo para fazer esse foco e então é preciso se movimentar lente x filme. Os casos clássicos são: focar as duas pupilas de um retratado que esteja a três quartos, ou, focar um grupo de pessoas quando uma está mais próxima e outra mais distante. É claro que há um limite para essas correções mas a Excelsior já oferece uma boa margem para essas angulações.

Outro ponto importante no uso dessas câmera são os chassis. Muitas vezes encontramos uma câmera em ótimo estado mas sem os respectivos chassis. Não conte com compatibilidade de uma câmera a outra. Normalmente, cada fabricante desenvolvia o seu chassis para cada modelo. Esses da Excelsior são de ótima construção. Realmente um trabalho requintado de marcenaria. Eu tive a sorte de achar esta câmera com 3 chassis duplos e então consigo levar 6 chapas comigo quando saio com a câmera. Na foto acima vemos mais no fundo um negativo de vidro para o qual eu preparei a gelatina de prata e mais na frente um adaptador para filmes. O conceito original dessas câmera é o uso com placas de vidro. Normalmente elas aceitam até vidros de 2 mm, desses para janelas. Mas alguma vezes só mesmo os com 1,0 ou até 1,5 é que podem ser utilizados. São difíceis de achar mas as empresas que oferecem vidros laminados normalmente vendem também esses vidros finos. Eu compro os meus, aqui em São Paulo, na Vidrak. que é um fabricante de vidros industriais.

Entre as field cameras do tipo tail board a Excelsior da ICA é um exemplar bem completo e reúne praticamente todas as regulagens que normalmente podem acompanhar este tipo de câmera fotográfica. Eu separei algumas lentes para usar só com ela e também um obturador do tipo estúdio, com aneis adaptadores conforme o diâmetro da objetiva. Por incrível que pareça, é uma câmera ainda plenamente utilizável nos dias de hoje. É claro que não é indicada para fotos de ação, mas para paisagens, naturezas mortas e retratos posados, ela é muito agradável de se usar.

Retomando a foto de abertura, vou apresentar as lentes. Da esquerda para a direita: Voigtlander Euryscope. Goerz Lynkeioscope, Steinheil Gruppen Antiplanet e uma acromática para paisagens da Hermagis. 

Com o negativo da foto acima eu imprimi um cianótipo. Particularmente eu gosto muito do formato 13×18 pois ele já tem uma certa presença para impressões por contato.

 

 

2 CommentsLeave a comment

  • Linda, concordo que é uma peça com muitas horas de trabalho preciso em marcenaria..congratulações por mantê-la!

  • Que Câmara interessante! estou quase começando a fazer algo com colódio úmido, acho que vou reproduzir este desenho para meu uso, principalmente os chassis, que são lindos!
    Grato por mais este compartilhamento.

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