A história da marca Lerebours et Secretan é tão interessante que vale a pena, antes de entrarmos na questão específica desta lente, nos determos um pouco sobre o percurso de seus fundadores. Poderemos assim melhor compreender as profundas transformações pelas quais passava a Europa no século XIX. São considerações sobre mudanças culturais organicamente ligadas ao advento da fotografia quando a olhamos de uma perspectiva mais antropológica. A fotografia foi um dos campos onde se manifestou claramente uma mudança de valores muito importante, trazida no bojo da revolução burguesa.
A história dos Lerebours
Jean-Noel Lerebours chegou a Paris com a família, vindo da Normandia, aos 12 anos de idade no ano de 1773. Jean-Noel tinha quatro irmãos e seu pai era chapelier, confeccionava chapéus. Logo ao chegar na capital ele entrou como aprendiz em uma oficina dedicada à fabricação de óculos. Nessa época, essa indústria crescia muito rapidamente impulsionada pela disseminação da imprensa, dos livros, periódicos e valorização do conhecimento – em um artigo sobre uma lente tipo Petzval de Derogy, reuni algumas informações interessantes sobre a fabricação de lentes nessa época, link: Rapide nº4 Derogy.
Rapidamente Jean-Noel muda para um atelier de óptica, de um certo Louvel, onde ficará até os 18 anos de idade. Nessa época morre seu pai e ele, como novo chefe de família e responsável por sua mãe e irmãos mais novos, inicia uma carreira empreendedora. Compra os utensílios para polimento de lentes e começa a aceitar encomendas que chegam, dos melhores opticistas e em quantidades animadoras. O negócio vai bem, Jean-Noel vive austeramente e trabalha muito. Há uma grande procura por telescópios, tanto astronômicos como terrestres e a firma Lerebours vai estabelecendo seu nome e crescendo entre os fabricantes franceses. A competição era forte e a melhor reputação dos instrumentos ingleses forçava um preço muito mais baixo para os fabricantes locais.
O telescópio ao lado dá bem a dimensão do grau de especialidade e capacidade técnica a que chegou a firma de Lerebours em sua maturidade. Fabricado em 1823 ele possuía uma objetiva de 24 cm de diâmetro e distância focal de 323 cm. O diâmetro da lente é uma espécie de atestado da competência para o fabricante de telescópios. Uma objetiva com 24 cm é um marco imponente mesmo nos dias de hoje. Este telescópio foi imediatamente adquirido pelo Observatório de Paris. Jean-Noel conheceu muitas honras com inúmeros prêmios, medalhas e títulos como o de Opticien du Premier Consul, depois imperador, Napoleão Bonaparte. Mais tarde foi Chevalier de la Légion d’Honneur, de Louis XVIII.,
Havia plena consciência dos governos de que a tecnologia seria determinante no poder e na competitividade das nações. Quando Jean-Noel começou com suas primeiras lunetas, utilizava vidros flint ingleses, mas ao longo dos desenvolvimentos, em colaboração com outros membros da indústria local, passou a utilizar vidros franceses e obter paridade em qualidade com os fabricantes britânicos. Para estimular o rápido desenvolvimento e suas implicações positivas para a economia nacional, havia uma rede de troca de informações, colaborações, premiações e divulgação das conquistas tecnológicas. Instituições como a Academia de Ciências, a Sociedade de Encorajamento da Indústria Nacional e as Exposições Universais cumpriam esse papel de fomentar um ambiente ávido para absorver novas tecnologias. Os fabricantes disputavam medalhas para endossar a qualidade de sua produção e prêmios em dinheiro eram oferecidos a quem quer que apresentasse solução para os problemas mais prementes da época, tanto nas questões da ciência básica como da indústria. Isso era novo e totalmente diferente da produção artesanal e da organização feudal em guildas e associações setoriais cujo objetivo era fazer sempre como sempre fora feito. Foi apenas nessa época que nasceu uma colaboração entre universidade e indústria, entre cientistas e empresários, valorizando o fazer diferente, a produtividade, o novo em substituição ao tradicional – no artigo sobre a lente de Petzval, o caso do desenvolvimento dessa óptica para retratos é analisado sob este ângulo de como a ciência finalmente encontrou a técnica – link: A Lente de Petzval.
Jean-Noel Lerebours ficou viúvo e passou a viver maritalmente com uma costureira que era mãe de Noël-Marie Paymal, filho de pai desconhecido. O rapaz logo se interessa pelos negócios e ingressa na firma que já era uma empresa de porte em seu ramo. Em 1836, Jean-Noel casa-se oficialmente e torna Noël-Marie Paymal, agora também Lerebours, seu herdeiro. Com a morte do pai adotivo em 1840, este irá continuar e expandir os negócios da firma a uma escala ainda muito maior, pois com a invenção da fotografia a indústria óptica conheceu um crescimento até então inimaginável.
A importância e o prestígio da indústria óptica e de fotografia, na figura de duas de suas marcas líderes, pode ser avaliada considerando-se que Lerebours e Chevalier (outro opticista e fabricante de renome) instalaram-se em um dos pontos mais nobres de Paris, na Place du Pont Neuf. No prédio da esquerda , foto acima, funcionava a loja e estúdio de Lerebours e na direita estava a maison Chevalier. Abaixo, a vista atual dos prédios.
Noël-Marie Paymal Lerebours foi uma figura chave no desenvolvimento da fotografia. Não apenas fabricou lentes, câmeras e acessórios de campo, estúdio e laboratório, mas foi ele mesmo um grande daguerreotipista, editor e influenciador em todos os desdobramentos, disseminação e usos da nova invenção.
Logo após o anúncio do daguerreótipo, em 1839, quando o processo foi comprado pelo governo francês e liberado para o domínio público, Daguerre e Isidore Niépce assinaram um contrato com Alphonse Giroux, comerciante e fabricante de marcenaria fina, para que este produzisse as únicas câmeras autorizadas a levar o selo/nome de Daguerre. Mas imediatamente, Noël Paymal Lerebours, a quem não faltava prestígio como opticista e fabricante de instrumentos científicos, também inicia a fabricação de câmeras e todo o aparato necessário para a produção de daguerreótipos.
Assim como o fez Giroux, também publica uma brochura entitulada “Historique et description des procédés du daguerreotipe et du diorama – Rédigés par Daguerre et ornés du portrait de l’auter“. Ao texto oficial de Daguerre, apresentado no processo na Academia de Ciências e que lhe valeu uma boa pensão vitalícia, Lerebours acrescenta suas notas e observações sobre o processo. A publicação é um grande sucesso e teve várias edições posteriores.
Iniciativa que ainda lhe garante um lugar especial nestes primeiros momentos da fotografia foi a publicação das Excursions daguerriennes, com o pomposo subtítulo vues et monuments les plus remarquables du Globe. Foram dois livros (1841 e 1843) com gravuras realizadas a partir de daguerreótipos de colaboradores e do próprio Lerebours. Vistas da França, Egito, Itália, Rússia, Algeria e até as cataratas do Niágara são reproduzidas através de gravuras feitas a partir de daguerreótipos. O processo de transferência de foto a gravura era em parte mecânico, utilizando a própria placa metálica do daguerreótipo, e em parte manual. É certo que, observando-se as imagens, o gravador dava uma boa contribuição a partir do que ele sabia das técnicas de desenho e composição.
Na cena abaixo, tirada do Excursions Daguerriennes, mostra o castelo de Fontainebleau. Podemos ter certeza que um Daguerreótipo não daria conta de reproduzir cavalos em marcha. Mas estes elementos acrescentados à posteriori deram equilíbrio e vida à cena. Também as nuvens, tão difíceis de reproduzir em um processo que é sensível apenas ao azul e ultravioleta, foram provavelmente um acréscimo do artista.
Mas esses detalhes provavelmente não incomodavam quanto ao realismo ou autenticidade das cenas representadas. Em uma época na qual viagens curtas já eram difíceis ou impossíveis para a maioria da população, poder ver “fotografias” de ruínas romanas, igrejas em Moscou e mesquitas no Magreb, já devia ser algo mágico por si só.
Como ninguém tinha visto o que era a fotografia, pois ela não existia, aquilo que estes pioneiros fizeram, assumiu logo a identidade do novo meio. Tornaram-se canônicos e determinaram para as próximas décadas o que seria o fotográfico. Quais assuntos, quais pontos de vista, quais perspectivas, como arranjar o primeiro plano, como organizar a escala das coisas, todas essas questões estéticas foram se estabelecendo e em grande parte não eram novas mas antes emprestadas da pintura e das artes. Uma certa autonomização da fotografia só viria mesmo no século XX.
Lerebours e colaboradores foram muito ativos em estabelecer estes cânones. Em 1841, menos de dois anos após o anúncio da fotografia, Lerebours publica junto com Marc Antoine Gaudin um Tratado de Fotografia onde apresenta novamente o processo do daguerreótipo, já com algumas modificações, e discute também o retrato, a escolha dos fundos, poses e vestimentas, a paisagem, a natureza morta e outras questões que formaram o entendimento do que e como a fotografia deveria ser. Nesse ano de 1841 Lerebours relatou ter feito mais de 1500 daguerreótipos. Sua produção logo chegaria à mesma quantidade de retratos em apenas dois meses. O número 13 na Place du Pont Neuf, torna-se o local onde os fotógrafos parisienses se encontram para discutir, compartilhar e comparar seus resultados em fotografia.
A foto acima mostra, mais à esquerda, Noël-Marie Paymal Lerebours. Em pé está o alemão Friederich von Martens que trabalhava para Lerebours e desenvolveu uma câmera panorâmica de lente giratória – mais informações sobre este tipo de câmera neste link. À direita está Marc Antoine Gaudin. Os outros dois sentados, de chapéu, são desconhecidos e provavelmente trabalhadores da firma Lerebours.
Em 1845 Noël-Marie se associa com Marc Secrétan, matemático e astrônomo. Mudam o nome da firma para Lerebours et Secrétan. Lerebours dedica-se mais ao setor fotográfico e Secrétan irá desenvolver a vocação de origem da firma na fabricação de telescópios e instrumentos ópticos científicos. A união é muito frutuosa e dá um novo impulso na empresa. Secrétan, suíço e recém chegado a Paris, logo encontra seu espaço e cria reputação entre os principais cientistas da época. A associação vai até a 1855 quando Lerebours se aposenta deixando uma empresa de fama internacional e alto valor de mercado. Secrétan dá então à produção de lentes um caráter mais científico e menos empírico. Introduz mais cálculo e matemática como base dos desenhos e desenvolvimentos. Já nas mãos de outros herdeiros a firma se mantém, mas deixará a Place du Pont Neuf nos anos 70 e não conhecerá mais outros tempos gloriosos como os de Lerebours. A marca será ativa até os anos 1950.
A nova ordem que os Lerebours viram nascer
O que há de interessante nessa história, além de seus aspectos novelísticos, é considerarmos a mudança no modo de vida que foi trazido pela Revolução Burguesa e toda a ideologia do Iluminismo. O ponto chave é o lugar de destaque que estes acordaram ao conhecimento científico. O impacto dessas transformações foi enorme em toda a dinâmica da sociedade. Por séculos e séculos a chance que alguém nascido em família humilde tinha de conseguir uma posição de liderança era basicamente através das armas. Toda a nobreza européia que se formou a partir do final do Império Romano era militarista. Se o indivíduo fosse plebeu, mas muito bom em matar seus semelhantes e liderar guerras e pilhagens, ele eventualmente se tornaria um general, um reizinho ou até mesmo um grande imperador. A via eclesiástica, outra opção rumo ao poder, fora logo ocupada pelas boas famílias e somente um pregador carismático e muito hábil politicamente poderia, vindo de origem humilde, alcançar notoriedade na hierarquia da igreja Romana. Havia ainda o comércio, o berço mesmo da burguesia, mas ser comerciante ou banqueiro, mesmo com muito sucesso, não tornava alguém um sujeito propriamente louvado e honrado. Eram vistos, quando muito, como um mal necessário e não conseguiam, por mais que doassem para a construção de igrejas e financiamento de guerras, ter seu modo de vida elevado à condição modelar como era a vida dos nobres e dos santos.
O que o Iluminismo, como parte do pacote da modernidade, conseguiu, foi dar uma base conceitual positiva à manufatura, ao trabalho, à transformação da natureza em bens e riquezas, que estas atividades jamais tiveram. Pilhar, apoderar-se, cobrar taxas, e todas as formas coercitivas de enriquecer sempre foram consideradas muito mais nobres que trabalhar. O que deu à manufatura esse verniz de atividade honrada e algo distanciada do fazer braçal e repetitivo, foi a inventividade, a criação, o estudo, o conhecimento científico à serviço do domínio da natureza e da produção de bens. À antiga tipologia dos modelos de nossa cultura ocidental, composta basicamente pelo guerreiro, pelo religioso e pelo artista, acrescentou-se a dupla cientista e seu colega empreendedor, os novos criadores de riquezas.
A fotografia é realmente exemplar como parte dessa transformação. Na óptica e na química, são muito evidentes os saltos de cientifização/industrialização de uma atividade que fora antes artesanal. A notoriedade que ganharam os Lerebours, pai e filho, o percurso que fizeram, começando com o simples polir lentes para óculos, para depois transitarem para a nata dos círculos da astronomia de seu tempo e ainda como “cavaleiro da legião de honra do rei”, é um caso clássico dessa transição que acrescentou o cálculo ao braçal. A compreensão dessa transição por Lerebours filho é atestada por sua associação com o matemático Secrétan. O sucesso da lente de Petzval, outro matemático, pôs em cheque o método da intuição com tentativa e erro, que era o modus operandi de grandes opticistas como Charles Chevalier e Jean-Marie Lerebours. Mesmo Niepce, Daguerre, Talbot e Florence, não podem ser considerados muito mais do que diletantes. Seus méritos estão mais em terem sido visionários e muito teimosos. Mas logo os processos fotográficos viraram assunto de nomes como John Herschel, e seus processos passaram a ser vistos como parte de um corpo de conhecimentos que se desenvolvia em pesquisa básica em química para depois serem aplicados em cascata a processos tecnológicos.
Histórias como a dos Lerebours somam-se a milhares de outras nas quais trabalho e estudo conquistaram não só conforto financeiro, como sempre teve a alta burguesia, mas também respeito e admiração da sociedade, como a alta burguesia jamais tivera. Era como que uma nova via de ascensão social que estava aberta a todos através do trabalho e do estudo. O século XIX conheceu muitas desgraças e comoções sociais, mas havia também um clima de euforia e de confiança no futuro. Essa nova ordem social foi um alento para quem se equilibrava nas franjas da prosperidade mas sem participar dela, algo como a salvação eterna o fora durante a Idade Média.
Esta lente
Em seu catálogo de 1846, portanto logo após a entrada de Secrétan, dois tipos de objetivas fotográficas são mencionadas: Objectif Achromatique e Objectif à Verres Combinés (verre é vidro em francês). Elas aparecem organizadas pelo tamanho da placa a que se destinam. Ainda não era comum se falar em distância focal e nem diafragma ou abertura para se especificar uma lente. Placa inteira era 16 x 22 cm, e a seguir vinham seus submúltiplos 1/2 placa, 1/4 e 1/6. Mais tarde o tamanho um pouco maior 18 x 24 foi consagrado como o tamanho europeu de placa inteira e é um formato que é vendido até hoje.
Objectif à Verres Combinés era um outro nome para a objetiva de Petzval para retratos e possuía dois dubletos acromáticos, um colado na frente e outro separado na traseira de lente ficando o diafragma posicionado entre os dois conjuntos. Também era conhecida como objetiva dupla ou “sistema alemão”. Para detalhes e história dessa objetiva, visite a página A Lente de Petzval.
Este exemplar de objetiva de Lerebours et Secrétan é uma lente do tipo Objectif Achromatique, ou objetiva simples, objetiva para paisagens, ou ainda objectif pour vues, que seria objetiva para “vistas”, termo provavelmente cunhado por Niépce, que o empregava em seus escritos. Tudo isso queria dizer que era uma lente para assuntos estáticos como paisagens ou arquitetura pois a abertura necessária para dar nitidez em todo o campo era muito pequena e, consequentemente, os tempos de exposição muito longos para os processos da época.
No diagrama acima, tirado do tratado de óptica de Etiene Wallon, de 1891, esta lente para paisagens corresponde ao esquema IV. Ela apresenta um vidro flint bicôncavo colado a um crown biconvexo. Os esquemas I e II eram típicos de câmaras escuras e o III foi utilizado nas primeiras máquinas fotográficas para daguerreótipos. Por ter esse tipo de construção e pelo número de série, gravado logo acima do nome, Nº 7456, esta lente deve ter sido fabricada por volta de 1855.
Uma curiosidade sobre as lentes Lerebours et Secretan é que além da gravação do número de série no corpo de latão, o fabricante tinha o cuidado de marcá-lo também na própria lente, como se vê na foto abaixo.
As dimensões básicas deste exemplar estão apresentadas no diagrama abaixo. Ela possui duas particularidades. A primeira é que o dubleto fica como que em um recesso para dentro do tubo da lente. Fiquei pensando, por que alguém faria isso? Essa parte é voltada para dentro da câmera. Minha hipótese é que o efeito buscado foi dar mais espaço para deslizar a lente para frente, através da cremalheira, ao alongando tubo sem mover a lente em relação ao diafragma. Imagino que ela tenha sido desenhada para uma câmera com menor mobilidade para focalização deixando todo o movimento para da cremalheira. O curso de 33 mm permite fazer foco de infinito até a distância de apenas 2,2 m, para uma lente como essa. Mais do que suficiente. Isto permitiria utilizá-la em uma câmera até mesmo sem fole ou sistema de “gaveta”. Talvez tenha sido desenhada para uma câmera fixa, uma simples caixa.A outra particularidade, mais difícil de explicar, é que além dispor de um tubo frontal, que funciona como parasol, e no fundo do qual deve-se instalar diafragmas do tipo arruela, esta lente possui também abertura para diafragmas do tipo Waterhouse a 18 mm da lente. Creio que esta deve ter sido uma adaptação posterior de algum antigo dono algo inventivo. Não deve ser original de fábrica.
Mas pelo menos o trabalho foi feito com muito zelo e parece até original. Tanto os cortes como o inserto para suportar diafragmas estão muito bem feitos. Mas não encontrei nada na literatura existente que corrobore esse tipo de duplicidade de diafragmas.
Nesse tipo de lente, o diafragma é selecionado por esse dispositivo mostrado na foto acima. Uma arruela com a abertura escolhida é inserida no tubo que fica na frente da lente. Uma luva metálica (à direita), que entra justa no mesmo tubo, mantém o diafragma seguro em sua posição. A tampa, mostrada na primeira foto deste artigo, era normalmente utilizada como obturador pois os tempos eram muito longos. Utilizada sem nenhum diafragma a abertura desta lente é de f/7,7. Mas esta deve ser uma situação apenas para se fazer o foco com uma imagem um pouco mais luminosa. As aberturas na prática devem ser f/16 ou menores.
A distância focal foi avaliada por sucessivas medidas de magnificação que foram plotadas no gráfico acima (veja calculadora neste link) e o resultado foi 255 mm. Isso é coerente com o diâmetro de lente que tem 55mm pois nessa época elas costumavam ter diâmetro de 1/5 da distância focal, segundo Wallon e também Monckhoven. Quanto à posição do diafragma em relação à lente, assunto que foi muito debatido na época, sabe-se que o padrão 1/5 da distância focal fora adotado pela maioria dos fabricantes para esse tipo de lente. No diagrama acima está marcado 42 mm, foi o que medi até a superfície da lente. Isso deve corresponder aproximadamente a 50 mm, em algum ponto do dubleto, e nos daria então o 1/5 da focal.
Um pequeno teste de uso
A foto para ilustrar o uso dessa lente foi realizada no Jardim Botânico de São Paulo. Ela foi montada em uma Thornton Pickard Royal Ruby de placa inteira: 18 x 24 cm. Em vez de filme, aproveitei que estou testando confeccionar caseiramente placas secas, com gelatina de prata, e foi então um vidro de 2 mm emulsionado com a receita mais simples de Joseph Maria Eder em seu livro de 1883.
Este foi o terceiro batch de emulsão que preparei e o resultado já foi bem satisfatório, guardadas as limitações naturais da fórmula. Ao lado a aparência da placa depois de revelada. Para a tomada da foto usei um jogo de diafragmas cortados para esta lente. A abertura escolhida foi f/45 e o tempo de exposição foi de 3 minutos em um dia sem sol aberto mas muito luminoso. A fotometria para ISO 3 dava 30s a f/45 ½ com um EV = 6,6. A revelação foi por 12 min em Parodinal 1:20 a 20ºC. É possível se notar uma vinheta nos cantos da placa. Não encontrei essa lente nos catálogos da Lerebours et Secretan disponíveis e portanto não sei qual seria a recomendação oficial de formato. Creio que seria meia placa pois seu círculo de imagem é de 25 cm e para ser placa inteira da época (16 x 22 cm) teria que ser pelo menos 27,2. Sendo uma lente para arquitetura e paisagens, deveria contar com alguma liberdade de movimentos.
Ainda não consegui me livrar de falhas e manchas na placa seca. A imagem abaixo é um scan direto do negativo mas foi recortado e retocado para eliminar falhas da emulsão e manchas da revelação.
O resultado me surpreendeu. Vemos nos museus imagens realizadas na época e que são muito boas. Mas esta imagem é diferente dos exemplares históricos pois, se a lente é antiga, o suporte é fresco. Fiquei achando que as fotografias de época por já terem sofrido uma degradação do próprio material não dão uma ideia precisa de como devem ter parecido aos que as viram em seu próprio tempo. Imagino que experiências como essa podem nos informar um pouco mais sobre a qualidade da óptica sem o desgaste do tempo da impressão em si. É claro que com f/45 qualquer lente tem obrigação de ficar boa, mas, mesmo assim, pensar que já em 1855 tinha-se acesso a uma imagem com essa qualidade é algo que sempre surpreende, acostumados que estamos a achar que tudo deve ter melhorado muito após um tal período de tempo.
Abaixo alguns detalhes do mesmo scan.
Para finalizar, apenas como curiosidade, um scan de uma impressão por contato, em papel Ilford fibra, da placa inteira e sem retoques ou recortes. Espero poder melhorar a emulsão nos próximos batches.
Nota bibliográfica: A maior parte das informações sobre a história da Lerebours et Secrétan foram consultadas na publicação de Patrice-Hervé Pont e Jean-Loup Princelle, disponível para venda no site da editora: Le Reve Editions. Também foi utilizado o livro de C. D’Agostini.