Muitas lentes de grande formato, que são muito interessantes para se usar, não tem um obturador embutido. Em inglês elas são chamadas lens in barrel. Por um bom tempo, o obturador mais popular usado com essas lentes, era o obturador de cortina. Esse dispositivo que usa um tecido opacificado com uma janela que passa em frente (ou atrás) da lente para expor o filme ou placa por uma fração de segundos foi criado por volta de 1862 e permaneceu em produção até os anos 1970. Thornton-Picard, uma firma inglesa, foi provavelmente a mais conhecida a produzir obturadores de cortina. Eles patentearam o obturador T-P em 1886 a a maioria das maracas que se copiaram a ideia básica daquele desenho pioneiro. Existem ainda muitos obturadores desse tipo que você pode encontrar em sites de leilão ou feiras de antiguidades e mercados de pulgas. Eles não são de modo algum caros. O problema em geral é que a cortina encontra-se frequentemente seca, rachada, furada ou simplesmente ausente. Enquanto em buscava na web dicas para tampar furos em foles eu encontrei uma ideia que me fez pensar em uma maneira de fazer tecido de cortina de obturador novo. Tentei algumas vezes e depois de corrigir uma coisa e outra finalmente consegui uma sequência que funcionou bem. Agora estou usando uma cortina que fabriquei e montei em um Thornton-Picard por mais de 8 anos e parece que permanecerá usável por um bom tempo. É isso que documentei e descrevi no passo a passo para este post. Acredito que possa ser uma solução para consertar muitos obturadores antigos. Se você quiser saber mais sobre obturadores em geral eu recomendo que leia o artigo de Ernest Purdum no site Large Format Photography.
Para tentar você mesmo restaurar um antigo obturador de cortina fazendo e trocando o tecido, o passo a passo que funcionou para mim foi o seguinte:
Comece cortanto um pedaço de pano com tamanho maior do que irá precisar na cortina final. O tecido deveria ser, é claro, fino, flexível, uniforme e ainda o mais opaco à luz possível. Eu comprei simplemente 100% puro polyester que era ainda a alternativa mais barata da loja. Usando fita adesiva, prenda-o sobre uma placa de vidro. Não deixe que fique frouxo mas também não estique. O vidro é útil pois você terá que checar se está vazando alguma luz observando-o contra uma lâmpada em um quarto escuro
Aqui vem o truque principal: usando tinta acrílica preta é possível tornar o tecido à prova de luz mantendo-0 flexível o bastante para ser enrolado dentro do obturador. Uma camada fina de tinta é flexível como borracha, não deixa fissuras, e grossa o bastante para bloquear a luz que não passa pelo seu emaranhado de moléculas grandes. O tecido é ainda o tipo de suporte ideal pois graças às suas fibras ele microscopicamente se agarra ao polímero. Para aplicar, um rodinho de borracha funciona muito bem. Comece colocando uma porção de tinta como uma tira em um dos lados da faixa de tecido e faça-a correr com o rodo. Faça-o em um movimento firme e decisivo mas sem pressionar a tinta contra o tecido. Empurre-a apenas.
A tinta não deve atravessar o pano e sair para o outro lado. Acredito que muitas marcas de tinta irão servir desde que sejam de tinta acrílica. Elas se vendem em tubos e frascos. Prefira as em frasco pois sua viscosidade é perfeita para esse fim. Ela se parece com cola branca para madeira e papel. Deixe secar e confira quanta luz está passando. Você verá provavelmente um bom número de furinhos. Aplique uma segunda demão, talvez uma terceira. Estas devem ser mais puxadas para não engrossar o tecido. Só precisamos que ela entre nos furos. Deixe secar bem uma demão antes de aplicar a outra.
Agora você deve preparar dois palitos de bambu. O bambu pode ser afinado bastante e ainda oferecer boa resistência a entortar. Eles serão usados para dar firmeza às bordas da janela que você irá abrir no tecido. Devem ter 2 ou 3 milímetros em uma dimensão e o mais fino que você puder na outra. Isso irá depender do tamanho da cortina. Esse na foto eu colei no tecido apenas para testar a cola. Na cortina mesmo eu decidi cortar a janela antes e colar o bambu depois.
Eu tive a sorte de ter ainda a cortina velha e pude usa-la como modelo para as medidas. Para o caso de não have referência eu aconselho deixar mais pano para os lados e ajustar o tamanho depois. As dimensões da janela você pode obter pensando que ela deverá ser a menor possível para ainda permitir que o buraco redondo no obturador fique em algum momento totalmente aberto quando ela passar por ele. Ao cortar o tecido você notará que a tinta tornou-o como que emborrachado de modo muito similar ao que se vê nas cortinas que se encontra em fontes profissionais. Se você teve o cuidado de deixar a tinta apenas em um lado do tecido você notará que não há chance da tinta grudar e emperrar o rolo do obturador pois o lado de pano não gruda no lado da tinta.
Agora é hora de montar a cortina dentro do obturador. Eu demorei um bom tempo para descobrir como. Só há uma posição que faz o obturador armar e disparar adequadamente. O jeito que funcionou para mim foi enrolar a cortina na posição armada, mas com a mola solta, e apenas no final eu fiz a mola tensionar o rolo girando a parte interna do eixo sem rolar a cortina. É preciso ser paciente. Pode demorar para descobrir a sequência correta para a montagem e isso depende do específico modelo em questão. Não adianta descarregar ansiedade e frustração no delicado mecanismo: ele não irá se ajeitar de medo da sua ira.
Bem, espero que seja útil para você. Eu nunca tentaria isso para uma 35 mm, mas para um obturador de tamanho razoável, como esses de madeira que aparecem no post, creio que o procedimento se adequa bem ao padrão de qualidade do feito em casa.
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Olá Wagner!
Já venho acompanhando o seu trabalho por aqui e através do Queimando Filme há algum tempo, e deparei-me com este artigo enquanto procurava material para fazer uma nova cortina para uma câmera minha, só que 35mm.
Como você mesmo diz, este método não é aconselhável para essas câmeras, mas ainda assim a mão coça na ânsia de uma solução de mais “baixo custo”, visto que é uma Zorki que ganhei quase de graça, mas que queria trazer de volta a vida. Será que algum outro tecido emborrachado não funcionaria?
Cumprimentos,
Álvaro.
Olá Álvaro,
Eu acho que tecidos emborrachados são feitos e destinados a aplicações bem mais grosseiras que uma cortina de uma câmera 35 mm. Caso servisse, provavelmente os outros usuários desse material iriam reclamar da sua fragilidade… e eles gastam mais que nós, queimadores de filme. Mas não sei, talvez haja alguma aplicação industrial para um material assim. O difícil é achar. Se você quer tentar na sua Zorki, eu iria para a opção de tratar o tecido você mesmo. Procure o pano o mais fino possível, mas com trama fechada, e aplique tinta acrílica preta em apenas um lado, tomando o cuidado de não deixar passar para o outro. Melhor talvez seja fazer em um pedaço grande e cortar depois escolhendo a parte que ficou mais uniforme. A tinta tem que estar meio grossa mas é preciso passar uma camada bem delgada. Depois da primeira acho que dá para usar a tinta mais fina para tampar os furinhos que irão restar. Talvez uma espátula seja melhor só na primeira passada. Mas use tinta artística, melhor se for dessa que vendem em frascos em vez de tubos. As de tubos são grossas demais. Bem, boa sorte e grato por visitar o site.