Royal Ruby Triple Extension | Thornton Pickard

Esta câmera é muito especial. Ela foi um presente que ganhei quando deixei uma firma em que trabalhei. Ela pertenceu a uma tradicional família de fotógrafos do interior de São Paulo, localizados na região de Campinas e cidades vizinhas. São cinco gerações atuando na fotografia. Uma longa história que começou bem no início do século XX e continua até hoje. Nicolau Parodi, um italiano que já havia imigrado para o Brasil e aqui trabalhava no comércio de máquinas para processar café, depois de uma passagem pela marinha mercante, retornou a Roma para visitar a família. Lá ele conheceu um fotógrafo chamado Giuseppe Droghini que trabalhava no Vaticano.

Certamente empolgado com o trabalho de Droghini, Nicolau resolveu iniciar um negócio como fotógrafo no Brasil e até convenceu Giuseppe a vir com ele. Isso foi em 1906. Alguns anos mais tarde Giuseppe desistiu, talvez por saudades da Itália, mas Nicolau persistiu e construiu uma firma de sucesso e que continuou sem interrupção, com seus descendentes, mesmo depois de sua morte em 1937. Expandiram-se para cidades vizinhas, Itatiba e Valinhos, e foi nesta última que eu conheci Francisco Parodi, ou Chico Parodi, que me contou a história da câmera que eu ganhei. Seu primeiro dono foi João Parodi, filho do fundador Nicolau. Ele a usou por 30 anos aproximadamente e depois a vendeu, em 1955, para um outro fotógrafo também de Campinas.

Família de Nicolau Parodi, em Roma, em 1906. O menino do lado direito é o João, que viria a ser o dono da Thornton Pickard que está hoje na coleção do apenasimagens – Foto: Acervo Foto Parodi/Divulgação

Os estúdios de cidades de interior costumavam ter o grosso de seu movimento com fotos ditas “sociais”, de eventos como casamentos, batizados, formaturas e retratos de família em geral. Localizados bem no centro das cidades, próximos à igreja matriz, eles tinham também nas fotos para documentos um fundo de comércio considerável. Em nenhum desses casos uma câmera do tipo dessa Thornton Pickard, uma field camera,  seria a mais indicada. Para eventos é necessário algo realmente portátil e para estúdio faz mais sentido, quando se deseja o grande formato como o 18×24 cm, as câmeras literalmente chamadas “de estúdio”, que ficam permanentemente montadas. Elas possuem backs redutores para fazer também fotos para documentos, sendo 2×2 ou 3×4 cm os formatos mais comuns. Mas no 18x24cm eram utilizadas para as fotos de bebês, noivos e famílias.

Esta é uma típica câmera de estúdio dos fotógrafos de casamento e social em geral. A principal diferença para as field cameras é que elas são mais pesadas e não são  dobráveis.

 

Uma field camera 18×24 cm, como esta Thornton Pickard Royal Ruby Triple Extension, seria mais para trabalhos de campo, quando o fotógrafo é que precisava se deslocar e nos quais se desejasse uma qualidade superior com um negativo realmente grande. Fotos de indústria, arquitetura, paisagens, fotos externas de grupos mais numerosos, como em festas ou ocasiões comemorativas, em inaugurações e coisas assim. Poderia ser também para a diversão do fotógrafo fazendo um trabalho mais pessoal com uma câmera cheia de recursos como é a Royal Ruby. Isto talvez explique o excelente estado de conservação em que ela se encontra até hoje. Era provavelmente uma câmera para situações especiais quando grande formato e uma certa praticidade precisavam convergir em uma única câmera.

Em uma entrevista ao canal g1 em 15/05/2024, Chico Parodi, comentou a versatilidade que um estúdio como o Foto Parodi precisa oferecer. Fora das grandes capitais não há demanda para muita especialização e então a diversidade é a melhor estratégia. Mudaram os equipamentos mas a necessidade de adaptar-se a várias situações e gêneros fotográficos continua para os fotógrafos do interior.

“Para entender melhor o que a gente faz na parte de fotografia, costumo fazer uma comparação como se a gente fosse um clínico geral. A gente faz praticamente tudo sobre aquilo que abrange a fotografia. Por exemplo: evento social, evento corporativo, fotos de estúdios, fotos publicitárias, imagens aéreas, enfim. A gente tem um bom domínio em todas as áreas que a fotografia possibilita atuar. Então dificilmente quando alguém chega aqui, que é algo relacionado à fotografia, a gente vai dizer não.”

Essa é a história desta câmera que está comigo desde 2006 e que continua trabalhando como se fosse nova.

Sobre a Câmera

A Thornton Pickard Royal Ruby Triple Extension 18×24 cm é sem dúvida uma deusa no Olimpo das field cameras de seu tempo. Ela foi fabricada de 1904 a 1930 (McKeown’s 1997/1998). Eu a encontrei no catálogo da Thornton Pickard de 1911.

18×24 cm é o maior tamanho e está no sistema métrico. É o tamanho sucessor da “placa inteira” que se usava na Europa desde praticamente a invenção da fotografia. Na Inglaterra e Estados Unidos, no Sistema Imperial, seu correspondente é 8×10″, que é um pouco maior. O catálogo coloca ênfase na robustez e resistência da câmera. Diz que além dos reforços em metal as peças de madeira são coladas com cola à prova d’água. Como madeira usam mogno (mahogany), que é o caso deste exemplar, mas ofereciam também um modelo overseas, além mar, em teca (teak), que é uma madeira muito resistente, usada na indústria naval, pois apresenta alta de oleosidade e sílica que a tornam especialmente indicada para aplicações em climas quentes e úmidos.

O acabamento é impecável. Chega ao requinte de que as cabeças dos parafusos são alinhadas quando estão sobre uma mesma peça, como se vê na fogo abaixo.

O Triple Extension significa que a partir da base, tanto o lens board pode ser avançado como a traseira da câmera pode ser recuada de modo que quando totalmente estendida a câmera atinge mais ou menos o triplo do tamanho de sua base.

Na foto acima podemos notar os dois roletes que quando acionados recuam a traseira ou avançam a frente da câmera por um sistema de cremalheira.
Obs: como a base dela não é plana eu usei uns blocos de aço para suspendê-la um pouco e não a deixar apoiada sobre os roletes. Esses blocos não fazem parte da câmera.

Acima ela está totalmente estendida. Eu instalei uma haste telescópica, que pode ser removida, mas que nessa situação impede que o fole forme uma barriga muito acentuada. O fole em si estende-se por 70 cm nessa situação.

Na base há um disco de latão muito grosso e pesado. Mais do que estrutural eu penso que seja para dar mais inércia e estabilidade à câmera impedindo que qualquer vento a derrube quando está montada em um tripé. Seu volume é grande e esse risco fica reduzido com este lastro.

Sobre a rigidez, sendo uma field camera, ela é muito boa quando se usam lentes mais curtas. Até 400mm, mais ou menos ela é muito sólida. Porém, quando se usa o triple extension e lentes de 500 ou 600 mm, que tendem a ter abertura maior e por isso são mais pesadas, é bom providenciar um stand ou um segundo tripé para criar mais um ponto de apoio para o lens board.

O sistema do despolido e modo como o chassis é carregado na câmera é diferente da maioria das outras da categoria. O despolido abre-se como uma porta com mola e ao inserir o chassis ele se prende com um click. A ripa mostrada do lado esquerdo na foto acima desliza para abrir a entrada do chassis e fecha-se com uma mola. É bem seguro e prático.

Os chassis são do tipo que se abrem pelo centro e tem os cantos reforçados com metal. Isso ajuda muito na durabilidade. Pode-se usar placas de vidro de até 2mm (dry plates) ou filmes com o auxílio de sheaths.

Aqui ela está equipada com uma Goerz Dagor 240 mm e nesse dia fez a foto abaixo.

Quanto aos movimentos ela pode descer ou subir a lente e isso se faz com cremalheira, o que é muito o conveniente, mas as inclinações da lente ou do filme, apenas para frente ou para trás, são feitas soltando-se as travas nas hastes laterais e isso é complicado de se fazer enquanto se observa a imagem no despolido.

A câmera veio com um obturador de cortina, um daqueles bem tradicionais da Thornton Pickard. Veio ainda (o melhor de tudo) com uma Protar VIIa fabricada pela Ross, inglesa, sob licença da Zeiss. Eu fiz uma adaptação para poder usar essa preciosa lente em outras câmeras, colocando-a em um lens board compatível com Linhof 13×18 cm. Agora tenho a opção de usar ou não o obturador original.

Aqui ela está com um obturador Guerry a double vollet que ainda recebeu um radio flash. Sem dúvida uma combinação estranha, um anacronismo, mas… a ideia é fotografar.

Sendo uma field camera, supostamente para ir a campo, ela veio com maletas de couro para a câmera em si e mais 3 chassis, outra maleta com mais 3 chassis extras e ainda um tripé também com sua maleta. Mas o tripé não tem cabeça com ajustes nas três dimensões. Ele oferece simplesmente uma plataforma em disco, sobre o qual se apoia o disco da base da câmera e assim, depois de nivelar a base do tripé resta o movimento de rotação sobre um eixo vertical e os movimentos da lente para fazer sua composição. Normalmente eu uso um tripé convencional que é muito mais prático.

Nesta outra situação a lente era uma lente Lerebours et Secretan para paisagens muito antiga, com o diafragma na frente. O obturador era a própria tampa da objetiva pois a exposição foi muito longa pois estava usando placa seca e abertura de f/45. A inclinação da traseira da câmera foi para focalizar as plantas aquáticas no primeiro plano e também a paisagem do outro lado do lago. Abaixo o resultado.

 

A título de finalização eu diria que é uma câmera muito versátil e seu único problema é o peso. Mas ela aceita facilmente lentes de 150 a 500 mm, tem um lens board largo 13×13 cm, muito bom para lentes antigas,  e tem um formato que quando impresso por contato, o método mais simples de impressão, gera cópias muito bonitas de se ter nas mãos. Outra grande vantagem de uma câmera assim é que pelo formato, fica muito fácil se fazer processos de impressão com Ultra Violeta, como Van Dyke Brown, Cianotipia, Goma, etc sem sair do analógico pois os negativos são grandes. Abaixo, por exemplo, um Van Dyke Brown feito com esta câmera equipada com uma Wollensak Raptar 241 mm.


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