Steinheil é um dos grandes nomes da indústria óptica alemã, antes mesmo da invenção da fotografia. Tudo começou quando Carl August Steinheil (1801-1870) aos 22 anos de idade, desistiu de uma carreira em Direito para dedicar-se à astronomia. Foi estudar matemática em Gottingen com ninguém menos que o brilhante Johann Carl Friedrich Gauss (1777-1855). Em 1835 tornou-se professor de matemática e física na Universidade de Munique e já nessa década de 30 começou a fabricar telescópios ganhando rapidamente uma sólida reputação como autoridade no assunto.
Carl August Steinheil (1801-1870), foto de 1850
Carl Steinheil envolveu-se também no desenvolvimento de tecnologia para muitas outras aplicações, como o telégrafo eletromagnético. O que sobressai, lendo-se sobre sua vida, é que ele foi um desses espíritos irrequietos e generalistas, como tantos outros no século XIX, que a partir de uma sólida formação em ciências básicas não resistia a atacar apaixonadamente todas questões, as mais dispersas, que o método científico pudesse endereçar.
Hugo Adolph Steinheil (1832-1893)
Em 1852 o rei da Bavaria, Maximilian II, pediu-lhe para estabelecer-se definitivamente em Munique para dedicar-se especialmente ao campo da óptica aplicada (Corrado d’Agostini). Acho interessante observar esses dados históricos e biográficos para percebermos que embora os pioneiros da fotografia tais como Nièpce, Daguerre, Florence, Bayard e em certa medida mesmo Talbot, tenham sido algo como diletantes ou amadores dedicados, a fotografia tornou-se logo um assunto científico e econômico que agitava o mundo político e acadêmico. Os diletantes não sumiram, muitos fotógrafos, mesmo os de finais de semana, contribuíram de diversas formas com invenções e aperfeiçoamentos do processo fotográfico. Mas ao mesmo tempo a produção de imagens fotográficas mobilizou uma enorme energia dos grandes nomes da ciência, da indústria e líderes político e institucionais. É interessante também observar essa figura do pesquisador empreendedor, cientista e empresário, muito frequente no século XIX, mas que hoje parece não ter mais lugar.
O pedido de Maximilian II fazia todo sentido pois Munique fora o centro de desenvolvimento da óptica sob a liderança do grande físico Joseph von Fraunhofer (1787-1826), mas com a invenção da fotografia, Viena, tornara-se uma forte concorrente pois lá trabalhavam nomes como Petzval e Voigländer que eram na verdade apenas a ponta de um novo iceberg que rapidamente se formara. As fábricas, as matérias primas, os acordos comerciais, as patentes e também todos os conhecimentos envolvidos na óptica, nos estudos da luz, das cores, da química, enfim toda a Ciência, da noite para o dia, virou assunto dos líderes políticos, dos reis e príncipes, que manejavam incentivos, disputavam talentos e concorriam entre si pelos mercados que se abriam. Tiveram que aprender a movimentar-se também nesse novo tabuleiro. Quanta diferença com os tempos, não muito distantes, quando apenas as guerras podiam trazer poder e riquezas para as famílias reais.
Mas o nome Steinheil vai ainda muito além do seu eclético fundador. Para a fotografia especificamente, é na produção de seu filho Hugo Adolph Steinheil (1832-1893) que iremos encontrar algumas das principais realizações que realmente marcaram a história das ópticas fotográficas na segunda metade do século XIX. Adolph, não se entendia muito bem com seu pai, pois tinham índoles opostas. Enquanto que Carl mudava de assunto o tempo todo e iniciava mais projetos do que podia terminar, conta-se que Adolph era do tipo perseverante e não conseguia largar um problema antes de ter encontrado sua solução. Foi essa obstinação que o fez trabalhar 12 horas por dia por 15 anos, a partir do estabelecimento da firma em Munique, para desenvolver uma nova família de lentes que seria uma revolução nas ópticas fotográficas (Agostini).
Depois da lente de Petzval, pode-se dizer que nada foi tão significativo como as Aplanats, desenhadas por Adolph Steinheil em 1866 (e simultaneamente e independentemente por Dallmeyer, também alemão, trabalhando na Inglaterra, que lançou o mesmo conceito com o nome Rapid Rectilinear). Adolph tivera a colaboração de seu amigo o matemático Philipp Ludwig von Seidel (1821-1896), da universidade de Munique, que desenvolvera um conjunto de equações que permitiam simular os raios oblíquos incidindo sobre as lentes e assim antever, apenas com cálculos, os efeitos de cada conceito/desenho óptico sobre qualidade da imagem final. Seidel conseguiu separar matematicamente as diferentes aberrações que deterioram a periferia da imagem de uma lente.
Foi com o uso desse formalismo que Adolph Steinheil conseguiu depurar o conceito de duas ópticas simétricas em torno do diafragma e lançar uma linha de lentes com diferentes ângulos de visão e aberturas generosas para a época, que chegavam até a f/6. A vantagem da simetria está na automática correção de distorções. Isso era muito importante em fotografia de arquitetura nas quais as linhas verticais apareciam curvas quando se utilizavam as lentes para paisagens disponíveis na época. Outra utilização importante nas quais as distorções atrapalhavam muito eram as reproduções de documentos e mapas.
O conceito das Aplanats mostrou-se flexível e várias versões, mais angulares e menos luminosas, para paisagens ou mais fechadas e mais luminosas para retratos, vieram da ideia básica de lentes simétricas. Não que lentes simétricas fossem em si alguma novidade, suas vantagens eram conhecidas pelo menos desde 1841, mas Adolph Steinheil teve a ideia de usar os vidros de uma maneira inovadora. Os dubletos, para corrigir a aberração cromática, até então eram normalmente compostos de um vidro crown e um flint, mas nas Aplanats, segundo Kingslake: “A verdadeira pista para a construção da Rapid Rectilinear [nome das “Aplanats” no design desenvolvido por Dallmeyer] está na escolha dos vidros. Os dois tipos devem diferir o máximo possível em índice de refração e o mínimo possível em índice de dispersão”. Então Steinheil e Dallmeyer utilizaram dois vidros flint que formavam, entre o que estava disponível na época, a combinação que permitia se chegar ao máximo dessa aproximação dos índices de dispersão e afastamento dos índice de refração.
As Antiplanet
Já as Antiplanet são um outra história, foram uma alternativa às Aplanat e uma ousadia em termos de projeto óptico. A simetria das Aplanats eliminava as distorções, mas a qualidade da imagem para objetos distantes sofria de aberrações e perdia definição. Adolph Steinheil decidiu então quebrar a simetria e partiu para desenvolver um desenho com quatro elementos e dois grupos diferentes entre si. Em 1879 lançou a Gruppen Aplanat com f/6.2 com ângulo de visão de 56º e ainda usando o conceito de dubletos com vidros flint nos dois elementos.
Em 1881, não satisfeito, voltou aos dubletos crown/flint os quais, isoladamente, tinham uma horrível aberração esférica, porém, um compensava o outro. O nome Antiplanet foi escolhido para significar justamente algo em oposição às Aplanats por sua quebra de simetria. Quanto ao desenho da lente, há uma leve divergência nas fontes.
No tratado enciclopédico de Charles Fabre, de 1889, a Gruppen Antiplanet é apresentada como se seus elementos traseiros fossem cônicos (imagem acima). Isto é diferente do que nos apresenta Eder, desenho abaixo. Kingslake comenta que para a Gruppen Aplanat, os elementos traseiros precisavam ser cônicos para se evitar a vinheta na imagem. A julgar pelo meu exemplar eu diria que o dubleto é realmente cônico e provavelmente para resolver o mesmo problema aventado por Kingslake.
Desenho e medidas da Gruppen Antiplanet 240 mm (Eder)
Adolph Steinheil também já vinha pesquisando vantagens de se aumentar a espessura dos vidros e reduzir ao mínimo o ar entre os elementos para reduzir o flare. Na Gruppen Antiplanet temos uma fresta mínima por onde se insere um diafragma e os vidros do grupo traseiro formam um bloco realmente muito espesso.
Esteticamente, um bloco de vidro óptico como esse é muito bonito e impressiona de ser ver e manusear. O espaço entre os grupos é tão estreito que ao inserir o diafragma tipo Waterhouse não é difícil acabar raspando um pouco o verniz preto que é aplicado na borda das lentes, como se vê na foto acima.
O que estava em jogo no desenvolvimento das Aplanats e depois das Antiplanets seria a primeira lente realmente de uso geral em fotografia. Até essa época estavam disponíveis para o fotógrafo as lentes para retratos, tipo Petzval, as lentes para paisagens que eram simples dubletos acromáticos com o diafragma à frente e algumas grande angulares como a Globe (1860) de Harrison e a Pantoskop (1865) de Emil Busch, que chegavam perto dos 90º mas com aberturas f/30 ou f/25. Não havia uma lente que fosse razoável nos três quesitos ao mesmo tempo: em ângulo de visão, em luminosidade e nitidez em todo o campo da imagem. Sem uma lente assim, a fotografia não poderia ter câmeras amadoras com lentes fixas, não com o nível de sensibilidade do colódio úmido que era o método em voga na época. Gruppen, que significa “grupos” no alemão, seria essa lente média, entre o retrato e a paisagem, e poderia funcionar em muitas situações. Seria a tão esperada lente de uso geral.
A fotografia sempre dependeu do desenvolvimento simultâneo dos vidros, da óptica geométrica e da química dos materiais sensíveis. Cada vez que um desses três pilares passava de um degrau a outro no seu desenvolvimento, ele aliviava as exigências para os outros dois. Foi assim que até mesmo o menisco, a lente simples, côncava/convexa, foi longe século XX adentro em câmeras populares, graças à introdução da gelatina de prata para a qual aberturas como f/16 ou f/32 não eram mais barreiras para se fotografar em muitas situações.
A Gruppen Antiplanet de Hugo Adolph Steinheil, desenhada com as ferramentas matemáticas de Philipp Ludwig von Seidel, foi um dos pontos altos onde se conseguiu chegar antes que novos vidros fossem desenvolvidos e que permitiriam enfim a produção de lentes anastigmáticas cuja matemática já era conhecida.
A tabela acima mostra os 6 tamanhos em que foi fabricada. Esta Gruppen Antiplanet é a nº 4, possui 24 cm de distância focal. O elemento frontal tem 43 mm de diâmetro e é indicada com a medida de 19 linhas nos catálogos da Steinheil. Sua abertura é de f/5 e ângulo de visão de 70º (Eder). O formato é 15,8 x 10,8 cm com diafragma aberto e 24,8 x 20,0 mm no mais fechado, como se vê na tabela acima. Essas medidas são em geral muito rigorosas e referem-se mais à área de nitidez. Eu tenho fotografado com ela no formato 13 x 18 cm e não se nota nenhum fall-off. A abertura geométrica é um pouco mais fechada que f/5, mas na época era costume se ajustar esse número de acordo com a quantidade de superfícies ar/vidro, vidro/ar no sentido de aumentar um pouco a abertura quando a lente oferecia poucos desses obstáculos ao aproveitamento da luz incidente.
O número de série desta lente é 14.534, de acordo com Agostini isto indica ano de fabricação em 1885. Sobre o corpo está escrito “Steinheil in Munchen nº 14.534 patent”. Infelizmente, Steinheil tinha o mau hábito de gravar o nome da lente na flange e, mais infelizmente ainda, muitas câmeras foram separadas de suas lentes sem que as flanges fossem retiradas das mesmas para que continuassem com a lente original. Então hoje é muito comum encontrar lentes da Steinheil sem um nome claro que as identifique pois elas estão sem a flange. No caso desta Gruppen Antiplanet isso é menos grave pois seu desenho é tão distinto de tudo o que existia que fica fácil ter certeza de sua identidade. Mas com muitas Aplanat a questão pode ficar bem complicada pois muitos tipos diferentes se parecem entre si.
Além de não ter flange esta lente também não tinha os diafragmas Waterhouse. Estes que aparecem na foto foram calculados usando este método e depois impressos em ABS preto em impressora 3D. Sem nenhum diafragma ela tem uma pupila de entrada de 34 mm o que lhe dá uma abertura f/7. A menor abertura que eu fiz, que se vê na foto, corresponde a f/32.
Como que para compensar que ela veio sem flange e sem os diafragmas, o estado geral do corpo, do verniz e dos vidros é excelente e é um grande prazer fotografar com este marco da história das ópticas fotográficas. As duas fotos abaixo foram feitas no formato 13×18 cm com Fomapan100 revelado em Parodinal e copiadas por contato sobre papel Foma 111.