A primeira Contaflex foi lançada em 1953 pela Zeiss Ikon e anunciava a novidade de uma monoreflex para filmes 35 mm com um leaf shutter. Literalmente traduzindo leaf shutter é um “obturador de folhas”. Trata-se do obturador central, montado no eixo da lente e que se abre/fecha pelo deslizar de lâminas metálicas.
O conceito monoreflex (SLR ou Single Lens Reflex), no qual um espelho desvia para o fotógrafo a imagem da própria lente que irá fazer a exposição do filme, é muito antigo e já existia em diversas câmeras de médio e grande formato. A ideia básica é uma aplicação direta da camera obscura e portanto anterior à própria fotografia. Mas por conta dos tamanhos, toda a praticidade que associamos hoje às SLR estava ainda ausente nas primeiras SLR. A imagem era invertida direita/esquerda e a câmera ficava no nível da cintura. A Graflex, de Rochester, iniciou em 1898 (quando ainda era a Folmer and Schwing Manufacturing Company) uma linha de câmeras SLR para 4×5″, e até 5×7″, que fez muito sucesso. Abaixo um modelo mais recente, a Graflex Auto RB. Não tenho a data exata deste exemplar mas ela era anunciada até, pelo menos, a década de 1950.
A Zeiss Ikon, sobre sua Contaflex de 1953, não podia nem mesmo dizer que era a primeira monoreflex 35 mm pois já existia a Exakta da Ihagee desde 1936, e também a Praktiflex da Kamera-Werkstätten AG, lançada logo depois em 1939, ambas firmas baseadas em Dresden. O irônico desse apelo publicitário: “a primeira SLR com um leaf shutter“, é que justamente o leaf shutter, anunciado então como uma vantagem, viria a ser a principal causa da obsolescência da Contaflex que deixou de ser produzida em 1972.
Dada a influência e peso da Zeiss Ikon na indústria fotográfica alemã e até mundial, talvez um certo instinto de “siga o líder”, acabou levando outras firmas pelo mesmo caminho que logo se mostrou sem saída. A Kodak AG investiu em uma linha de Retinas Reflex a partir de 1957 e a centenária Voigtlander, em 1959, quando já controlada pela Zeiss Ikon, veio com sua Bessamatic e depois Ultramatic, ambas com leaf shutters e descontinuadas poucos anos depois do lançamento.
O reinado dos leaf shutters
No início da fotografia obturadores não eram de modo algum uma preocupação. Tirar e repor a tampa da objetiva era perfeitamente aceitável para exposições de vários segundos ou mesmo minutos. Depois da invenção das placas secas, baseadas em haletos de prata e gelatina, uma enorme quantidade de obturadores, nos mais variados conceitos, foram desenvolvidos para atender a necessidade de tempos cada vez mais curtos de exposição. São dessa época, década de 1880, os primeiros leaf shutters que foram desenvolvidos e patenteados em Munich pela firma Steinheil, um dos mais importantes desenvolvedores e fabricante de lentes.
Em 1905 Friedrich Deckel e Christian Bruns, ambos ex-Steinheil, lançaram o obturador Compound. Foi um obturador do tipo leaf-shutter no qual o mecanismo de retardo do fechamento das lâminas consiste em um pistão que expulsa o ar de dentro de uma válvula. Com o ar saindo lentamente por uma pequena abertura, esse dispositivo pneumático atrasa o movimento de uma mola. Foi um enorme sucesso e continuou sendo fabricado até o final dos anos 1960.
Depois de uma separação, Christian Bruns, em um novo projeto, abandonou o conceito do pneumático e o substituiu por um mecanismo de relógio para provocar o retardo do fechamento das lâminas do obturador. Este foi batizado de Compur, que seria uma junção de Compound com a palavra alemã “Uhrwerk” que se refere ao mecanismo dos relógios. Abaixo temos a vista explodida do obturador Synchro Compur, o tipo que equipa a Contaflex e a maioria das câmeras mais sofisticadas de sua época. Seria o desenvolvimento mais avançado da ideia original de Christian Bruns.
Nessa ilustração estão assinaladas as 5 lâminas que abrem e fecham para a passagem da luz e mais abaixo vemos parte do mecanismo de relógio característico desses obturadores.
Percebendo a importância estratégica de tal componente, Carl Zeiss comprou a patente e iniciou uma cooperação com Friedrich Deckel para a produção do novo obturador. Esta história é muito bem contada, com muito mais detalhes, na página Up and down with Compur, um artigo de Klaus-Eckard Riess, traduzido para o inglês por Robert Stoddard.
Nessa pequena introdução eu quis apenas assinalar a longa relação, desde 1910, entre a futura Zeiss Ikon (que resultou da fusão de quatro empresas em 1926) e a Friedrich Deckel dos obturadores Compur. Foi muito importante para o futuro da fotografia o fato de que a Zeiss Ikon, fabricante de câmeras, já tivesse nascido estratégica e afetivamente ligada à Friedrich Deckel GmbH dos leaf shutters. A Zeiss Ikon tinha mesmo participação acionária na firma de obturadores e juntos tinham um certo domínio do mercado de câmeras em função da tecnologia embutida nesses dispositivos. A Deckel não apenas fabricava seus obturadores como fabricava também o maquinário necessário, capaz de produzir as minúsculas peças empregadas nesses mecanismos de alta precisão. Qualquer outro fabricante de câmeras que quisesse empregar o prestigiado e desejado leaf shutter Compur, precisava ter a benção de seu concorrente a Zeiss Ikon.
Para não encompridar muito essa parte, quero apenas mostrar um trecho de uma carta que em 25 de novembro de 1933, Deckel escreveu para o diretor da Carl Zeiss, Paul Henrichs. Isso foi quando ele soube que a Zeiss Ikon desenvolvia uma câmera, a Contax, com um obturador de plano focal. Tal desenvolvimento, cujo objetivo era concorrer com a Leica da Leitz de Wetzlar, na visão de Deckel infringia acordos prévios entre as duas firmas:
“A Zeiss Ikon equipa cada vez mais modelos com obturadores de plano focal, o que para mim acaba por ser tão desfavorável como se equipasse estas câmaras com outra marca de leaf shutters, pois o negócio fica para mim efetivamente perdido. Além disso, por meio dessas medidas, cada vez mais se faz propaganda do obturador de plano focal, o que também deve ter um efeito desfavorável para a minha produção de obturadores. No entanto, uma cooperação realmente amigável pode ocorrer, mas somente se houver mais consideração por minha empresa neste assunto em Dresden. “ (a fonte é novamente o artigo de Riess acima citado).
Enquanto isso, na década de 1930, a Ihagee, também em Dresden, lançava a monoreflex Exakta para filme 127 e logo em seguida a Kine Exakta para 35 mm, ambas com obturador de plano focal. Talvez por um talento visionário, talvez por dificuldades de furar o lobby que já alinhava Zeiss Ikon, Deckel, Gauthier (outro importante fabricante de obturadores) e até mesmo Kodak e Bauch & Lomb, do outro lado do Atlântico, optaram por desenvolver obturadores de plano focal. A Exakta poderia e estava no caminho para ter um futuro brilhante e salvaguardar uma melhor participação alemã no boom das monoreflex na década de 60. Mas veio a guerra, a Ihagee ficou no lado oriental da Alemanha, nova administração, nova mentalidade e ela perdeu a capacidade de inovar e competir no mercado internacional.
Foi assim que o pós-guerra, até os anos 1960, foi todo dos leaf shutters. Com a reconstrução e retomada da produção o mercado foi rapidamente invadido por uma quantidade enorme de câmeras de todos os tipos mas em sua absoluta maioria utilizando leaf shutters. Por exemplo, em médio formato, as folding ou câmeras de dobradura, tais como as Ikontas e Super Ikontas, Bessas da Voigtlander, Agfas, folding para 35 mm como a Contessa ou Contina, Vitessa, Vito e Prominent da Voigtlander, Retinas da Kodak, Rolleiflexes… com variados graus de sofisticação, a maioria esmagadora delas vinham com modelos de obturadores Compur e Prontor da Deckel ou Gauthier, respectivamente. No artigo de Riess, acima citado, lemos que: “Entre 1957 e 1960 a produção de leaf shutter explodiu. As linhas de produção para os Prontor da Gauthier, em Calmbach, empregava 3250 trabalhadores e expedia diariamente 10.000 obturadores. A Deckel, produzindo os Compur em Munique empregava nessa época aproximadamente 1500 pessoas”.
Vantagens e Desvantagens
Mesmo sem pensarmos nas sua complexidade e custo, os obturadores do tipo leaf shutter têm poucas vantagens sobre os de plano focal em fotografia de pequeno formato. As mais relevantes são:
- Eles são bem menos sujeitos a vibrações. O movimento de suas partes se dá de modo razoavelmente simétrico. São também muito mais silenciosos que os obturadores de cortina. Mas tanto a vibração quando a operação silenciosa são vantagens que perdem uma grande parte de sua importância nas câmeras monoreflex já que elas têm o espelho subindo e batendo no topo da câmera, ou seja, já são ruidosas por natureza.
- A outra vantagem, esta sim realmente indiscutível, está na possibilidade de sincronizar um flash eletrônico em todas as velocidades oferecidas pelo obturador. Mesmo a 1/500 um leaf shutter passa por um instante em que a sua abertura é máxima. No caso dos obturadores de plano focal as velocidades mais altas são obtidas fazendo-se com que a segunda cortina parta antes da primeira ter percorrido todo o quadro. O que corre e expõe de fato a foto é uma fresta. Em nenhum momento o quadro fica todo ele exposto e um flash iluminará apenas uma faixa do quadro completo.
O sincronismo nas altas velocidades é uma real vantagem. Lembravam ainda, os defensores da Contaflex, o problema nos obturadores de cortina, nos quais objetos movendo-se em alta velocidade são deformados. São alongados quando correm no mesmo sentido da cortina ou comprimidos quando correm no sentido contrário. Isso é fato, mas não é um fato tão corriqueiro assim para desanimar seus usuários.
As desvantagens do leaf shutter foram mais decisivas, em especial no caso de câmeras para filmes 35 mm. Um ponto muito atraente nas SLR é a possibilidade de se trocar lentes sem o inconveniente dos visores separados, com problemas de paralaxe e imagens pequenas. Mas um obturador na própria lente complicava muito o seu desenho. Uma possível saída seria cada lente ter seu próprio obturador, mas essa seria uma solução muito cara e que colocaria o sistema fora do alcance da maior parte do mercado amador.
Os meios para contornar isso foram, primeiramente, deixar uma parte da óptica fixa no corpo da câmera junto com o obturador. Nesse sistema, para se obter uma outra distância focal, em vez de se trocar a lente toda, apenas o elemento frontal é substituído.
Os três elementos traseiros da Tessar, marcados em azul no desenho acima, não saem da Contaflex. Para se obter as focais adicionais oferecidas com a câmera: 35, 85 ou 115 mm, apenas o elemento frontal é substituído. O obturador fica entre esses dois grupos, fixo no corpo da câmera.
Mesmo sem ser um expert em ópticas fotográficas, qualquer um pode avaliar, pela ilustração acima, qual foi a enrascada em que a Zeiss Ikon se meteu. Nos três casos temos as lentes traseiras da Tessar original de 50 mm marcadas em azul. Para que esse bloco comum funcione como 85 mm, por exemplo, outros 5 elementos foram adicionados totalizando 8 elementos. Na mesma época, também para uma SLR, a Exakta, a Hugo-Meyer produzia a Primotar 1:3,5/85 mm com quatro elementos ou a Trioplan 1:2.8/100 mm com apenas 3 elementos. Eu não fiz nenhum teste de performance mas duvido que a Pro-Tessar justifique a complicação do aumento de custo e peso com uma qualidade muito superior a outras ópticas muito mais simples desenhadas para câmeras com obturadores de plano focal.
Isso era muito limitante para a qualidade e versatilidade das ópticas. Enquanto que uma Exakta 35mm pode receber uma quantidade enorme de lentes, curtas como uma Flektogon 25mm f/4 ou luminosas como uma Primoplan 75 mm f/1,9, ou ainda longas como a Telemegor 300 mm f/4, graças ao seu obturador de plano focal, a Contaflex vai apenas de 35 a 115 mm em f/4 ou f/3.2, com suas Pro-Tessar como complementos frontais de uma óptica fixa no corpo da câmera.
Em seu artigo Riess comenta que em vez de encarar essas limitações como bons motivos para abandonar o conceito, os engenheiros da Zeiss Ikon as viam como desafios para buscar soluções mais criativas e mesmo ousadas. Bom para nós, hoje, que podemos admirar as proezas que realizaram, mas ruim para eles que de um momento a outro viram-se sem condições de competir e tiveram que encerrar suas operações.
Ser líder de mercado traz muitas vezes uma espécie de cegueira e os setores de marketing e engenharia passam a agir como se o consumidor fosse comprar, em primeiro lugar, aquilo que o fabricante escolher fabricar. Mas o livre mercado não é assim.
Evolução da Contaflex
Evolução talvez nem seja o termo mais adequado pois os vários modelos conviveram na oferta da Zeiss Ikon. Não foi como uma geração substituindo a outra. Mas creio que em ordem de lançamentos podemos considerar os modelos mais sofisticados como acréscimos a uma linha que começou relativamente simples.
A Contaflex I, como foi dito acima, foi lançada em 1953. Tinha um Tessar 45 mm f/2.8 como lente fixa. O foco era feito movendo-se apenas o elemento frontal, como nas folding da Zeiss Ikon da mesma época. Mas já vinha equipada com um sofisticado Compur MVX. M para bulbs, X para flash eletrônico e V para disparo com timer. A Contaflex II apenas acrescentava um fotômetro de selênio.
Já a Contaflex III, lançada em 1956, trouxe a grande novidade dos elementos frontais intercambiáveis para diferentes distâncias focais, as já citadas lentes Pro-Tessar. A lente normal era agora uma Tessar 50 mm f/2.8. O obturador passou a indicar EV, exposure value, um número único que acopla velocidades e aberturas conforme a condição de luz. Mas a III não oferecia um fotômetro.
A Contaflex IV era a III com fotômetro e foram lançamentos simultâneos. A lógica é: I e II com lentes fixas, a primeira sem e a segunda com fotômetro. III e IV com lentes intercambiáveis, a primeira sem e a segunda com fotômetro.
Lendo-se as características salientadas pelos folhetos, manuais e propagandas, encontramos coisas que hoje parecem banais mas que na época diferenciava a linha de alguma outras opções do mercado.
Bem diferente de uma câmera de visor, com ou sem rangefinder, na qual a imagem do visor é independente da imagem que a lente projeta, em uma monoreflex, no momento em que o disparador é acionado uma complexa sequência de operações mecânicas precisa ser percorrida:
- Fechar o obturador, pois ele precisava ficar aberto para foco e enquadramento.
- Levantar o espelho para dar passagem à imagem gerada pela lente
- Mas antes de levantar o espelho, abaixar uma tampa para proteger o filme da luz pois a exposição de fato é feita pelo obturador
- Fechar o diafragma até a abertura selecionada antes que o obturador se abra
- Finalmente abrir e fechar o obturador na velocidade escolhida.
Tudo isso era realizado mecanicamente nas Contaflex em um intervalo de tempo de apenas 20 milisegundos, desde o primeiro modelo de 1953.
Contaflex Rapid e Super
Super e Rapid quebraram a sequência numérica de I, II, III e IV. Mas trata-se novamente um par de câmeras uma sem fotômetro, a Rapid e outra com fotômetro, a Super. Lançadas em 1958 e 1959 respectivamente. O interessante nesse novo modelo com fotômetro foi a introdução de seu acoplamento aos controles da câmera de modo que o fotógrafo passou a poder ajustar a fotometria diretamente no visor. Ela ainda oferecia uma janela para leitura do fotômetro no topo da câmera. Tanto a Rapid quanto a Super utilizam o mesmo jogo de lentes Pro-Tessar. Trouxeram também a novidade de uma sapata para flash fixa no topo da câmera.
Contaflex Super, Super B, BC e S
Em 1965 foi lançada uma nova Super e uma Super B. Com o corpo redesenhado elas receberam uma traseira capaz de trocar o filme ainda parcialmente exposto. Isso devia ser especialmente interessante em uma época em que cor e preto e branco começaram a conviver intensamente. Mas talvez a principal novidade é que a Super B introduziu a exposição automática através de um fotômetro de selenium com prioridade de velocidade.
Super BC e S são nomes diferentes para essencialmente a mesma câmera. Representam o auge desse desenvolvimento das Contaflex. Duas mudanças fundamentais e interligadas: o fotômetro passa a utilizar uma bateria, no caso uma PX-625 ou P-13, de mercúrio e a fotometria passa a ser feita através da lente.
Até então era sempre alguma janelinha na frente da câmera, com o fotômetro de selênio, que fazia uma leitura geral da luminosidade em frente à câmera. Com a super BC um prisma colocado dentro da ocular rouba um pouco da luz que iria para o fotógrafo e mede a luminosidade daquilo que ele está efetivamente observando pela objetiva.
Na figura acima eu acrescentei alguma cor para ajudar a identificar as partes do sistema de fotometria da Contaflex Super BC: Temos a lente, o espelho (amarelo), o pentaprisma ao alto e um raio de luz (azul) que se separa em dois na superfície (verde) de um prisma. As linhas pontilhadas representam essa divisão na qual parte vai para a ocular, onde o fotógrafo observa a imagem, e parte vai para a fotocélula (vermelho).
Por conta dessa repartição da luz entre visor e fotômetro, o uso do selênio, tão conveniente por não precisar de bateria, precisou ser substituído por um foto resistor capaz de ler luminosidades significativamente mais baixas. Mas a novidade era extremamente atraente. O fotógrafo a partir de então não apenas via através da objetiva mas também media a luz diretamente na imagem da objetiva. Veja que é a primeira característica salientada na Contaflex S no folheto abaixo: Through the lens metering (Cds) – Fotometria através da lente (Cds)
A Contaflex Super BC da coleção
Dentro do conceito a que ela se propõe, na Contaflex Super BC tudo foi resolvido com uma qualidade irretocável. Sente-se na mão e no manusear uma câmera muito robusta na qual todos os controles movimentam-se de forma justa e segura. A única coisa que considero objetável no desenho e construção dessa câmera é o compartimento da bateria. Trata-se da pequena porta na frente da câmera na parte esquerda na foto acima. Ela é muito frágil e por conter plástico é muito fácil se encontrar exemplares quebrados.
Ainda sobre a bateria, algo importante a se notar, é que ela usa as antigas e não mais disponíveis baterias de óxido de mercurio MR-9, PX625 ou PX13. Existem maneiras de se contornar esse problema. Eu discuto as adaptações na página sobre a Olympus 35DC que utiliza a mesma bateria.
Por todas as características que a Contaflex Super BC possui, ela pode ser considerada uma câmera bem compacta. Se levarmos em conta que tudo é puramente mecânico, que ela apresenta um alto nível de automação e que coisas mecânicas ocupam espaço, é de se admirar o reduzido espaço que ela ocupa. Nas mãos ela “veste” muito bem e o visor é muito luminoso. A razão dessa luminosidade toda, que surpreende quem está acostumado com SLRs das próximas gerações, é que ele não utiliza um vidro despolido sobre o qual se projeta a imagem observada pela ocular do visor. Em vez disso, a imagem da lente vem direta por um vidro Fresnel, uma lente Fresnel, de modo que há muito pouca perda de luz. A ocular recebe a imagem sem que ela seja difundida por um despolido.
Este sistema foi abandonado pela desvantagem de que não se pode focar a imagem sobre o Fresnel. Para se checar qualquer ponto da imagem, é preciso que ela seja formada sobre um despolido. Com as objetivas mais luminosas que vieram logo depois, sobretudo nos anos 60, quando f/1.8 ou até f/1.4 tornaram-se comuns, o escurecimento causado pelo despolido foi compensado por essas lentes mais claras e o sistema com Fresnel foi deixado para trás.
Isto quer dizer que observando-se o visor da Contaflex temos a imagem aparentemente sempre em foco, mesmo que ela não esteja. Para se ajustar o foco é preciso se orientar ou pelo bi-partido no círculo no centro do visor ou pelo anel à sua volta como vemos nas imagens a seguir.
Nesta imagem o anel de foco estava no infinito. Vemos claramente que apenas o centro do visor denuncia esse falha. Abaixo, o foco correto é confirmado tanto pelo bipartido como pelo anel à sua volta onde a imagem torna-se nítida. Note que fora dessa área central a imagem estava nítida nos dois casos.
No lado direito temos a indicação de abertura e velocidade. A velocidade não aparece na foto pois esta foi feita com um celular e o ângulo da tomada favorecia mais a cena em si. Mas no uso, tanto abertura como velocidade são claramente mostrados no visor. O único porém é que a agulha indicando a abertura correta só aparece no modo automático. Isso complica um pouco o uso do fotômetro em um modo totalmente manual.
Outra característica que pode incomodar um pouco quem está acostumado com lentes mais recentes é que o foco não é um anel, como foi mais tarde amplamente adotado por todas as marcas. Pela compressão de todos os controles, exigida pelo leaf shutter, um anel de foco com largura suficiente para ficar confortável seria impossível. Foram então desenhados dois “botões” salientes, grandes, posicionados para que um anel bem mais fino seja acionado por polegar e indicador.
O contador de poses fica no eixo da alavanca de avanço do filme e faz contagem regressiva. É preciso sempre lembrar de ajustar o número de fotogramas do filme logo após carregá-lo. Ao chegar ao zero não é mais possível se avançar ou disparar a câmera.
Sem armar o obturador o fotômetro não fica ativo. Isto é certamente para que a bateria não seja o tempo todo requisitada estendendo-se assim sua vida útil. Ao mesmo tempo, se a câmera for esquecida armada e, pior ainda, sem tampa da objetiva e/ou sem o estojo de couro, a bateria irá certamente se exaurir.
No caso da Contaflex Super BC as lentes foram recalculadas com o uso de computadores, uma novidade na época. A sua Tessar 50mm f/2.8 tem fama de ser especialmente nítida. Eu já fiz muitas fotos usando várias lentes do tipo Tessar, a começar pelas primeiras para grande formato a como a Tessar IIb com 70º de ângulo de visão e f/6.3. Também com Tessar feita para a Linhof 6×9 e muitas para 35 mm. Não fiz testes rigorosos, não sei se foi sorte, mas no uso a Tessar dessa Contaflex costuma me surpreender pela nitidez dos detalhes. Então eu sou mais por reverberar a fama que ela tem de ser de uma cepa especial desse histórico design.
Acima temos a 115 mm f/4, 85 mm f/3.2 e 35 mm f/3.2. Existem versões da 35 mm e 85 mm em f/4. Elas são consideravelmente maiores que a lente normal. São pesadas e dão ideia da complexidade a que os engenheiros da Zeiss se obrigaram para ter esse sistema com uma parte da óptica fixa na câmera e apenas a frontal intercambiável. Como foi dito acima, se compararmos estas Pro-Tessar com as focais aproximadas do sistema da Voigtlander Bessamatic, com lentes independentes, muito mais leves e menores, podemos imaginar uma significativa diferença de custo que a construção da Contaflex representava.
Importante notar que as Pro-Tessar, como são chamadas estas lentes, são diferentes de converters que se adicionam a uma lente normal para abrir ou fechar o seu ângulo de visão. Esses converters, chamados de tele ou wide, aplicam-se a lentes completas que por si só já formam imagens. Mas o grupo central mais o dubleto traseiro da Tessar não formam uma lente completa, ela só se completa pela adição do elemento frontal.
A tampa traseira das Contaflex não é do tipo dobradiça como foi adotado mais tarde pelas monoreflex e pelas câmeras 35 mm em geral. Ela lembra e aparentemente até usa o mesmo fecho da Contax. Talvez isso seja importante para o sistema de traseiras intercambiáveis que veio com as últimas câmeras da série.
No geral, como conclusão de minha experiência com a Contaflex, é uma câmera bonita, confiável, robusta e bem construída. Quis o destino que algumas premissas de sua construção impusessem barreiras e limitantes que a criatividade dos engenheiros da Zeiss Ikon tratou muito bem de contornar. Foi assim que criaram essa jóia sem futuro.
Algumas fotos feitas com a Contaflex Super BC