Graflex Auto RB | Graflex

A Graflex é certamente muito mais conhecida por suas lendárias Graphic câmeras nas versões Speed e Crown. Elas foram como que as câmeras icônicas dos repórteres fotográficos dos anos 20 até a década de 1950.  O que menos gente sabe é que o primeiro grande sucesso da Folmer and Schwing Manufacturing Company (mais tarde Graflex Inc.) foram as Graflex do tipo monoreflex.

A Graflex não inventou as monoreflex. Provavelmente não existe um inventor específico pois a ideia é como que um desenvolvimento natural ou óbvio a partir da camera obscura com a adição de um suporte de material sensível. Em seu Ausführliches Handbuch der Photographie de 1892, Josef Maria Eder cita uma câmera reflex proposta por Sutton, já em 1860, com o desenho abaixo. Mas com as emulsões lentas disponíveis na época, a rapidez de ação de uma monoreflex não encontrava ainda atrativos naquela época.

O princípio das monoreflex

Em toda câmera fotográfica a lente projeta uma imagem sobre o filme. Nas view cameras essa imagem pode ser previamente inspecionada, para enquadramento e focalização, sobre um vidro despolido colocado bem no plano da imagem, atrás do corpo da câmera. O problema é que para se tomar a foto este vidro despolido precisa sair e em seu lugar deve entrar o filme. Nas view cameras mais práticas, como a Linhof Super Technika, isto é feito inserindo-se um chassis entre o despolido e o corpo da câmera. É rápido, mas mesmo assim toma tempo e a câmera precisa estar em um tripé durante esta operação.

Em uma monoreflex o filme fica já na sua posição esperando o click. Enquanto isso a imagem é desviada para um despolido no topo da câmera, como vemos na ilustração acima (fonte: catálogo da Graflex de 1904 – Pacific Rim). Nesse sistema o fotógrafo pode enquadrar, focar e decidir sobre o momento oportuno. Para fazer a foto basta acionar um botão, o espelho sobe dando passagem à imagem e um obturador, na lente ou de plano focal, faz a exposição. Isso é muito rápido e permite fotografias de ação, sem tripé e nem pano preto.

É claro que câmeras de visor também permitem fotografias instantâneas. Era o caso das detective cameras, contemporâneas das primeiras Graflex monoreflex. Mas a vantagem dessas últimas é que a imagem vista pelo fotógrafo era trazida pela própria lente que iria tomar a fotografia. Para fotografias a distâncias mais curtas e com pouca profundidade de campo o foco e enquadramento podiam ser melhor controlados em uma monoreflex. Câmeras com telêmetro, que usavam um visor separado e ofereciam precisão de foco, só vieram mais tarde. A rainha dessa categoria foi sem dúvida a Leica, uma revolução, mas uma câmera considerada miniatura para sua época e que demorou um pouco para que fosse adotada por profissionais.

Velocidades na Graflex monoreflex

Imagem do catálogo Graflex de 1910 – fonte Pacific Rim

Uma outra vantagem oferecida pelas Graflex monoreflex era a velocidade até 1/1000 s. Para entender isso precisamos estudar o seu obturador de plano focal. Trata-se de uma cortina que corre, próxima ao filme e, como em qualquer cortina, cobre e descobre o que está atrás dela. O que era muito diferente nas Graflex, em relação aos obturadores de cortina que vieram depois, é que estes últimos têm duas cortinas independentes, uma para abrir e outra para fechar a passagem da luz. Nas Graflex apenas uma cortina era utilizada, mas ela possuía 5 aberturas diferentes.

A ilustração acima, do catálogo Graflex de 1910 (fonte: Pacific Rim), vemos a cortina aberta. As exposições curtas são feitas com a passagem de uma fresta de 1/8″ (~3 mm) as mais longas com a fresta maior que tem 1 ½” de largura (~38 mm). Além da escolha de uma ou outra fresta, é possível também se regular a tensão da mola que irá fazê-la correr sobre o filme com velocidade maior ou menor.

Com o seletor A, na foto acima, escolhe-se o tamanho da fresta, em B escolhe-se a tensão da mola. C serve para se travar o espelho na posição, pois ele não tem retorno automático após a exposição. D é apenas uma adaptação caseira para que a câmera receba chassis padrão para 9×12 cm ou 4×5″. Nele eu fiz uma tabela para tensão 3 e as quatro aberturas de 1/8, 3/8, 3/4 e 1½”. Como a câmera é muito antiga eu preferi medir as velocidades reais para estas combinações em vez de tentar alguma regulagem do obturador para que ele siga as especificações de fábrica.

Um comentário muito interessante que se lê na página reproduzida acima apresenta um problema para os obturadores na lente, os leaf-shutters, que faz muito sentido, teoricamente, mas sobre o qual eu nunca vi algum estudo experimental mais aprofundado.

A questão é que em suas velocidades mais altas o tempo para abrir e fechar um leaf shutter começa a ficar comparável ao tempo total da exposição. Como suas lâminas ficam no centro da lente e próximas às do diafragma, é muito razoável se pensar que o obturador aja ele próprio como um diafragma. Mesmo que a lente esteja totalmente aberta, por algum tempo, as lâminas do obturador estarão aproveitando mais a parte central da lente, como se ela estivesse parcialmente fechada. O texto pondera que apenas parte da exposição é feita com a lente na sua abertura correta.

O ponto é que com um obturador de plano focal isso não acontece e só com ele, mesmo em velocidades altas, a imagem fixada no filme corresponde à abertura efetiva da lente. Achei isso muito interessante e mereceria um teste com uma Speed Graphic, por exemplo, que possui os dois tipos de obturador.

Pontos fracos das primeiras monoreflex

Ver a imagem tal qual ela é produzida pela lente e poder registrá-la instantaneamente é sem dúvida uma vantagem enorme. Mas apesar da introdução de muitas câmeras monoreflex desde o início do século XX, entre elas a Graflex, tanto as view cameras como as câmeras com visor separado e híbridas continuaram a existir e tiveram participação muito importante no mercado. A adoção massiva das monoreflex só viria com a introdução das japonesas na década de 60. Algumas dificuldades inerentes ao conceito explicam essa diversidade nas preferências.

Lentes angulares

Um problema sério no conceito das monoreflex é que a própria presença do espelho dificulta bastante o uso de lentes curtas. Isto significa que ângulos de visão maiores que os de uma lente normal, algo como 45º, ficam mais complicados. A Graflex Auto RB fica bem com uma lente 210 mm ou mais, creio que mesmo uma 180 mm talvez não possa ser focada no infinito, situação em que ela precisa se aproximar mais do plano da imagem. As ópticas das monoreflex 35mm contornaram bem esse problema, mas por muitas décadas aplicações que dependiam de ângulos maiores não podiam fazer uso de câmeras monoreflex.

Diafragma automático

Outra dificuldade é que ver a imagem da própria lente só é muito bom em aberturas como f/4,5, talvez f/8… mas em f/16 u f/22 a situação se complica pois a imagem vai ficando muito escura. Toda a operação de uma monoreflex totalmente automática é bem complexa e só foi resolvida nos anos 60 em câmeras para filmes 35mm ou 120. A Graflex até ofereceu um diafragma automático que só se fechava no momento da exposição, isto foi para um modelo Super D a partir de 1941, mas nesse ponto os formatos menores para fotos instantâneas já começavam a dominar a preferência do público profissional e amador.

Sincronismo do flash

As velocidades altas oferecidas pelo obturador de plano focal implicam que em nenhum momento o plano da imagem fica exposto por inteiro. Como a duração da luz do flash, em especial eletrônico, é muito rápida, tipicamente de 1/1000 s ou menos, o sincronismo fica impossível. As câmeras de cortina dupla ainda podem abrir a primeira delas, acionar o flash e fechar a segunda. Costumam fazer isso em velocidades de 1/60 no máximo. Mas câmeras como as Graflex Monoreflex, nas quais em todas as velocidades é apenas uma fresta que corre sobre o filme, o sincronismo fica mais complicado e precisa recorrer a um tipo de B ou T, ou seja um open flash que nem sempre se adapta ao assunto fotografado.  Novamente, foi dada uma solução para isso, mas ela veio com a Super D e, como foi dito acima, quando o conceito todo dessas monoreflex grande formato já estava perdendo a preferência dos fotógrafos.

Quando usar uma Graflex Auto RB

Entre as Graflex Auto a RB é do tipo drop bed. O botão de foco fica no corpo da câmera, mas depois de avançado ao seu máximo um segundo botão mais à frente engata na cremalheira e a lente pode avançar ainda mais.

Pelo que foi visto acima, esta câmera está no seu melhor quando se empregam lentes um pouco ou muito mais longas que a normal. Quando se pode fotografar com a lente totalmente aberta ou em locais muito iluminados com alguns poucos pontos fechada. Quando se quer fotografar instantâneos com a câmera na mão. Quando velocidades altas são desejáveis. Não é difícil se listar os casos clássicos em que esta combinação se ajusta muito bem ao gênero da fotografia.

É uma excelente câmera para retratos em grande formato com luz ambiente e pouca profundidade de campo. Nessa situação ela tem muitas vantagens sobre qualquer view camera pelo simples fato de que o fotógrafo pode acompanhar seu modelo e escolher o momento em que sua expressão estiver no seu melhor. Com uma view camera a solução é normalmente fechar mais a lente para garantir o foco nos casos em que o modelo se move enquanto o fotógrafo carrega o chassis, mas com uma monoreflex, mesmo a lente toda aberta não é um problema.

As Graflex monoreflex são ótimas para fotos de esportes, fotos de ação e fotos externas de grande formato quando as distâncias entre a câmera e o assunto são maiores e exigem lentes ainda mais longas. Com Speed e Crown Graphic, que ganharam tantos prêmios Pulitzer de jornalismo, a estratégia dos fotógrafos era quase sempre oposta. Eles procuravam proximidade, lentes normais a mais angulares, fechadas para garantir muito foco, eventualmente usavam uma lâmpada de flash e não se preocupavam com a composição, já que o generoso negativo 4×5 oferecia muito espaço para recorte. Eles geralmente usavam o visor de esporte para isso. O mais importante também era escolher o momento certo e clicar. Mas a preparação para isso costumava ser bem diferente. As câmeras Graphic iriam chamar o fotógrafo para dentro da ação, enquanto as câmeras SLR Graflex o colocariam mais como um espectador.

Naturalmente, neste catálogo Graflex de 1910 (fonte: Pacific Rim) as fotos exemplo vão todas nesta direção de fazer o melhor uso da velocidade, do enquadramento, do foco e das lentes longas, como só uma monoreflex com obturador de plano focal poderia oferecer.

Um exemplo histórico de tipo de foto em que uma SLR grande formato pode render a imagem em sua melhor forma é a foto Mãe Migrante, de Dorothea Lange, realizada em 1936 com uma Graflex D. Considero que seria uma foto impossível com uma câmera com pano preto, tripé, e todo o ritual que uma view camera demanda. Provavelmente essa preparação toda atrairia a atenção de Florence Owens Thompson e não haveria essa expressão no seu rosto, expressão que virou símbolo da crise americana nos anos 30. Alguém poderia argumentar que em 1936 uma Leica faria facilmente a mesma foto com até maior discrição e espontaneidade. Eu concordo, mas aí perderíamos a beleza de um negativo 4×5. Penso que esse formato tem nessa foto um papel muito importante. Um negativo pequeno faria uma foto mais rústica, mas essa foto nos dá uma visão simplesmente épica e grandiosa.

Na prática

Ergonomicamente a Graflex Auto RB, depois de carregada e ajustada, é bem razoável se o peso não for um inconveniente. Deve-se sustentar a câmera com as duas mãos deixando o polegar esquerdo livre para acionar o disparo. Mas é importante dizer que o ponto de vista será sempre de algo no nível da cintura e não o dos olhos do fotógrafo. Isso normalmente também pede uma distância maior em relação ao sujeito fotografado.

Esta da coleção veio com um magazine para 24 fotos em filme no formato 9×12 cm (foto abaixo). Seria muito bom para fotos de ação pela troca rápida das chapas. Mas esse acessório acrescenta muito peso e nos dias atuais não se sai disparando com grande formato como se fosse celular.

Então eu fiz essa modificação para receber o chassis duplo padrão,  como esse Linhof em 9 x 12 cm. A operação fica mais lenta mas alivia o peso e dá até mais confiabilidade pois o magazine múltiplo é mais suscetível a falhas. Esta Graflex tem um revolving back, traseira giratória, que é muito importante pois considero meio impossível fazer uma foto com a câmera girada de 90º. Com essa possibilidade fica fácil se alternar entre fotografias em retrato ou paisagem.

A placa da lente tem um ajuste lateral que permite fazer um front raise, mas não vejo muita utilidade em uma câmera que se destina prioritariamente a lentes mais longas e fotografia sem tripé.

Um acessório que precisei instalar foi esse óculos de leitura. Eu cortei dos dois lados e fiz duas alças em impressora 3D. Devia haver algo do tipo na época. Não é possível encaixar o rosto no visor usando-se um óculos comum. Sem encaixar vaza muita luz sobre o despolido e fica difícil ver a imagem. Então esta foi a solução para a curta distância entre a imagem e o topo do visor.

Fiz poucas fotos com essa câmera pois a adaptação para film holder padrão é recente.

Esta é uma antiga que foi ampliada sobre um papel Foma muito rústico. Acho interessante essa possibilidade de close-ups em retratos 9×12 cm. A lente foi a que veio com a câmera, uma Tessar 210 mm f/4,5.

Esta foi o resultado de um terrível vazamento de luz com o magazine antigo. Mas no final resolvi imprimir assim mesmo. Com o negativo no chassis do ampliador eu risquei o lado da emulsão para dar esse contorno irregular.

Esta foi uma dupla exposição acidental que acabou também sendo impressa.

Mesmo um retrato de meio corpo e uma lente cortante como a Tessar, em 180 mm e toda aberta em f/4,5 o desfoque do fundo é bem pronunciado.

Montei também esta lente Emil Wusche, uma Rapid Rectilinear 300 mm f/8. O retrato abaixo foi feito com ela.

Para fechar o ponto sobre a Graflex Auto RB na prática, este sou eu, com ela, fotografado por Ricardo Yamada usando uma Leica IIIC e Summitar 5cm f/2

A empresa

Inicialmente chamava-se Folmer and Schwing Manufacturing Company e foi fundada em 1887 em Nova York para fabricar diversos produtos em metal na área de iluminação a gás. Com o declínio desse mercado experimentaram com bicicletas e também câmeras fotográficas. A primeira câmera foi em 1899. Vários modelos de monoreflex foram lançados mas todos compartilhando as mesmas características básica com algumas diferenças de formato e funcionalidade. O sucesso foi grande e logo deixaram as bicicletas para concentrarem-se no crescente mercado de fotografia. Em 1905 foram adquiridos pela George Eastman e mudaram-se para Rochester. Mas em 1926, por conta de leis contra concentração de mercado, a Kodak foi obrigada a vender sua divisão de equipamentos profissionais e assim a empresa passou a se chamar Graflex Inc.

Este modelo da coleção é uma Graflex Auto RB e foi fabricado entre 1909 e 1941 segundo a Camera-Wiki. O RB significa Rotating Back, traseira giratória. Como foi dito acima, a principal característica desse modelo em relação aos outros da série é a extensão extra do fole.

Todas as suas características que a fazem uma excelente câmera para retratos permanecem válidas nos dias de hoje. Para quem quiser fazer retratos em 4×5″, ou fotos de ação nesse formato, ela continua sendo uma ótima opção, pois ao longo dos anos esse tipo de fotografia migrou para filmes em rolo em tamanhos menores e nenhum fabricante de grande formato se arriscou por essas praias.

Abaixo a linda capa do catálogo de 1910 que foi muito consultado ao longo deste post e pode ser encontrado no site da Pacific Rim junto com muitos outros catálogos da Graflex e outros fabricantes. Uma outra fonte muito rica é o site graflex.org,  vale muito a pena uma visita.

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