Kolibri, não é coincidência, é um nome que em alemão também refere-se ao pequeno pássaro Colibri, bem conhecido dos brasileiros, com plumagem de reflexos “metalizados” e da mesma família dos Beija-Flor. O curioso é que estas são espécies encontradas nas Américas Central e do Sul, muito longe da Alemanha. Mas com certeza foi a paixão que os alemães sempre tiveram pelas ciências naturais, a qual os levou a viajar o mundo a inventariar todas as espécies de plantas e animais, que fez com que os executivos da Zeiss Ikon tivessem esse nome em mente quando resolveram lançar a pequena Kolibri.
As décadas de 1920 e 1930 foram muito ricas em lançamentos de câmeras fotográficas com conceitos de design muito originais. Foi uma época de experimentação. Desde o início da fotografia as câmeras com fole e do tipo tail board, como a Excelsior, eram praticamente sinônimo de câmera fotográfica. Depois vieram as tipo caixa, como as de detetive, a Klito, por exemplo, que ainda usavam chapas de vidro, ou a famosíssima Kodak Brownie nº2, que lançou o filme em rolo no formato 120. Ainda no conceito de fole, surgiram as tipo drop bed, para chapas ou filmes, ou os dois. A Patent-Etui foi um exemplo nessa categoria e representa um louvável esforço de redução de tamanho mas ainda preservando um conceito antigo.
Surgiram muitos outros tipos, categorias inteiras de câmeras, com seus próprios formatos e recursos para ganhar leveza e reduzir tamanho. Algumas mono-reflex, clap cameras, objetivas gêmeas e foi também na década de 20 que foi lançada a Leica, usando filme perfurado 35mm, originalmente concebido para cinema. No anos 30 foi lançada também outro marco da indústria, a Exakta e sua irmãzinha a Kine Exakta. A crise dos anos 20 e 30 ensejou ainda a redução de custos, tanto na fabricação/aquisição do equipamento, como também no seu uso com filmes e/ou chapas menores que proporcionavam um custo unitário reduzido.
A Kolibri é um exemplo dessa criatividade e reorientação do mercado. Ela foi desenhada para usar filme 127, que é um pouco menor que o 120 como mostra a foto abaixo.
Para se usar a Kolibri e tantas outras câmeras interessantes que empregam o 127, uma alternativa que dá um certo trabalho mas oferece uma variedade maior de emulsões e um custo muito reduzido, é se cortar o filme 120 e rebobinar nas bobinas do 127. Neste link você tem um tutorial sobre como fazer isso.
Tentando-se entender a Kolibri, nessa constelação de novas propostas, ela é algo aparentada às box camera, como a Zeiss Ikon Baby Box Tengor que também usas o 127, por ter um corpo metálico e sem fole. Mas por possuir uma objetiva mais sofisticada que a Baby Box Tengor, a Tessar, utiliza um sistema colapsável que a reduz bastante sua profundidade quando fechada.
Ela pode ficar guardada com a objetiva recolhida e para fotografar basta puxar o tubo e ele dá um click, muito seguro, na posição correta. A partir daí, há um helicoide que permite ajustar o foco.
Nesse formato reduzido a câmera pode ser guardada em um estojo de couro muito elegante. Mas nem o design e nem os recursos algo sofisticados pelo formato, não impediram que logo após seu lançamento em 1931, segundo D.B.Tubbs, ela tenha sido maldosamente apelidada de “Leica dos pobres”, por conta do tamanho reduzido e essa objetiva colapsável que ficou fortemente associada à Leica de Oscar Barnack.
Diferente da Leica, e em certo sentido melhor, ela apresenta um negativo ligeiramente maior, no formato 3 x 4 cm, contra os 2,4 x 3,6 cm habituais do hoje conhecido full frame. Padrão este que começou com a própria Leica usando o filme 35mm.
O obturador é do tipo leaf shutter, montado na própria lente e não no corpo da câmera . A Kolibri utiliza um Compur do tipo rim set, que acabara de ser lançado. O rim set , refere-se ao anel cromado que ajusta as velocidades que vão de 1s até 1/300 s e ofererce ainda B e T.
Na foto abaixo, com duas Patent-Etui, pode-se ver os dois tipos. O antigo à esquerda, com o pequeno disco de ajuste de velocidades no topo da caixa do mecanismo do obturador, e o mais moderno rim set á direita.
Ela também não dispõe de rangefinder e o foco é feito estimando-se a distância entre a câmera e o assunto a fotografar. Isso pode parecer um horror em tempos de auto-focus mas na verdade, mas pelo tamanho do negativo e focal de 50mm, com um pouco de prática, não é tão difícil quanto parece.
A lente não é intercambiável e eram oferecidas duas Tessar, de f/3.5 ou f/4.5 ou a Novar f/4.5, uma lente mais simples com 3 elementos em 3 grupos em vez dos 4 elementos em 3 grupos da Tessar. Todas com 50mm de focal que é exatamente a diagonal do formato 3 x 4 cm.
Não há qualquer dispositivo para se evitar dupla exposição ou exposição alguma. É preciso avançar o filme acompanhando a numeração nas janelas traseiras, armar o obturador e disparar acionando com um cabo (como na página de catálogo que abre este post) ou agindo diretamente sobre a pequena alavanca no obturador. Estas operações são completamente independentes e exigem certa atenção e disciplina.
Mas mesmo com essa “simplicidade” toda, e talvez por conta dela, a Kolibri é uma câmera que dá vontade de usar. É claro que é preciso, como em toda câmera, se adequar o tipo de foto às suas capacidades. Não é uma câmera para retratos com enquadramentos muito críticos e proximidade muito acentuada. Melhor deixar uma certa margem de precaução para não cortar o assunto. A partir de 2 metros de distância fica fácil acertar o foco. Melhor também se preferir uma luz abundante para poder trabalhar com diafragma mais fechado. Enfim, é preciso bom senso e considerar que é uma câmera para snap-shots do dia a dia.
Abaixo, como ela é apresentada em um catálogo da Zeiss Ikon de 1931.
É interessante como na página 21 é dada ênfase à economia proporcionada pelo filme em rolo e sobre a padronização proporcionada pelo formato 127. Isso corrobora a idea de que foi um lançamento para tempos difíceis e de retração do mercado. Também a se observar são os exemplos de fotos feitas com ela, bem dentro do tema férias que desde a popularização da fotografia sempre foi a ocasião de ouro para os fotógrafos amadores.
Não é obviamente uma câmera do tipo “sistema” com uma parafernália de acessórios. Isso nos faz valorizar ainda mais que o básico do básico não fora esquecido. O exemplar que eu tenho veio já no estojo, com lugar especial para guardá-los um filtro amarelo claro, uma lente de aproximação, um pequeno cabo disparador e um pino para sustentar a câmera em pé, para fotos com tempos mais longos e nas quais uma superfície plana e sólida estiver ao alcance.
Abaixo algumas fotos feitas com essa Kolibri.