Klito | Houghton

Klito – Houghton – 1904

Esta câmera pertence a uma categoria conhecida por vários nomes:

  1. Falling Plate: significa “placa que cai”. Esse nome refere-se ao seu sistema de avançar uma placa virgem depois que uma outra já foi exposta. Veja mais abaixo como isso é feito.
  2. Magazine Camera: este nome vem provavelmente do mundo das armas de fogo no qual magazine é a caixa ou acessório que guarda um certo número de balas e que pode também avança-las uma a uma.
  3. Detective Camera: esse nome sugestivo, e que hoje pode parecer estranho por conta do tamanho do aparelho, vem do fato de que essa categoria inaugurou um novo gesto fotográfico sem tripé e sem pano preto. Simplesmente a ausência desses índices de que uma fotografia estava sendo tomada já era suficiente para que na virada para o século XX muitas fotos indiscretas fossem feitas com esse tipo de câmera.
  4. Hand Camera: esse é talvez o nome mais expressivo do verdadeiro marco que estas câmeras representam na história da fotografia, o fato de que pela primeira vez o ato fotográfico perdeu o ritual característico de seus primeiros 50 anos de história. Como foi dito acima, foi com elas que passou a ser possível se fotografar sem tripé, se focalizar por um visor externo à lente e se carregar a câmera com diversas chapas ao mesmo tempo. Ela inaugurou a fotografia instantânea e dessa forma a fotografia que viria a se chamar “fotografia amadora”.

Os filmes em rolo vieram praticamente ao mesmo tempo. Os dois são certamente resultado do desenvolvimento das emulsões fotográficas de gelatina de prata que apareceu no final dos anos 1880.

No artigo sobre a Klito nº3A, inseri uma discussão um pouco mais aprofundada sobre as implicações, a recepção do novo gesto e sobre a firma inglesa Houghton que produziu uma extensa gama de Klitos e que mais tarde virou Ensign, uma marca famosa e importante ao longo do século XX. Aqui irei me focar mais neste modelo em si.

Infelizmente não consegui identificar definitivamente que modelo é esse e sua posição na linha do tempo da Houghton. Qualquer colaboração nesse sentido será bem vinda. Ela foi adquirida na casa de leilões especializada Team Brekker, de Munique. Na descrição do leiloeiro ela é datada como 1904 e referida como “original Klito”. Mas não encontrei nem mesmo uma única foto de um modelo igual em pesquisas na web.

O disfarce em caixa preta

Uma característica dessas câmeras, e que certamente contribui para sua fama de detective camera e suas fotos indiscretas, é que ela esconde a sua função. Quando fechada ela se parece apenas com uma malinha preta como tantas que existiam na época. Isso é devido a essa porta frontal. Mas quando aberta  ela abandona a austeridade exterior e apresenta essa luxuosa combinação de vidros, madeira e latão.

No interior da câmera há uma inscrição onde se lê apenas “Klito”. Isso talvez seja um indicativo de que se trata realmente de um dos primeiros modelos e que os subsequentes sim, é que pediam alguma diferenciação por sufixos tais como 1, 2 3 ou 3A.

Focalização

Estas câmeras possuíam 3 tipos de focalização, além do foco fixo, que existiu nas Magazine Cameras, mas é mais típico das primeiras roll film cameras, como a Kodak Brownie nº2. O mais simples era com lentes tipo meniscus ou no máximo acromáticas e consistia na possibilidade de se deslizar uma lente de aproximação na frente da objetiva principal. O segundo era por um sistema de fole e cremalheira que possibilitava se avançar o painel com a lente. Essa é a opção desta Klito. É possível se ver na foto acima que o painel que suporta a lente está apoiado sobre um trilho de madeira que possibilita que o mesmo seja deslizado para avançar e recuar, como em uma gaveta. Atrás está um pequeno fole que não se vê na foto.

Para focalizar é preciso girar o botão lateral, em detalhe na foto acima, até que a distância avaliada pelo fotógrafo seja selecionada na escala logo acima, em pés. Lembrando que um pé corresponde a 30,5 cm, vemos que ela focaliza até mais ou menos 1,5 metros na marca de maior proximidade.

A simpática cordinha que pende nessa mesma lateral serve para se armar o obturador, discretamente, com a porta frontal fechada. A alavanca na parte de baixo é convenientemente posicionada para se disparar com o polegar direito enquanto a câmera é firmemente mantida nas palmas das mãos que a amparam dos dois lados.

Nesse sistema de focalização a caixa da câmera se constitui em um bloco único. O painel da lente se desloca no interior da caixa da câmera. Mas o sistema que realmente se consagrou e do qual vemos uma quantidade enorme de outros modelos foi um em que a caixa é bipartida e o fole se coloca entre dois blocos. Esse é o caso da Klito nº3A, cujo detalhe é mostrado na foto abaixo. Por essa construção vemos também a cremalheira metálica unindo os dois blocos.

Klito nº3A

Lente e visor

Neste modelo temos uma lente que devia ser top de linha. É uma Beck – Symmetrical, montada no elegante obturador Unicum da Bauch & Lomb. Pelo nome já podemos imaginar que seja um Rapid Rectilinear. São dois grupos de dois elementos, idênticos e posicionados simetricamente em torno da iris. A abertura máxima é f/8, normal para este conceito óptico, e vai até f/45. Como sempre, uma coisa boa dessas câmeras fechadas é que a lente, apesar da idade, ficou protegida e encontra-se em excelente estado.

Os tempos vão de 1s até 1/100 e B e T estão também incluídos. Isso quer dizer, é claro, que a câmera possui também as roscas para tripé nas posições retrato e paisagem. As velocidades não estão acuradas mas eu prefiro não mexer e apenas fazer uma tabela ligando as marcas no obturador às velocidades reais que são então as utilizadas na fotometria. No pistão da esquerda, pode-se instalar uma mangueira com um pera de borracha para se disparar a câmera à distância, pneumaticamente. O pistão da direita é o que produz o atraso no fechamento do obturador.

Os dois visores, permitem um enquadramento fácil em cenas bem iluminadas. Ele é do tipo waist level, que significa que a câmera fica na altura da cintura e você olha o visor a uma certa distância. Eles são grandes e bem melhores que os que normalmente encontramos em câmeras do tipo caixa para filmes de médio formato em rolo. É um visor típico para fotos de paisagens e grupos. Retratos, só mesmo a uma certa distância. Mas com o negativo grande, as ampliações dão larga margem para recortes.

12 placas de uma só vez

Esta é uma câmera para placas de vidro. Ela vem com 12 chassis, que permitem prender bem um vidro não muito mais espesso que 1 mm. Existem alguns poucos fornecedores de placas secas hoje em dia. Um deles é: Pictoriographica, e a boa notícia é que eles cortam sob medida. Esta câmera utiliza um formato pouco usual de 3 ¼ x 4¼”. Mas o ideal é você medir exatamente a sua antes de encomendar.

Outra possibilidade é você aprender a fazer em casa suas próprias placas. Existe muita literatura disponível online, por exemplo, o site The Light Farm. Ainda mais efetivo para um início rápido é o George Eastman Museum, em Rochester, que oferece regularmente workshops ensinando esta técnica. É muito gratificante fazer suas placas mas pode ser um pouco frustrante se iniciar sem orientação de quem já sabe.

 

Outra opção ainda é utilizar chapas de Raio-X. Para isso, uma maneira que já experimentei e deu certo foi cortar chapas de PS (Polystyrene) preto de 1 mm e o filme de Raio-X, exatamente no tamanho. O PS serve para calçar o filme e quando inseridos juntos no chassis eles ficam firmes. A vantagem do filme de Raio-X é que ele pode ser cortado na luz vermelha e custa muito pouco se comparado a filmes fotográficos.

A placa seca tem o charme de ser algo autêntico mas quase que certamente irá pedir o uso de um tripé pois sua sensibilidade é geralmente baixa. O Raio-X tem a desvantagem de sua dupla emulsão tirar um pouco da definição da óptica e seu processamento é muito delicado quando feito manualmente. Bandejas, por exemplo, quase sempre implicam em arranhões na emulsão. Por outro lado, pode ser utilizado como ISO 100, dependendo do revelador empregado.

O avanço

Acima está uma propaganda de uma outra câmera, a Cyclone da Western Mfg. Co., ela é bem mais simples que esta Klito, vemos que tem foco fixo, mas a ilustração serve bem para mostrar o sistema de avanço das placa pois segue o mesmo princípio.

Atuando-se neste botão no topo da câmera, deslizando-o para um lado ou outro, a placa que está na frente tomba e vai formar uma pilha de placas expostas no chão da caixa da câmera. A próxima placa, fica retida para a próxima exposição.

No caso desta Klito os vazados no topo dos chassis são alternados de posição, de modo que com apenas um movimento liberamos uma placa e já prendemos a seguinte. Mas isso implica em que se preste muita atenção na alternância das placas na hora de carregar a câmera. Elas são marcadas com os números 1 e 2 para esse fim. Mas em outras câmeras, creio que mais recentes que esta, incluindo-se novas Klitos, deu-se preferência a não se exigir essa alternância mas em compensação é preciso um movimento duplo para se liberar a exposta e deixar presa a próxima placa.

Para que a nova placa entre em posição há uma grande mola na porta traseira. Da primeira vez que vi esse sistema imaginei que ele estaria muito propenso a problemas mecânicos, simplesmente não parecia que daria muito certo. Mas mesmo nesses exemplares muito antigos e já mostrando oxidação e perda do lustro inicial, tudo funciona muito bem e até agora não tive um único problema para avançar as placas.

No geral eu acho que esse tipo de câmera é uma ótima opção para quem quer fazer fotografia analógica em grande formato. Veja alguns pontos a considerar:

  1. Elas custam muito pouco. A partir de 150 USD, em casas especializadas, já é possível se encontrar exemplares em perfeitas condições de uso. Com sorte é possível se encontrar câmeras desse tipo por preços simbólicos ou até doações.
  2. O tamanho das placas já é suficiente para se imprimir por contato e gerar simpáticas fotografias, fotografias de verdade, para suas memórias.
  3. As ópticas são muito superiores às que normalmente se encontram nas box cameras para filme 120 ou similares, que poderiam rivalizar com elas.
  4. É possível carregar 12 chapas de uma só vez. Ideal para saídas fotográfica sem o volume e peso habituais do grande formato.
  5. Você pode processar cada chapa individualmente e à medida em que faça suas fotos. Para fotógrafos ocasionais isso é bem melhor do que usar filmes em rolo.
  6. É possível se usar filmes de Raio-X que são baratos e tem boa sensibilidade.
  7. O mecanismo todo é muito simples e restauros não são difíceis de realizar.

Por tudo isso, creio que estas câmeras são injustamente desconsideradas pelos entusiastas da fotografia analógica que poderiam ter com alguma delas uma boa companheira para registrar seus momentos. E talvez até, por sua bizarrice, possam voltar ao uso como Detective Cameras, ninguém irá desconfiar.

Abaixo algumas fotos realizadas com esta câmera e placas secas que preparei em casa. Fotometrei como ISO 6, mas isso é muito relativo pois os fotômetros são calibrados para filmes pan-cromáticos enquanto que a receita que usei é muito mais sensível ao UV, ao azul e um pouco do verde. Estes são scans a partir de impressões em papel Foma 112 fibra no formato 15×20 cm.

 

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