Pinhole Camera – Câmera buraco de agulha

Uma imagem feita com luz divergente é uma contradição. Pinhole é uma contradição. Não há foco pois a luz diverge e no entanto há imagem. Em algum lugar entre luminosidade e nitidez a imagem acontece. Quanto maior o furo mais luz passa, porém, mais luz se mistura borrando os contornos dos objetos. Quanto menos luz, mais tempo de exposição para se gravar a imagem, até o ponto em que a própria ideia de imagem se dissolve; torna-se um amontoado cenas fugidias, separadas no tempo, fracas, sobrepostas e incompreensíveis.

Onde a fotografia com lentes consegue quase esconder, a pinhole evidencia o quanto a imagem é um conceito que se forma longe de qualquer coisa que possamos chamar de realidade. Talvez, nesse sentido, por ser quase uma denúncia ou desmascaramento da imagem, os fotógrafos quando usam pinhole encontram nela uma boa oportunidade de tripudiar também com o conceito de máquina fotográfica como instrumento especializado, profissional e científico. Aliam-se por aí com os Lomógrafos, com as Toy Cameras (câmeras de brinquedo) com os gadgets fotográficos (objetos multifunção, entre elas, tirar fotos) e outras formas de desmoralizar a fotografia “séria”.

A primeira foi em uma lata

Câmera pinhole não se compra, se faz. Talvez por minha formação científica eu não consigo entrar muito no espírito que acabei de descrever. As pinholes que fiz tem um certo esmero que não escondem um apreço maior pela imagem.

O furo por onde a luz entra, na fotografia acima, está centrado na altura da lata e no ponto mais à frente da mesma. É preciso olhar bem pois é bem menor que o pingo no “i” de siècle.

A primeira dessas câmeras pois foi feita com uma latinha de Creme Nivea. Sucata em certo sentido. Quando ganhei a latinha reconheci a altura do filme 35mm e logo pensei qual seria o seu destino. Mas a ideia de colar uma tira de filme com fita crepe e sair para apenas uma tomada me parecia algo de baixíssima produtividade. Além do que eu raramente acerto de primeira. Foi assim que decidi moldar com chapas de PVC um circuito interno para armazenar mais filme.

O avanço é feito com uma cremalheira aproveitada de uma câmera de verdade e, para não perder o caráter “camuflagem” em lata de Creme Nivea, é preciso levar no bolso uma pequena chave de fenda para avançar o filme. É preciso girar o parafuso no fundo da lata dando duas voltas e meia.

Obtém-se assim uma foto no formato panorâmico de 24 x 85 mm. Não há eixo para as bobinas. O filme fica solto e enrolado em uma câmara arredondada e a cremalheira o faz passar pelo quadro onde será exposto e depois se enrolar novamente em uma outra câmara menor. Dá para fazer algo como 8 fotos com esse sistema. Mais que isso o filme já começa a resistir muito para se enrolar na segunda câmara.

Para disparar há um rasgo na lateral da lata por onde uma alavanca que mal sai para fora faz uma tampa interna deslizar e descobrir o furo. Pela natureza “camuflada” não faria sentido se colocar uma rosca para tripé. Ficaria algo bizarro se ver uma lata de creme montada onde se esperaria uma câmera fotográfica. Mas sem dúvida ela precisa ser firmemente apoiada em uma superfície para poder realizar as longas exposições que pinhole exige.

Gosto de explorar com pinhole primeiros planos realmente muito próximos pois acho interessante a indiferença com que o furinho trata o que está a 10 cm ou a 10 metros. Nossos olhos/cérebro, acostumados a fotografias com lentes, percebem que há alguma coisa estranha além do embaralhamento local produzido pelos feixes de luz divergentes. É como se a imagem fosse muito boa em profundidade de campo mas ao mesmo tempo não há propriamente foco em lugar algum: fica esquisito. Dá para se perceber que essa foto já é bem antiga pelo design do monitor ao fundo. Ganhei essa latinha como comemoração da chegada do século XXI, construí a câmera e fiz a foto logo em seguida.

A segunda de madeira

Obturador aberto. O furo pode ser visto no centro da chapa metálica. Ele mede ~0,3 mm e dá uma abertura por volta de f/90

Patent Etui com adaptador para filme 120

A outra câmera é a que aparece na abertura deste post. É bem mais recente (ago/2017) e já foi feita quase que inteiramente com partes de câmeras de verdade. Ganhei de um amigo um adaptador para filmes 120 que seria utilizado em câmeras 9 x 12 para filmes em chapas, como esse da Patent Etui da Kamera-Werkstätten – Dresden (ao lado), que já era uma 6 x 9 cm em chapas. Fabricantes de acessórios venderam muitos desses adaptadores. Eu então retirei a parte que seria para entrar no trilho da 9 x 12 cm e fiquei apenas com o adaptador propriamente dito que foi, por sua vez, parafusado no corpo da câmera.

Já tinha também guardado, de uma caixinha de bugigangas que comprei em Bièvres, um obturador alemão da Emil Busch (importante fabricante de lentes) que provavelmente equipava alguma câmera de fole. Então foi só adaptar ao obturador uma chapa metálica com o furinho e prender o conjunto com a flange na frente da câmera.

O tamanho reduzido e o ângulo de visão enorme, 111º (veja cálculo aqui)  proporcionados pelos 35 mm de distância focal em um formato 6 x 9 cm (real 58 x 83 mm) permitem fotos assim como essa abaixo, de dentro de um armário. Eu até planejava colocar uma moldura de arame para fazer enquadramento através da “ocular” que instalei, mas percebi tardiamente que com 111º, por mais que eu encoste o olho na ocular, mal conseguiria ver a borda do quadro. Ficou então apenas a ocular dobrável que veio de uma sucata de câmera da Ica, alemã. É possível direcionar um pouco o centro da foto com ela, quando houver acesso. Não foi o caso da foto de dentro da cristaleira, com certeza.

Na minha casa tem um jogo de café japonês tão bonito, tão bonito, feito com uma porcelana tão fina, mas tão fina, que ele nunca sai da cristaleira. Essa foto mostra o ponto de vista do bule.

A exposição foi de 12 min. O filme foi T-Max100, formato 120, batido como ASA100 e revelado por 16 min em Pyrocat HD, diluição 1+1+100 a 20ºC com agitação a cada 60 s. Acima é um scan de uma ampliação 20 x 30 cm em Ilford fibra fosco. Acho interessante fazer pinhole sem a interferência do grão do filme. Do contrário você mistura dois efeitos de suavização da imagem, quer dizer, fica um pouco confuso o que vem da natureza pinhole e o que vem do grão. Essa combinação de TMax com Pyrocat HD é excelente para esse fim. O difícil é focar no ampliador pois mesmo com lupa você mal vê o grão e a “nitidez” dos contornos também não ajuda muito.

A terceira em impressora 3D

Esta é uma terceira pinhole. Desta vez para filmes em chapas no formato 2¼ x 3¼ polegadas. Formato clássico das Graflex Baby. Depois de ter feito a segunda câmera concluí que raramente iria querer gastar um filme 120 inteiro em uma pinhole. Como recentemente adquiri uma impressora 3D, aí está a opção pinhole em chapas. Fiz uma frente para receber um velho obturador que funciona apenas em modo Time. A traseira foi feita para receber o chassi e conectando as duas partes fiz um tubo quadrado de papelão forrado com material de encadernação. Se quiser alongar ou encurtar a focal e o ângulo de visão, é só trocar este tubo.

Como não faz sentido vidro despolido para pinholes, o projeto fica muito fácil. Basta fazer uma estrutura tipo gaveta para o chassi, film holder, e dar um jeito para que ele possa entrar e travar na posição ao ser empurrado contra o batente da câmera.

Creio que a foto acima seja auto-explicativa de como que essa pressão é feita. Coloquei também no fundo da câmera um soquete para tripé, já que dificilmente farei pinhole na mão. A base da câmera foi pensada plana para que possa também ser colocada em qualquer superfície.

Por precaução fiz uma canaleta para receber tiras de veludo e vedar melhor a luz. Mas o ajuste ficou tão justo que acredito que funcionaria mesmo sem isto. A linhas brancas traçadas no topo da câmera sevem para uma leve orientação do que está no campo horizontal da foto.

Acima, a primeira foto que fiz com ela. O furo foi realizado em uma chapa de alumínio que já era fina e inda foi afinada. Era como dessas de lata de refrigerante. Pela distância focal de ~60 mm sabia que o tamanho ideal do furo seria 0,3 mm. Furei com uma agulha mesmo e fui lixando com lixa d’água, para melhorar o acabamento. Ao mesmo tempo ia conferindo em um microscópio até que o furo ficasse com um formato circular mais ou menos uniforme e no diâmetro certo.

0,3 mm com focal de 60 mm resulta em f/200. A foto acima feita para essa abertura em um Arista100, como ISO100. O negativo, revelado em Parodinal veio com ótimas densidades e foi impresso facilmente em Foma 111 no tamanho 22 x 20 cm.

Como calcular o tempo de exposição em uma pinhole

A primeira questão a resolver é saber qual é a abertura da sua câmera. Isso é fácil na matemática mas pode ser difícil na prática.

A abertura é simplesmente a divisão da distância focal pelo diâmetro da abertura do furo. Se você quiser uma visão mais detalhada sobre abertura ou f stop siga este link: Medindo a abertura f em lentes.

A distância focal é simplesmente aquela que vai do furo até o centro do filme, ou papel onde se formará a imagem.

O diâmetro do furo pode ser mais complicado de se obter a não ser que você esteja produzindo uma pinhole enorme. Aqui vão algumas sugestões:

  1. O ideal é usar um microscópio com escala. Nesse caso será provavelmente necessário que a chapa de metal com o furo seja pequena e removível pois aí você simplesmente lê com muita precisão colocando a chapinha sobre a mesa do microscópio. É muito fácil e preciso. Se você não tem um microscópio pode valer muito a pena procurar alguém,  um laboratório ou uma escola que tenha.
  2. Uma opção menos precisa é usar uma lupa conta fios.

    Consiste em uma lente de aumento montada sobre escalas em um campo quadrado. Você encontra essas lupas conta fios online por preços muito acessíveis. Para medir, simplesmente coloque o furo de sua câmera no campo de visão e por comparação com a escala estime qual é o diâmetro. Essa da foto acima tem um escala de 0,5mm. Com ela deve ser possível se estimar algo de 0,10 até 1,00 mm com certa precisão.
  3. Se você vai fazer pinhole talvez tenha um laboratório fotográfico. Um jeito bom para medir o diâmetro do furo é colocar a chapinha com o furo no porta negativos, junto com alguma coisa com tamanho conhecido, uma boa régua plástica, por exemplo, colocar o ampliador no máximo, focar bem, e medir por comparação o tamanho do furo.

Uma vez que você mediu a distância focal e o furo basta fazer a divisão. Por exemplo, se o seu furo tem 0,4 mm e a distância focal de sua câmera é 200 mm. O seu f-stop é 200 / 0,4 que dá 500. Para quem está acostumado com a familiar escala f 2.8 – 4 – 5.6 – 8 – 11 – 16 – 22. Isso parece estranho, mas é a assim mesmo.

O problema agora é que a maioria dos fotômetros vão até f/64 ou um pouco mais que isso. Em especial os fotômetros das câmeras fotográficas que podem muito bem ser usados, ramente vão além de f/22. Fica então a questão de como calcular o tempo de exposição para uma abertura tão pequena que não aparece nem na escala do seu fotômetro.

Então precisamos prolongar a escala indo além da zona familiar para a “zona pinhole”. A fórmula geradora de f-stops é (√2)n

Veja na tabela acima que depois dos números com os quais você provavelmente já está familiarizado, até f/22, entramos em aberturas muito menores e esta é a região do pinhole. Agora basta lembrar que a cada f-stop que avançamos a necessidade de luz dobra, ou seja, o tempo de exposição dobra.

Por exemplo, olhando a tabela acima, se você mediu a luz com seu fotômetro dedicado, da câmera ou de app de celular e o tempo para f/8 é de 1/2 segundo. Digamos que sua pinhole é f/181 ou algo próximo disso. Para ir de f/8 até f/181 temos que pular 9 linhas. Então o tempo precisa ser multiplicado por 2 x 2 x 2 x 2 x 2 x 2 x 2 x 2 x 2 = 512. Também conhecido por 29 (caso sua calculadora tenha exponencial).

Então o tempo de 1/2 segundo que você leu   (0,5 s ) para f/8, precisa ser multiplicado por 512 e resulta em 256. Sua exposição será, a priori, de 256 segundos ou 4:26 min (4×60 + 26 = 256). Se o tempo fosse 1/250, na usual forma de fração, você precisa fazer a divisão 1 ÷ 250, para obter o tempo em decimais, antes de multiplicar.

Mas por que esse “a priori”? A questão é que existe um efeito de falha de reciprocidade nos filmes que faz com que tempos longos, geralmente acima de 1 segundo, precisem de uma compensação, precisam de mais tempo do que o indicado pelo fotômetro.

Para levar em consideração esse efeito você pode consultar a documentação do filme que estiver utilizando. Os fabricantes normalmente publicam um gráfico com a relação tempo teórico e tempo real. Mas fácil que isso, eu tenho utilizado, com bons resultados, o website do fotógrafo Denis Oliver, especialista em fotografia de longa exposição. O uso é bem intuitivo, você informa filme, tempo medido, abertura e ele diz o tempo que você deve usar. Até para sensores digitais você encontrará recomendações.

O que é razoável em fotografia pinhole

Mesmo que você tenha algum meio de fazer furos extremamente pequenos ou usar filmes extremamente grandes com distâncias focais enormes, tenha em mente que a demanda de tempo e processamento irá crescer exponencialmente caso você exagere em qualquer uma dessas direções. Evite ir além de f/150 ou f/200.

Furos entre 0,2 e 1,0 mm para formatos de filmes de 35mm até 8×10″ irão pedir tempos ainda razoáveis para se trabalhar e processamento seguindo os padrões do filme. Pelo menos no início de suas experiências ficar nessa região irá evitar frustrações. Outro ponto é que não recomendo usar filmes vencidos, papéis velhos ou processos de UV e placas secas. Esses materiais acrescentam um lado fora de controle pois o envelhecimento ou sensibilizadores caseiros não seguem um padrão. Será muito difícil depois saber o que é que fez dar errado.

Por enquanto são essas minhas experiências com pinhole. Gosto muito de lentes mas, conforme o assunto, não deixa de ser interessante fotografar também com a luz não domesticada por nenhuma óptica.

 

3 CommentsLeave a comment

  • Coukld you tel-me how do I balance the measure of the light? How Do I use a phometer for a Pinhole?

    • Hi Elisa, thanks for your question. That was really missing in my original post. I added a last section discussing how to evaluate exposure for a pinhole camera using a lightmeter. You will notice that if you take it too seriously, it can be a complicated thing. But I hope that the considerations will give some orientation for those willing to experiment or improve their pinhole photography by having more control.

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