Graphoscope e as carte de visite

Graphoscope é o nome desse aparelho que torna a experiência de visualizar fotografias mais imersiva e interessante. Aproximando-se bem os olhos da enorme lente de aumento que fica no alto do painel frontal, uma fotografia, mesmo de tamanho bem modesto, enche o nosso campo visual e podemos distinguir muito mais detalhes do que olhando-a diretamente. É uma experiência um pouco indescritível por conta da provavelmente baixa expectativa e do encantador efeito que esse simples recurso produz. É como se penetrássemos no âmbito da imagem.

O Graphoscope foi o acessório ideal para acompanhar a multiplicação de retratos que eram trocados entre parentes e amigos. A partir dos anos 1860 houve uma febre por esses pequenos retratos chamados carte de visite.  Eram realizados em estúdios profissionais e comprados em tiragens que podiam chegar a muitas dezenas  conforme a popularidade e orçamento do retratado. O daguerreótipo, sendo peça única, não se prestaria a esse fim. O processo de Talbot, por utilizar papel como negativo, não produzia detalhes suficientes para cópias tão pequenas pois a textura do papel se sobrepunha a eles. Foi a introdução do negativo de vidro com processos como o colódio e impressão com albúmen que fizeram desse novo produto da fotografia um enorme sucesso.

As carte de visite eram fotografias montadas sobre um suporte mais robusto em cartão. A albumina utiliza normalmente um papel muito fino e tem um acabamento brilhante em tons castanhos que fica muito bem apresentada nesse tipo de montagem. Os cartões são decorados com ornamentos e decalques metalizados que normalmente trazem a marca do fotógrafo e seu estúdio.

Na Cassel’s Cyclopaedia of Photography de 1911 temos o verbete acima. Nele vemos as dimensões oficiais da carte de visite:

  1. Cartão suporte:  4 1/8  x  2 1/2″ (104 x 64 mm)
  2. Fotografia para carte de visite Nº1:  3 5/8  x  2 3/8″ (92 x 60 mm)
  3. Fotografia para carte de visite Nº2:  3 1/2  x  2 1/4″ (89 x 57 mm)

O verbete comenta ainda que na Inglaterra o auge de sua popularidade foi nos anos 1860. Atribui sua criação a um capricho do Duque de Parma que em 1857 colou seus retratos em seus cartões de visita no lugar do seu nome. O primeiro fotógrafo a produzir o tal formato foi Ferrier, de Nice, França, mas sua popularidade só veio quando André Adolphe Eugène Disdéri, de Paris, fotógrafo oficial da corte de Napoleão III, também adotou o formato. Li na Wikipedia que Desdéri chegou mesmo a patentear a carte de visite e que inventou uma câmera com múltiplas objetivas para poder realizar uma matriz (um negativo) capaz de imprimir várias cópias em um único contato.

Acima a carte de visite que Desdéri fez com o próprio Napoleão III. Está um pouco apagado mas podemos ver o nome do fotógrafo no lado esquerdo e na direita a palavra “Déposé”, que significa que a propriedade intelectual deste tipo de fotografia foi requerida legalmente pelo autor. O original deste exemplar encontra-se na Foto Biblioteca da Suiça.

As carte de visite foram uma febre. Colecioná-las e observá-las em um graphoscope era um passatempo delicioso entre amigos. Os retratos podiam ser singelos, apenas para registro das feições do retratado, mas também muitas produções criando personagens podem ser encontradas.  Os fundos são neutros, escuros ou claros, bordas em degradée, mas podem também mostrar cenários campestres, interiores sofisticados ou de arquitetura que o fotógrafo arranjava em seu estúdio. Geralmente utilizava um fundo pintado e alguns objetos de primeiro plano.

Como imagem, as carte de visite não surgiram do nada. Acima está uma vitrine do Museu Nacional de Varsóvia com retratos em miniatura do século XVIII. Havia uma categoria especial de pintores, ditos miniaturistas, que tinham o domínio de realizar esses retratos com muita verossimilhança e ricos em detalhes, mesmo em tamanhos tão reduzidos. As dimensões eram muito próximas das futuras carte de visite. A miniatura era muito usada por famílias endinheiradas, tanto nobres como burgueses, para memória e para dar a conhecer, à alguém distante, as feições do retratado ou retratada. Quando casamentos eram arranjados, muitas vezes à distância, esta necessidade por vezes tornava-se muito premente para os envolvidos.

Com esse precedente, não foi preciso o daguerreótipo se desculpar por seu tamanho igualmente reduzido. O retrato acima, de 1848, tem apenas 7,0 x 8,2 cm. Além da necessidade de conservação, o simpático estojo no qual eram montados com ornamentos metalizados, sem dúvida remete às moldurinhas das miniaturas como vemos na foto mais acima.

A carte de visite veio na mesma linhagem mas para um público bem maior. Guardaram o tamanho pequeno, a ideia de um segundo suporte que criava uma borda para simular um efeito mínimo de moldura e ainda um resquício dos ornamentos no logotipo do fotógrafo, metalizado e em baixo relevo.

Cerca de 20 anos mais tarde, foi a vez de um formato maior com o cartão medindo, ainda segundo a Cassel’s,  6 5/8  x 4 1/4″ ( 168 x 108 mm) e três opções para o tamanho da foto em si:

  1. Nº1    5 1/2  x  4″ (138 x 102 mm)
  2. Nº2   5 3/4  x  4″ (146 x 102 mm)
  3. Special 6  x  4 1/4″ (152 x 108 mm)

Este era o formato conhecido por carte cabinet. Mas na literatura os dois são normalmente referidos apenas como carte para a carte de visite e cabinet para a carte cabinet. Os retratos cabinet eram ainda realizados principalmente em albúmem, mas começaram a dividir a cena com os primeiros papéis em gelatina de prata. Outra característica desse novo formato é que o verso começou a ser mais utilizado trazendo informações como espaço para dedicatórias além do nome do fotógrafo e os habituais ornamentos.

Para quem quiser se aprofundar no assunto existe um livro chamado The Studios of Europe, de 1882, no qual o autor, H. Baden Pritchard, nomeia e descreve as práticas dos principais estúdios nas capitais européias. Ele comenta extensamente os formatos que estavam na moda e até preços cobrados pelos originais e cópias subsequentes.

Este é um exemplo que mostra 15 exemplares como sendo uma tiragem aparentemente normal. A escolha entre com ou sem vinheta, o efeito de eliminar gradativamente o fundo, como na carte de visite do fotógrafo H. Becker da Antuérpia, reproduzida acima, era uma escolha previamente arranjada entre o fotógrafo e seu cliente pois constava já na tabela de preços. O livro inclui ainda detalhadas descrições dos estúdios e alguns equipamentos como fundos e tipo de iluminação. Enfim, é muito rico como fonte sobre a prática do retrato profissional naqueles tempos.

Acima, no graphoscope, um retrato de corpo inteiro no formato cabinet special.  É impressionante a permanência e a qualidade que centenas de milhares destas fotografias mantém até hoje. Principalmente se consideramos que eram comerciais, feitos por estúdios muitas vezes pequenos e sem pretensões museológicas.

Grande parte dos graphoscopes possibilitavam igualmente a observação de cartões e fotografias em três dimensões. Colecionar imagens tridimensionais foi outra prática que ganhou força com as placas de vidro, já nos anos 1860, e se prolongou até a metade do século XX, principalmente monumentos, arquitetura e pontos turísticos, mas também natureza, como paisagens e animais, etnográficas apresentando povos e culturas fora do eixo europeu e ainda as eróticas que hoje animam os leilões de fotografias antigas comandando altos preços.  Se é difícil descrever o efeito que causam as carte de visite ou cabinet quando vistas através da lente de aumento, no caso das estereografias, outro nome para as fotos a três dimensões, realmente só vendo para se sentir o impacto que pode causar um recurso tão banal que se resume apenas a mostrar duas fotos ao mesmo tempo.

Quando fechado o graphoscope assume a forma de uma pequena caixa e pode ser facilmente guardado em uma estante ou gaveta. Este é um modelo simples mas existem alguns que com o mesmo princípio apresentam um trabalho muito refinado de marchetaria,  gravações douradas ou incrustações de madrepérola.

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