Esta é uma câmera fotográfica para 12 placas de vidro no formato 3¼ x 4¼, o que corresponde aproximadamente a 82 x 108 mm, chamada de “quarto de placa”. É da categoria das magazine cameras e foi muito popular logo no início do século XX. Foi uma espécie de híbrida entre as view cameras e as câmeras portáteis. Representou assim uma transição. Mantinham a placa de vidro, como nas view cameras, mas eram câmeras para se usar nas mãos, sem tripé e sem pano preto. O foco era feito por distância e o enquadramento por dois visores, um para a posição retrato e outro paisagem. Externamente ela lembra muito as box camera que já utilizavam os primeiros filmes em rolo, como a Kodak nº2, mas pertence ainda à geração das placas de vidro.
Na página sobre a Klito nº3 A, outra magazine camera, eu coloquei uma discussão sobre esse novo conceito em fotografia comentando o seu impacto e recepção. Tenho ainda uma outra Klito e na sua página o foco vai mais nas suas funcionalidades e na praticidade de se usar uma câmera dessas no dias de hoje fazendo-se placas secas, isto é, sensibilizando placas de vidro com uma camada de gelatina de prata.
Falando aqui sobre essa Midg nº2 eu irei deixar de lado o que é comum a todas as magazine câmeras e que já foi abordado nos outros artigos para focar mais nas características desta câmera em especial e no uso de filmes de Raio-X para fotografar com elas. Elas são muito viáveis e interessantes para fotografia analógica em nossos dias mas raramente eu vejo alguém usando esse tipo de câmera.
Uma recomendação a mais é que você leia o artigo que escrevi sobre as Fadas de Cottingley. Quando fui pesquisar sobre este modelo da Butcher, descobri que se trata de uma câmera famosa. Pois em 1917 duas meninas na Inglaterra fotografaram fadas e elfos com uma dessas. A história é interessante e me motivou a contá-la e a escrever essa reflexão sobre a questão da autenticidade em fotografia. As câmeras, fotos e outras memórias dos misteriosos acontecimentos de Cottingley são hoje atrações no Science Museum em Londres.
Midg que fotografou as
fadas de Cottingley
Science Museum London
Sobre firma Butcher, ela existia desde 1866 e vendia lanternas mágicas. Possuía pouca fabricação própria e era mais um importador trazendo equipamentos da Alemanha que vendia com marca própria. Em 1902 tornou-se W. Butcher & Sons e entrou firme no negócio de câmeras fotográficas. A linha era extensa e compreendia equipamentos para cinematografia, laboratório fotográfico, projetores e ainda brinquedos. Em 1915 uniu-se à Houghtons Ltd, fabricante das Klito, para formarem a joint venture Houghton-Butcher Manufacturing Co Ltd e compartilharem as instalações. Em 1926 as duas fundiram-se e formaram a Ensign ainda no setor da fotografia.
Mais informações, especialmente sobre a linha de câmeras comercializadas pela Butcher, na Camera-Wiki.
Qual Midg?
Pesquisando sobre a câmera é fácil perceber que havia uma certa promiscuidade no emprego de peças e partes nos vários modelos, até mesmo entre diferentes fabricantes. Fica complicado dizer o que é exatamente característico da Midg nº2. O modelo vem escrito na alça. Mas não corresponde ao que é descrito na Camera-Wiki, por exemplo. Este exemplar foi comprado na casa de leilões Team Breker, de Colônia na Alemanha, e foi por eles datada como 1902.
A lente utilizada é uma acromática, a antiga lente para paisagens do tipo IV na ilustração abaixo. Eu cheguei a perder as primeiras fotos que fiz com ela pois a objetiva estava invertida. Creio que em algum ponto de sua história alguém a limpou e deve ter intuitivamente colocado a face convexa para fora. Mas era bem o contrário com esse tipo de objetiva. O diafragma fica na frente da lente e a luz incide na face côncava e sai pela convexa.O diagrama do livro de Etienne Wallon
O obturador é bem simples e isso garante a sua longevidade se ninguém abusar dele. Possui uma única velocidade representada por I, Instantaneous, ou T para Timed. Nessa posição o obturador fica aberto enquanto se mantiver a alavanca abaixada. É possível também se engatar a alavanca presa na posição aberta no caso de exposições muito longas.
Para garantir sempre a mesma velocidade, o obturador não se abre no momento em que a janela passa em frente da lente pela primeira vez quando a atuação do fotógrafo pode ser mais lenta ou mais rápida. A janela é arrastada junto com uma tampa e no momento em que é liberada ela volta, sem a tampa, apenas sob ação da mola. Ao voltarmos a alavanca para sua posição a tampa também volta para uma nova exposição.
Eu medi a velocidade do obturador usando um foto diodo e um osciloscópio. Esta é a imagem no osciloscópio. Como cada divisão corresponde a 10 ms, milésimos de segundos, eu avalio que entre o início da subida e o início da queda de tensão no diodo passaram-se 20 ms. Isso corresponde a 1/50 s. É o suficiente para se fazer fotos sem tripé com alguma segurança e para fixar objetos que não se movam muito rápido. Pode parecer muito limitante, mas para fotos externas, 1/50s é um ótimo meio termo. O diafragma de íris dá conta de garantir uma certa flexibilidade.
Não há nenhuma proteção contra dupla exposição. Para avançar para a próxima placa basta atuar na alavanca no topo da câmera, lado direito na foto acima, e prestar bem atenção no número da foto no visor da esquerda. Minha prática tem sido sempre avançar após cada foto. Embora com os obturadores mais sofisticados eu não goste de deixá-los armados sem saber quando irei fazer a foto, com esse obturador isso não é problema pois ele não se arma com o avanço da placa. Na verdade é do tipo everset, que se arma quando acionamos o disparador.
O diafragma é do tipo íris e oferece as aberturas já na escala padrão indo de f/8 até f/32. Na foto acima vemos um ajuste de distâncias. Embora a lente tipo acromática fique fixa, ao escolher 3, 6 ou 9 pés, usando-se a alavanca Magnifiers, o que acontece é que uma lente de aproximação entra na frente da objetiva e faz uma “pré-convergência” dos raios de luz trazendo o foco para essas distâncias mais próximas. Veja o que faz uma lente fotográfica e entenda como que as lentes focalizam, clicando nesses links.
O sistema de avanço das placas é o padrão das magazine cameras. Elas ficam retidas no topo por “dentes” ligados ao sistema de avanço e embaixo só podem cair se girarem para frente. Isso acontece quando acionamos a alavanca no topo do corpo da câmera e a placa cai. Daí também o nome usual para essas câmeras como falling plate. Uma pressão constante exercida pela mola mantém as coisas em seus lugares.
Desenho explicativo do sistema falling plate
Com esta Midg eu quis realmente experimentar fotografar sem tripé, seguindo o conceito original da câmera. Para isso eu não poderia usar as placas de vidro que tenho feito pois estou chegando a ISO 3 ou não muito mais que isso. A opção então foi o filme de Raio-X. Usei o Fuji HR-U. Poderia ter usado filme comum, cortando de um 9x12cm. Mas fazer esse corte em escuridão total não é muito prático. Optei então pelo Raio-X para poder cortar e montar nos chassis usando a luz de segurança vermelha. Já tive problemas com luz de segurança de LEDs RGB vermelhos e filme de Raio-X. Mas diminuindo-se a intensidade e acrescentando uma fita adesiva vermelha usada em indústria gráfica e silk-screen, não tive mais problemas.
O chassi precisa de uma adaptação para ser usado com filmes. Como ele é feito para placas de vidro de 1 mm, ou pouco mais de espessura, o filme ficaria solto dentro dele. Para evitar esse problema eu cortei placas de PP (polipropileno) preto de 1 mm e elas servem de calço para que o filme fique na posição que ficaria a superfície emulsionada do vidro e ainda mais justas dentro dos trilhos do chassi. Para completar, colei dois freios, visíveis na foto acima, que evitam que o filme escorregue para fora do lugar.
Eu tenho obtido bons resultados com filmes de Raio-X. Eles tem essa característica cor azulada mas isso não atrapalha para se imprimir em papel multi contraste. Eu os utilizo como ISO 100. O revelador é o Parodinal caseiro na diluição 1:50, revelo a 20ºC por 13 minutos. Outra opção é o Pyrocat HD 1:1:100, nesse caso revelo a 20ºC por 15 min. O Pyrocat HD tende a dar um D-Max mais fraco.
Uma coisa importante para se ter em mente é que a maioria dos filmes de Raio-X tem emulsão dos dois lados. Apenas um fica realmente com a imagem. O outro é uma coisa mais pálida e menos definida. Fica até bonito. Mas isso o torna muito fácil de riscar e apresentar defeitos se revelado em banheiras. Por isso eu tenho revelado sempre com colgaduras. Colgaduras não são muito fáceis de achar mas quando aparecem são baratas pois quase ninguém mais usa. Se for importar, procure por film hanger.
Existem colgaduras ou film hangers para todos os formatos de filmes em chapas. O que é mais difícil são os tanques. Quando são encontrados em geral são enormes para os padrões de hoje. A solução mais simples é fazer tanques sob medida com chapas de PVC. Esse da foto acima me permite revelar duas chapas de até 4×5 polegadas com 400 ml de revelador. Ele é formado por apenas 3 pedaços de PVC, sendo um deles dobrado em U e são soldados nas emendas com solda própria e um soprador térmico.
Abaixo algumas fotos que fiz com a Midg Nº2. Eu fiquei mais para surpreso com a qualidade. É certo que com 1/50s pude usar aberturas como f/11 a f/22. É uma óptica limitada e a câmera em si está longe de ser de precisão. Mas, para alguns instantâneos sem muito compromisso, é uma câmera muito agradável de se usar.