A fotografia mais antiga que se conhece
Embora não haja dúvidas que o daguerreótipo, anunciado ao mundo em 1839, foi o primeiro processo fotográfico comercialmente bem-sucedido, aceita-se que a imagem acima é a fotografia mais antiga que temos hoje. Essa é a vista de uma janela conhecida como Gras à Saint-Loup de Varennes de Nicéphore Niépce – 1827. Hoje, está na Universidade de Austin – Texas – EUA. A imagem à esquerda é a aparência real da placa, à direita é uma renderização dessa imagem destinada a uma leitura fácil, sem reflexão metálica e muito mais contraste.
O Museu Nicéphore Niépce, em Shalon sur Saône, 4/5 horas de carro ou trem à sudeste de Paris, dá uma visão completa dos últimos passos que levaram à invenção da fotografia. Nicéphore é até hoje constantemente apresentado como injustamente relegado a um papel menor na descoberta da fotografia, enquanto nomes como Daguerre, Talbot, Herschel ou Wedgwood são considerados os verdadeiros inovadores. Essa é uma reivindicação antiga. Em 1867, o principal biógrafo de Niépce, Victor Fouque, publicou La vérité sur l’invention de la photographie, Nicéphore Niépce, sa vie ses essais, ses travaux (A verdade sobre a invenção da fotografia, Nicéphore Niépce, sua vida, seus experimentos, suas obras). O título transmite abertamente esse ar de denúncia, de algum mal ou conspiração contra Nicéphore e é de fato nessa linha que o autor desenvolve seu argumento.
Visitando o museu, entendemos muito bem a contribuição de Nicéphore e fica claro que ela foi de fato fundamental. Mas isso não diminui a parte de Daguerre nem o torna culpado por sua insistência em nomear o novo processo com seu nome apenas, o daguerreótipo. Mais do que isso, os percurso da visita nos convida a pensar o advento da fotografia de uma perspectiva muito ampla ao invés de disputas entre seus fundadores. Essas motivações pessoais e idiossincrasias são melhor vistas como movimentos de superfície sobre mudanças sociais profundas que ocorriam na sociedade. Felizmente, os curadores tiveram essa visão em mente ao configurar o conceito do museu.
O museu
Localizado no coração de Chalon sur Saône, cidade onde Nicéphore nasceu, faz frente para o rio Saône, em um local muito bonito, com uma ilha bem à sua frente. Lá, vemos um pequeno jardim com uma íris fotográfica e Niépce escrito com flores.
A primeira sala, fotografia e suas formas
A primeira sala mostra a fotografia de muitas perspectivas diferentes. Como podemos ler no site do museu: “A ambição do museu Nicéphore Niépce é explicar os conceitos básicos de fotografia, da invenção por Niépce até a imagem digital de hoje”. Esse objetivo é perseguido ligando equipamentos, história, imagens e atores-chave na indústria fotográfica: público, fotógrafos, fabricantes, imprensa, indústria do entretenimento, etc.
A primeira peça é uma grande câmera de estúdio. Demonstra o princípio de formação da imagem que pode ser inspecionado no vidro despolido. O círculo na parede de trás também é uma imagem formada por uma lente voltada para uma praça em um dos lados do museu.
Aqui está uma cópia da primeira câmera fotográfica projetada para retratos usando a lente Petzval desenhada logo após a invenção da fotografia e com abertura aproximada f4. As originais foram construídas por Voigtlander em Viena. Apenas algumas sobreviveram até nossos dias.
A complexidade da criação de imagens no sentido de: o que é afinal semelhança? Ou, o que seria uma verdadeira simulação de uma experiência visual? É abordada quando vemos tentativas de se obter, por exemplo, imagens tridimensionais. A máquina acima era capaz de girar em torno do assunto e tirar fotos de diferentes ângulos. Essas fotos eram posteriormente montadas em um único suporte plano e uma camada de micro prismas permitia que apenas uma imagem de cada vez fosse vista, de acordo com o ângulo de visão, dando a impressão de que o espectador estava caminhando em torno de um objeto real. O efeito é divertido, mas não convincente. Isso foi usado mais tarde para lembrancinhas e outras bugigangas.
A paisagem na fotografia panorâmica era outra maravilha, pois se podia navegar pelos detalhes e abraçar um ângulo de visão maior do que o olho humano pode normalmente abarcar. O equipamento desenvolvido para o efeito era normalmente baseado em uma lente rotativa e amostras de câmeras são exibidas na vitrine.
A relação da fotografia com o cinema é lembrada através da imprensa especializada que surgiu após a primeira Guerra Mundial e contribuiu tremendamente na criação de novos padrões de estética e comportamento tornando-se um verdadeiro repositório mitológico da nossa era.
Ícones da indústria fotográfica, como Rolleiflexes e Leicas, que não poderiam faltar, são exibidos em vitrines próprias.
O papel dos fabricantes de filmes em abastecer o desejo das massas de gravar suas memórias também é abordado neste painel, com uma imagem de um balcão de laboratório fotográfico, publicidade em revistas, além de painéis Kodak e Agfa utilizados para indicar pontos de venda. A explosão do consumo da fotografia não pode ser vista como apenas uma indústria satisfazendo uma demanda por imagens. Foi com certeza um movimento complexo envolvendo muitos aspectos diferentes da tecnologia, estruturas de varejo, de propaganda e a formação de uma cultura orientada às imagens como forma de enxergar a si própria. Nossa era digital provavelmente ainda é um desenrolar dessa transformação seminal.
Em suma, estes são apenas alguns destaques e esta sala de entrada funciona como um estímulo à reflexão. É claro que não pretende oferecer uma visão analítica do que a fotografia significou para nossa cultura, mas abre várias portas e dá várias pistas para nos aprofundarmos.
Joseph Nicéphore Niépce
Depois dessa introdução, subindo ao primeiro andar, descobrimos como tudo começou. Mas antes de qualquer detalhe sobre a contribuição de Nicéphore Niépce para a criação da fotografia, é importante nos determos um pouco sobre a sua vida. Ele nasceu de uma família rica e de origem burguesa, mas tendo já alguns privilégios que somente uma família nobre normalmente teria. Seu pai era advogado do tribunal, conselheiro do rei e encarregado de assuntos de governo em Chalon-sur-Saône. O que atesta na prática que possuíam algum status nobre é o fato de que a família teve que se dispersar e se esconder durante a Revolução Francesa. O próprio Nicéphore escolheu uma carreira militar no exército – isso foi logo após a morte de seu pai em 1792 (ele tinha 27 anos). Seu irmão, Claude, fez o mesmo na marinha. Foi parte de uma estratégia para distrair a atenção das conexões aristocráticas da família. Mas nem ele nem seu irmão tinham qualquer vocação militar e ambos abandonaram a carreira quando as coisas esfriaram. Ambos voltaram a Chalon para viver na confortável casa onde nasceram. A revolução levou uma grande parte da fortuna da família, mas o que restou ainda era suficiente para continuar vivendo uma boa vida como parte da élite chalonaise.
Nicéphore e Claude receberam uma educação de alto nível no seminário Peres de la Congregation de l’Oratoire e tiveram até mesmo um tutor privado como complemento. Esta educação sólida foi com certeza importante para que os irmãos se decidissem formar uma parceria dedicada a invenções e novas tecnologias. O clima era muito favorável. A mentalidade do Iluminismo era toda sobre ciência, pesquisa, novas máquinas e descobertas como meios para chegar ao bem-estar geral na sociedade, longe da tutela da aristocracia e da igreja. Os dois irmãos se lançaram em alguns projetos e, entre eles, o mais famoso e admirável, foi um motor de combustão interna que chegou a impulsionar barcos experimentais em Bercy – Paris, no rio Sena. O projeto foi elogiado, visto como muito promissor e obteve uma patente por um decreto napoleónico, mas … eles nunca conseguiram ganhar dinheiro com isso. Claude mudou-se para Londres para vendê-lo – motivado pelo fato de que ali a revolução industrial estava acelerada e novas máquinas normalmente atraiam muito interesse. Mas nem mesmo com investidores ingleses foi possível iniciar qualquer negócio com o Pyreolophore – nome que deram a sua invenção.
A longa estadia de Claude em Londres (1817 a 1828) significou nova queda nas condições financeiras da família. Em 1827, Nicéphéore também decidiu ir a Londres onde encontrou seu irmão muito doente e soube que nunca houve progresso algum com o projeto Pyreolophore. Claude morreu em 1828.
Um segundo propósito na viagem de Nicéphore a Londres foi relacionado a suas experiências com o que mais tarde seria chamado fotografia. Depois de alguns sucessos em sensibilizar com betume placas metálicas para impressão por contato utilizando a luz solar, Nicéphore pretendia submeter seus resultados à Royal Society of London. Lá ele conheceu Francis Bauer, que era secretário da Sociedade, explicou-lhe o que havia feito, o que pretendia e foi solicitado a escrever um relatório. Lendo seu relatório (Fouquet p.149) Vemos que sua abordagem não era muito vendedora. Primeiro, ele passa por todas as deficiências de sua técnica, todos os problemas ainda não resolvidos, suas incertezas sobre materiais ainda não testados, faz segredo sobre os procedimentos que utiliza, e então declara que não queria dar nenhuma vantagem à Inglaterra em detrimento de qualquer outro país e que ele estava lá apenas para obter a opinião dessa instituição de prestígio e salvaguardar por uma apresentação pública o reconhecimento da sua prioridade na descoberta. Bem, não é de admirar, ele não conseguiu ser aceito para apresentar sua invenção em nenhuma das reuniões da Royal Society. Ele trouxe amostras de suas fotografias, feitas em placas de metal, causou admiração em seus interlocutores, mas sigilo demais sobre o processo e a falta de uma proposta clara, provavelmente não criaram a reação desejada.
O que é interessante nesta breve recapitulação sobre alguns fatos da vida de Nicéphore Niépce, é destacar como ele encarnava todas as ambiguidades de seu tempo. Ele, como burguês, definiu-se como um empreendedor destinado a ganhar dinheiro. Porém, uma vida de negócios era algo que ele realmente não poderia suportar, isso seria muito mundano para alguém refinado e cultivado como ele era. A carreira militar, a mais enraizada de todas as vocações aristocráticas, também não era o seu talento. Tornar-se um diletante vivendo no isolamento foi então sua escolha. Isso iria mantê-lo longe das universidades, longe da corte e longe dos centros de negócios, longe de todos os tipos de ambientes competitivos, bem de acordo com sua aversão à vida social. Sua escolha era para uma busca solitária, semi-científica, de novas tecnologias, que nunca seriam desenvolvidas completamente – a essa busca ele dedicou sua vida. Descobrimos em Nicéphore Niépce, muito mais um homem do Romantismo que do Iluminismo.
Chambre de la Découverte – Câmera da descoberta
Logo que subimos ao primeiro andar do museu, encontramos uma sala dedicada exclusivamente às obras de Niépce. Ele se sentiu atraído pelo asunto das imagens quando aprendeu sobre a litografia. O processo havia sido recentemente inventado e em 1810 o primeiro tratado sobre o tema foi publicado em Stuttgart. Isso provocou uma rápida disseminação por toda a Europa. Georges Potonniée, em sua Histoire de la Découverte de la Photographie (p.84) dá um certo ar de modismo elegante à novidade: “em 1813, as pessoas cultivadas estavam fazendo litografias, Niépce, como as outras. E essa descoberta, que ele viu como maravilhosa, causou-lhe uma profunda impressão”. Interessado como ele era sobre processos industriais, Niépce estabeleceu o problema de chegar a um desenho feito espontaneamente por “forças naturais”. Esse foi o motor e a primeira concepção de seu projeto.
Um sucesso preliminar foi alcançado utilizando um revestimento de betume da Judéia como uma superfície sensível à luz sobre uma placa de metal. Os artistas costumavam cobrir placas de cobre com betume e a seguir raspavam-nas com um instrumento afiado expondo o metal. Em seguida, eles usavam um ácido que comia o metal e gravava o desenho. O último passo era a remoção do betume, aplicação de tinta de impressão sobre placa, a qual se acumulava nos sulcos corroídos pelo ácido, e estampagem final sobre papel, reproduzindo dessa forma o desenho. A ideia de Niépce foi modificar este processo observando que o betume torna-se menos solúvel após a ação da luz. Em vez de arranhar, ele colocou gravuras impressas em papel sobre o revestimento de betume e os expos à luz solar. O papel branco era tornado transparente através da aplicação de ceras e óleos. A parte impressa funcionava como uma barreira para a luz. Em seguida, ele lavou as partes não expostas que ainda eram solúveis e o betume permanecia como o desenho gravado pela luz. O resto do processo consistia em aplicar o ácido, que iria corroer as partes escuras, não expostas do desenho original, e usar a placa metálica como matriz para impressão de gravuras. Ele chamou esse processo de Heliografia.
À esquerda, vemos uma amostra bem preservada dessa fase, exposta no Museu Nicéphore Niépce. Isso é de 1826, feito sobre uma placa de estanho, e representa o Cardeal Georges d’Amboise. A de cima é a gravura em papel feito transparente e retroiluminado, no meio temos a placa de metal e na parte inferior uma impressão final. Niépce enviou a placa para ser impressa em Paris pelo renomado gravador Lemaître. Este precisou reforçar os sulcos pois a ação do ácido apenas não fora suficiente para retenção da tinta de impressão.
Se Niépce fosse um empresário de fato, querendo fazer dinheiro, teria percebido a excelente oportunidade que a reprodução foto-mecânica de imagens representava para um novo negócio. Ele teria então lançado no mercado o que já havia conseguido em 1826. Mas a luz filtrada por um desenho feito à mão não era a luz que ele tinha em mente. Então ele seguiu sem trégua para o próximo passo, que seria sobre como gravar a imagem da câmera escura.
Acima, uma das câmeras escuras usadas por Niépce. Ele esperava uma espécie de efeito de impressão direta (não havia o conceito de revelador para uma imagem latente) e então perfurava dois buracos, normalmente fechados com rolhas, para permitir uma observação em tempo real do desenvolvimento da imagem. Ele usou uma lente de tipo Wollaston que era um simples menisco oferecendo f11 ou f16, o que significa uma imagem muito escura. Seu primeiro sucesso, ainda existente, na captura de uma imagem com uma câmera escura é a imagem que abre este artigo, a fotografia data de 1827 e exigiu uma exposição de 12 horas. Niépce sabia que esse tempo de exposição não era praticável e então decidiu pesquisar outras substâncias sensíveis à luz para substituir o betume. O problema não era sobre como obter uma imagem, mas como fixa-la, como remover as partes que não eram expostas. As amostras com outras substâncias sensíveis já conhecidas, como os sais de prata, mostravam algo quando removidas da câmera, mas as sombras continuavam a escurecer devido à ação da luz ambiente.
Na verdade, a invenção da fotografia foi muito a invenção de meios para fixar a imagem fotográfica. O princípio de usar uma imagem formada por uma lente e uma superfície sensibilizada à luz era conhecido de longa data. Difícil de rastrear o primeiro a experimentar o efeito. O inglês Thomas Wedgwood (1771-1805) já em 1802 havia realizado testes nesse sentido, porém, “as imagens formadas por meio de uma câmera escura foram muito fracas para produzir, em qualquer tempo moderado, um efeito sobre o nitrato de prata. Copiar essas imagens foi o primeiro objeto do Sr. Wedgwood em suas pesquisas sobre o assunto, e para este propósito ele usou pela primeira vez o nitrato de prata, que lhe foi mencionado por um amigo, como uma substância muito sensível à influência da luz, mas todas as suas numerosas experiências quanto ao seu objetivo final não foram bem sucedidas”(Eder p137). Ainda assim, o que Wedgwood estava fazendo pode muito bem ser chamado de fotografia. O que ainda faltava em suas experiências era algo para aumentar a sensibilidade ao nitrato de prata e depois um fixador.
Hercule Florence foi outro precursor. Francês de Nice, nascido em 1804, estudou artes e aos 20 anos mudou-se para o Brasil onde se instalou como desenhista no Rio de Janeiro. Mais tarde, ele se casou e mudou para São Carlos no estado de São Paulo, onde começou sua pesquisa sobre a impressão pela ação da luz. Em 1833 ele conseguiu obter imagens fotográficas usando uma câmera escura. Não há imagem preservada atestando seus resultados, mas seus registros escritos são bastante convincentes. Ele usava placas de vidro cobertas com goma arábica e cinzas, o componente sensível era cloreto de prata ou ouro e as imagens eram fixadas com hidróxido de amônia. Infelizmente, ele estava em uma colônia não em uma metrópole e suas descobertas nunca deixaram seus próprios arredores. Ele permaneceu usando uma das invenções mais importantes do século para copiar etiquetas de vidro e documentos como diplomas maçônicos. A imagem acima é uma amostra preservada do último. Boris Kossoy (1941) é um fotógrafo e pesquisador com várias obras sobre Hercule Florence. Ele termina uma de suas palestras, publicada em Les Multiples Inventions de la Photographie, com uma citação interessante dos escritos de Hercule Florence: “Em um século que recompensa os talentosos, a Providência me levou a um país onde ninguém se importa com isso. Eu sofro os horrores da miséria, quando minha imaginação é cheia de descobertas. Ninguém me ouve e nem me entende. Nada importa aqui, exceto o ouro, a política, o comércio, o açúcar, o café e a carne humana. Sem dúvida, conheço algumas almas grandes e bonitas, mas em número muito pequeno, não conhecem meu idioma e eu respeito sua ignorância “.
Voltando ao Niépce, ele experimentou com muitas substâncias diferentes, particularmente ele teve uma grande esperança sobre o uso do fósforo, mas nunca obteve resultado algum. Se pensarmos em combinações de suportes como estanho, cobre, lata, prata … substâncias sensíveis à luz como betume, fósforo, iodo, em revelação ou diluição com diferentes óleos, ácidos, ou o que for, além de diferentes tempos e concentrações, para todos esses processos, nós podemos inferir que Niépce empregou milhares e milhares de horas em suas experiências na base de erros e acertos. Não havia uma base teórica. Ele não era um cientista de fato.
No final dos anos vinte, ele estava convencido de que a qualidade das imagens produzidas por sua câmera escura era um problema. Em 1826, ele pediu a seu primo, que estava indo para Paris, para lhe trazer várias lentes de Vincent e Charles Chevalier, reconhecidos ópticos naqueles tempos (Fouque p117). Foi assim que Charles Chevalier conheceu a natureza e os resultados das pesquisas realizadas por Niépce, e parece que foi Charles Chevalier que estabeleceu contato entre Niépce e Louis Daguerre.
Daguerre era um artista, pintor e empresário trabalhando em uma espécie de negócio de entretenimento, seu Diorama, que era um grande sucesso em Paris. Ele se aproximou de Niépce, que correu buscar referências sobre ele com o gravador Lamaître (carta de jan/1827 – Fouque p126 ): “Você conhece um dos inventores do Diorama, este Sr. Daguerre? O motivo pelo qual eu estou perguntando é que este cavalheiro, informado, não sei muito bem como, sobre o assunto da minha pesquisa, me escreveu no ano passado, em janeiro, para me informar que, desde há muito tempo, ele estava pesquisando o mesmo que eu e me perguntou se eu teria sido mais feliz do que ele em meus resultados. No entanto, segundo ele, ele já havia obtido algo de muito impressionante e, além disso, me pediu para lhe dizer, antes de tudo, se eu considerava a ideia toda possível. Não vou esconder, senhor, que tal inconsistência de idéias, teve o efeito de muito me surpreender, para dizer o mínimo “.
O encontro e a cooperação de Niépce e Daguerre foram comprometidos desde o início pelo enorme segredo que cada um mantinha sobre o status real de suas pesquisas. Cada um superestimou o nível de conhecimento e desenvolvimento que o outro aparentemente tinha sobre o assunto. Daguerre acreditava que Niépce já teria algo muito mais eficaz do que as impressões em betume e Niépce, por sua vez, acreditava que Daguerre seria capaz de fornecer uma câmera mágica com óptica maravilhosa, capaz de compensar todas as desvantagens que seu processo ainda apresentava. De qualquer forma, eles assinaram um contrato em 1829 e, nessa condição, tiveram que compartilhar o que de fato dispunham. Foi uma decepção recíproca. Porém, para ser justo, deve-se dizer que Niépce tinha de fato algo com seu processo heliográfico, enquanto Daguerre não acrescentou nada que Niépce não conseguiria obter de ópticos como Charles Chevalier ou outros. Eder diz isso claramente: “É digno de notar que a Niepce conheceu Daguerre trazendo sua invenção que era realmente nova, mas que Daguerre não teve nenhuma contribuição fotográfica importante para oferecer” (Eder p223).
Os termos do acordo, o contrato de parceria entre Daguerre e Niépce, afirmam claramente que a Heliografia já era “a” descoberta, que precisava apenas de melhorias, e que caberia a Daguerre trazer essas melhorias. Lemos: “M. Daguerre, a quem ele [Niépce] divulgou sua invenção, percebendo plenamente o seu valor, uma vez que a invenção é passível de receber grandes aperfeiçoamentos, oferece-se para se juntar a M. Niepce para alcançar essa perfeição e obter todas as vantagens possíveis dessa nova indústria “. Existe uma tradução completa para o inglês desse acordo em Eder (p215). O original é reproduzido por Fouque (p161).
Niépce morreu em 1833 com 68 anos e seu filho Isidore assumiu sua parte no contrato (Daguerre tinha então 46 anos). Mas outros desenvolvimentos foram conduzidos por Daguerre e, como sabemos, seu nome sozinho seria o primariamente laureado com a glória pela descoberta da fotografia. O processo que acabou por ter seu nome, em vez de Niépce-Daguerre, como foi o acordo inicial, sempre foi bastante referido como um caso de usurpação. Isidore, filho de Nicéphore, escreveu um pequeno livro “Post tenebras lux. Historique de la découverte improprement nommée Daguerréotype” (p47) (Depois das trevas a luz. Histórico da descoberta impropriamente chamada daguerreótipo) no qual, entre muitas outras considerações, ele traz uma cláusula específica no contrato de seu pai e que diz o seguinte: “no caso de morte de um dos associados, a descoberta mencionada nunca será anunciada sem ter os dois nomes designados no primeiro artigo”. Isso é bastante claro e forte, mas, Daguerre também tinha seus argumentos. O fato é que sua técnica usando placas de prata sensibilizadas pelo iodo e com uma imagem latente revelada pelo mercúrio era algo realmente diferente do que Niépce havia chegado. Também é verdade que Daguerre insistiu que Niépce deveria tentar o iodo e este, depois vários testes, respondeu de volta dizendo que ele havia desistido completamente dessa substância. Em uma carta de 8/novembro/1831 a Daguerre, Niépce diz: “Eu fiz um grande número de experimentos com iodo em combinação com placas prateadas, sem obter em nenhum momento os resultados que o meio de desoxidação teria me levado a esperar. Não obstante todas as mudanças às quais sujeitei o procedimento e todas as várias combinações de diferentes métodos de testes, meu sucesso não foi mais afortunado. […] Depois de alguns outros julgamentos, permaneci neste ponto, e devo confessar que estou extremamente arrependido ter perseguido há tanto tempo uma direção errada, e o que é pior, sem qualquer proveito … ” (Eder p.225)
Então Daguerre perseverou em um caminho que Niépce havia abandonado. Mais tarde ele considerou que a descoberta como apenas dele e assim forçou para convencer Isidore a assinar um adendo ao contrato provisório de 1829 alterando o nome da associação, estabelecendo-se como o primeiro. Isso foi em 1835. Mais tarde, em janeiro de 1837, Daguerre, mais assertivo, pressionou novamente Isidore a assinar um contrato definitivo, preparando o anúncio da descoberta e a estratégia comercial para finalmente explorar a invenção. A proposição de Daguerre foi uma divisão: anunciar o que Niépce fez, a Heliografia como de Niépce apenas e o novo procedimento seria chamado daguerreótipo. O próprio Isidore explica a maneira como Daguerre colocou a situação e porque cedeu: “Irritado pela minha constante recusa, ele declarou que, se eu não concordasse com seu pedido, ele manteria sua técnica apenas para si [Isidore havia visto daguerreótipos e ficou, como qualquer pessoa ficaria, muito impressionado]. Então iríamos publicar apenas o processo de M. Niepce, e mais tarde ele publicaria o seu próprio, o que me impediria de tirar mesmo a menor vantagem da descoberta do meu pai. Eu observei que tal ação era contrária aos direitos estipulados no ato de associação: ele respondeu que seu procedimento não tinha nada em comum com o de meu pai e que ele era livre para mantê-lo em segredo! “. (Isidore Niépce)
Isidore assinou e juntos iniciaram um lançamento comercial através de um sistema de assinaturas pré-pagas. Foi um completo fracasso. O sucesso veio apenas em 1839, quando ajudado pelo entusiasmo de Dominique François Jean Arago (1786-1853), cientista e membro ativo da Academia Francesa de Ciências, o governo francês adquiriu os direitos sobre o daguerreótipo, sobre a Heliografia e ainda do Diorama. Todos os processos foram tornados públicos, gratuitos para qualquer pessoa e o Daguerreótipo se tornou um grande sucesso. Isidore e Daguerre foram contemplados com uma pensão vitalícia de 6000 francos anuais para Daguerre e 4000 para Isidore.
Por que fotografia?
O valor de entrar em tais detalhes, ler cartas pessoais, cartas de negócios, imprensa, documentos científicos, contratos e assim por diante, não é sobre os aspectos novelísticos em que essa história evoluiu, como certamente foi o caso. Não se trata também de descobrir quem foi de fato o pioneiro da fotografia. O que é intrigante para se pesquisar é o fato de que tantos pioneiros trabalharam em segredo, simultaneamente, no mesmo assunto em lugares tão distantes quanto Brasil e França. Produção de imagens nunca foi como a indústria da guerra, na qual, infelizmente, a humanidade sempre buscou aperfeiçoamentos constantes. Ao contrário, imagens frequentemente não despertaram interesse algum e em outros casos foram mesmo proibidas em muitas ocasiões ao longo da história. Quando imagens começaram a se tornar importantes em nossa cultura ela foi deixada a cargo de artesãos e artistas em processos manuais. Parece que não havia interesse algum por um processo como a fotografia até o século XIX e, de repente, tornou-se uma necessidade. Um frenesi foi instalado sobre quem seria o primeiro a descobrir uma maneira adequada de renderizar imagens da câmera escura em uma mídia permanente. É um ditado popular, sobre a resolução de problemas, que o truque não é encontrar as respostas, mas sim colocar as perguntas certas. A fotografia é uma excessão a essa regra, pois todos estavam bem conscientes do que procuravam, de qual era a pergunta, e um tremendo esforço foi despendido para encontrar a resposta.
Seria o século XIX mal servido em termos de imagens? Haveria lacunas na oferta de imagens a serem preenchidas? Isso é questionável em muitos sentidos. Hoje, quase ninguém mais sabe desenhar e o desenhar, para representar algo, ocupa um segundo lugar distante atrás da fotografia. Mesmo os artistas visuais contemporâneos muitas vezes não conseguem desenhar. Mas nos séculos XVIII ou XIX, o desenho era algo comum. As pessoas ricas aprendiam o básico e o usavam para tomar notas visuais, como tiramos fotos com nossos celulares. O mesmo acontece com a música, tocar instrumentos musicais era tão comum como hoje cantar no chuveiro. Esses eram talentos que costumavam fazer parte de uma boa educação e evidenciavam refinamento.
Todas as imagens eram originalmente feitas à mão. Isso exigia milhares de pintores, desenhistas, gravadores, coloristas, miniaturistas e toda uma indústria, incluindo o sistema educacional, para forma-los. No momento em que a fotografia foi criada, ser artista, era uma profissão regular principalmente abraçada por jovens de famílias de média para baixa renda. O caminho e seus marcos eram muito claros. No caso da França, começava por ser admitido em um atelier público ou privado como aluno e/ou em uma École de Beaux Arts – composta também por ateliês dirigidos por artistas confirmados. Aqueles que vinham do interior normalmente passavam primeiro por cursos de desenho em escolas municipais, oferecidos gratuitamente, antes ou depois do horário de trabalho em cursos matutinos ou noturnos. A maioria dos artistas tinha um segundo emprego para proporcionar-lhes uma renda regular e confiável que eles não podiam garantir como artistas. No nível mais alto, alguém se tornaria pintor de história e receberia comissões oficiais para grandes telas. Isso certamente criaria oportunidades para vender retratos a aristocratas e alta burguesia. Anne Martin-Fugier, em seu livro “La vie d’artiste au XIXe siècle“, dá uma visão do que o sucesso significava: “Um retratista confirmado poderia ganhar muito dinheiro. Por volta de 1845, um retrato pintado por um artista de boa reputação (Alexis-Joseph Pégignon, Henri Scheffer ou Sébastien Cornu) renderia 1500 francos e um retrato pintado por uma estrela como Horace Vernet ou Court, 3000 francos, isso significa mais do que a renda anual de uma família pequeno-burguês “. Ao mesmo tempo, Martin-Fugier comenta também que a esposa de Ingres relatou certa vez, falando a jovens artistas, que durante sua permanência em Florença, Ingres (ele tinha cerca de trinta anos) desenhou uma série de retratos para a família Gonin ao preço de 25 francos cada. Outro dado interessante é que, após o Salão de 1845, das 2079 obras de arte entre pinturas, desenhos e miniaturas, que estavam em exibição, 700 retratos foram para aquisições privadas, 250 comprados pelo estado sendo 150 para Versalhes. Os demais foram devolvidos aos artistas ou vendidos por 10 a 12 francos cada um e exportados para a Rússia, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos.
Preço e oferta não eram uma barreira para aqueles que queriam possuir imagens para decoração ou imortalizar suas figuras. Havia preços e artistas para todos os orçamentos. O Prêmio de Roma, foi uma bolsa de estudos de 4 anos que foi por muito tempo o bilhete de entrada para uma carreira bem sucedida. Porém, entre os milhares de estudantes sonhando e concorrendo a este cobiçado prêmio , apenas um punhado teria essa oportunidade. Em meio àqueles que não o conseguiam, muitos eram talentosos o suficiente para pintar ou desenhar retratos e se estabeleciam nesse negócio. Havia até uma categoria de retratos chamados de “miniaturas” que antes eram inicialmente reservados à aristocracia e à alta burguesia, e depois da Revolução Francesa, os artistas que perderam parte significativa de sua clientela, que fugiu ou foi para a guilhotina, passaram a oferecer melhores preços e as miniaturas entraram em um estrato social mais apertado financeiramente. Essas são pequenas pinturas, normalmente aquarela e gouache sobre marfim, com tamanho de cerca de 5 x 7 cm, preservadas em molduras de metal ou em pequenas caixas. Os daguerreótipos põem fim às miniaturas. No que diz respeito ao seu uso, ambos abordam a mesma necessidade de oferecer uma imagem fiel de si ou de uma pessoa querida. Os tamanhos, a postura, o enquadramento e a coloração manual dos daguerreótipos, além das dificuldades na produção de grandes placas, certamente decorrem de miniaturas.
Se considerarmos agora as técnicas de impressão, voltadas para grandes quantidades, temos várias opções apresentadas principalmente a partir do final da Idade Média. Xilogravura (~ 1400), Gravura em metal com buril (~ 1430), Gravura em metal com mordente (~ 1530), Aquatinta (1650), Mezzotint (~ 1670), Litografia (1796) (essas datas foram coletadas de Met Museum website). Os assuntos eram principalmente figuras importantes de seu tempo, eventos históricos, gênero ou naturezas mortas, muitas vezes trazendo um fundo moral, e milhares de cópias de obras de arte. As gravuras eram extremamente importantes como mídia de difusão para obras de arte e também eram uma maneira de possuir uma referência de um mestre por um preço baixo. Mezzotints eram adequados e muito populares para cópias de pinturas a óleo. Ao entrar no século XIX, vemos a expansão da imprensa em jornais, revistas e outros periódicos, que começaram a abrir novos caminhos e a configurar o que seria uma imagem de mídia de massa em todas as suas variantes, como a caricatura e o humor, que eram muito solicitados. Com técnicas que poderiam produzir milhares de impressões da mesma matriz (litografia, por exemplo), imagens impressas tornaram-se onipresentes.
Pensando agora a fotografia apenas do ponto de vista de suas forças e fraquezas, pode parecer estranho o lugar notório que quase instantaneamente conquistou. Deveria ser apenas mais um método entre outros devido às suas limitações em tamanhos, falta de reprodutibilidade dos daguerreótipos ou séries muito pequenas em processos negativos/positivos, sem cores e com procedimentos complexos e caros em comparação com desenho e pintura. No lado das qualidades, podemos contar que era muito detalhado e rápido para produzir. Vamos voltar a isso logo abaixo. Mas o sucesso foi tremendo, por exemplo, no prefácio de Traité de Photographie, quarta edição de junho de 1843, Lerebours (fabricante de lentes e aparelhagem para daguerreótipos e também ele próprio um ótimo fotógrafo) diz que todas as 1800 unidades da edição anterior foram vendidas em apenas dois meses.
A daguerreotypomanie tornou-se o assunto da cidade, em todas as cidades e, embora apenas o equipamento básico custasse cerca de 400 francos na França, muitos estúdios fotográficos foram abertos da noite para o dia e um movimento de fotógrafos itinerantes começou a se espalhar para todos os cantos da Europa e também dos Estados Unidos . No Le Nouveliste de 25 de agosto de 1853, o jornalista, visivelmente irritado, fala sobre a moda da nova técnica: “A realização do daguerreótipo não requer inteligência, nem espírito, nem arte, nem estudos, nem trabalho, nem investimento, Paris é invadida por pintores de daguerreótipo. Nós os contamos por centenas. O daguerreótipo encerrou a tradição das miniaturas, e mais de um miniaturista talentoso foi forçado a jogar fora sua paleta para praticar o daguerreótipo, um horror. Agora que todos podem ter sua semelhança por cinco, três e até dois francos, o retrato a óleo caiu no esquecimento “.
Longe das grandes cidades, o daguerreótipo teve que enfrentar uma clientela não tão entusiasmada ou propensa a ver os valores intangíveis sobre os quais uma nova moda normalmente se apoia. É interessante o testemunho de John Werge, ele mesmo um daguerreotipista, sobre a chegada de um fotógrafo itinerante a sua cidade quando ele era ainda adolescente: “Algum tempo depois disso [refere-se à primeira vez que ele viu um daguerreótipo na vitrine da agência do Correio] Uma Miss Wigley, de Londres, chegou à cidade para praticar a Daguerreotipia, mas ela não permaneceu muito e não conseguiria, penso eu, ter feito uma visita rentável. O contrário, dificilmente poderia ser imaginado, pois as imagens desse período, feitas ao sol, com reflexos ofuscantes e distorções do rosto humano, impressionariam poucas pessoas a respeito do processo ou da mais nova maravilha do mundo. Naquele período inicial de fotografia, as placas eram tão insensíveis, as sessões muito longas e as condições terríveis. Não era fácil convencer alguém a submeter-se à provação de sentar-se ou pagar a soma de vinte e um xelins por um retrato muito pequeno e insatisfatório”.(The evolution of photography – 1890 – John Werge p31)
Vale a pena perguntarmo-nos por que os daguerreótipos ganharam tal popularidade mesmo antes que algumas melhorias muito básicas fossem implementadas, sendo provavelmente a sensibilidade à luz a mais importante delas. A explicação à mão é dizer que forneceu uma imagem fiel, realmente idêntica à pessoa fotografada como nenhum outro meio poderia fazer. Isso é possivelmente verdade. Ao mesmo tempo, a semelhança nem sempre é uma boa estratégia no retrato. “O inimigo mais terrível com o qual o daguerreótipo teve que lidar é, sem dúvida, a vaidade humana. Quando alguém é retratado pelos meios tradicionais, a mão obediente de um artista sabe suavizar os traços um tanto severos da fisionomia, para melhorar a atitude e a rigidez, dando-lhe graça e dignidade. Não é assim com o artista fotográfico, incapaz de corrigir as imperfeições da natureza, seus retratos têm, infelizmente, a culpa de serem muito parecidos, são, em certo sentido, espelhos permanentes em que a auto-estima nem sempre encontra seu consolo”. Citado por J.Thierry em Daguerreotypie de 1847 (p.137).
Mesmo admitindo que a semelhança tenha sido a chave do enorme sucesso do daguerreótipo, ou do sucesso da fotografia como um todo, devemos ter cuidado. Verossimilhança é um conceito muito complicado. Eu concordo com aqueles que defendem a verossimilhança da fotografia como seu principal fator de sucesso, desde que tomemos essa verossimilhança como algo contaminado pelo subjetivismo, ambiente cultural e convenções. Então, podemos dizer sim, embora a semelhança não seja algo objetivo, definível, e sim bastante questionável, provavelmente é verdade que as pessoas no século XIX consideraram daguerreótipos fidelíssimas representações dos retratados, algo mais do que um pintor realista, como Courbet, ou um classicista, como Ingres, poderiam alcançar nessa direção.
A longa discussão, da qual o conflito entre Classicismo e Realismo é apenas uma entre muitas outras instâncias, em torno do que se entende por “real” – é o imanente mais real do que o transcendente? Essa é uma questão cuja solução não é tão óbvia quando possa parecer. Uma vez que concordamos com isso, a próxima questão torna-se automaticamente: por que eles acreditavam que a fotografia apresentava imagens verossímeis como nenhuma outra técnica ou artista poderia fazer? Proponho que esta seja a questão certa a ser investigada.
Mas antes de abordar esse ponto crucial, pode ser um exercício valioso lembrar como a realidade, que podemos assumir como sendo única, sempre teve renderizações múltiplas, todas elas muito verdadeiras para a vida de seus espectadores contemporâneos. Toda cultura que adotou a busca do realismo como objetivo, alcançou-o para sua completa satisfação. Giotto di Bondone (1266/7 – 1337), pintor dos afrescos na Capela da Arena em Pádua, teve seus santos e outras figuras consideradas por seus contemporâneos tão realistas quanto pessoas vivas.
Mesmo olhando para os mais de 170 anos de história oficial da fotografia, sabemos que os daguerreótipos foram considerados imagens fieis, representações perfeitas de seus retratados ou paisagens. Dificilmente podemos compartilhar a mesma opinião hoje. Quando o filme em cores se tornou um produto popular, nossos antepassados se acostumaram a uma maneira específica de representar a realidade segundo aquilo que as fotos mostravam e que parecia verdadeiro para eles. Era algo como a foto acima, de um anúncio da Kodak na U.S.Camera de 1951, que para nós é absolutamente datada, chapada e precisaria de muitas correções em relação à verossimilhança. Talvez, sobre a imagem abaixo, publicidade contemporânea da Canon, podemos finalmente dizer que agora sim, agora nós conseguimos! Isso é absolutamente como a realidade.
Esse problema, de se entender o que pode ou não funcionar como uma representação fiel, envolve em parte psicologia da percepção e em parte filosofia da linguagem. É a questão central no clássico Art and Illusion, De Ernst Gombrich. O conceito chave que ele desenvolve é que a semelhança é algo que, dentro de limites muito flexíveis, não reconhecemos apenas com nossos olhos, primeiro aprendemos e depois o reconhecemos com nossas mentes.
As pessoas que olhavam para as primeiras fotografias não estavam verificando a fidelidade das imagens contra sua impressão visual real. Elas estavam aprendendo como uma imagem fiel deveria parecer. Seja qual for o resultado que uma fotografia apresentasse, não importa quão grosseiro, quão sem vida, quão comprimido em escala tonal, quão longe do mundo real colorido, eles chamariam isso de uma verdadeira representação da realidade. A fotografia, uma concepção do século XIX, nasceu para ser, por definição, por conceito, uma representação fiel do mundo que nos cerca. É o método e não a imagem em si que legitima a verossimilhança da fotografia.
Um aspecto ao qual vários historiadores chamaram a atenção no desenvolvimento da fotografia é sobre o atraso entre a descoberta de seus princípios básicos e sua invenção final como um processo de criação de imagens. Sobre isso, vale a pena uma longa citação de John Werge em seu The evolution of Photography publicado em 1890: “Mais de trezentos anos se passaram desde que a influência e o actinismo da luz sobre o cloreto de prata foram observados pelos alquimistas do século XVI [1556, de acordo com Robertu Hunt, p5]. Esta descoberta foi, sem dúvida, a primeira coisa que sugeriu às mentes dos químicos e dos homens da ciência, a possibilidade de obter imagens de corpos sólidos em uma superfície plana previamente revestida com um sal de prata por meio dos raios do sol, mas os alquimistas estavam muito absorvidos em seus inúteis esforços para converter metais básicos em preciosos para aproveitarem a pista e assim perderam a oportunidade de transformar os compostos de prata com os quais eles estavam familiarizados na mina de riqueza que eventualmente se tornou no século XIX. Curiosamente, uma invenção mecânica do mesmo período foi depois empregada, com uma modificação muito insignificante, para a produção das primeiras imagens fotográficas. Esta era a câmera obscura inventada por Roger Bacon em 1297, e melhorada por um médico em Pádua, Giovanni Baptista Porta, em cerca de 1500, e depois remodelado por Sir Isaac Newton “. De fato, a transformação fotoquímica do cloreto de prata e a câmera escura eram conhecidas desde o século XVI. Aparentemente, a ninguém ocorreu combinar os dois e criar fotografia quase 300 anos antes de Niépce e seus contemporâneos.
O ponto é que, mesmo para os insights científicos, é preciso mais do que o conhecimento científico para materializá-los em descobertas significativas e novos hábitos. O nascimento da fotografia dependia de lentes e produtos químicos, mas também dependia de uma nova atitude em relação à natureza, que só seria formada quando o Iluminismo se transformasse na nova bandeira da cultura ocidental. Para tratar a natureza, não mais como a obra de Deus, não mais como algo misterioso, como uma manifestação tangível de seu poder e sabedoria onipresentes, fechada a qualquer inspeção blasfematoria, mas, em vez disso, como algo apenas material, apenas existente, governado por leis acessíveis à humanidade, foi um longo e doloroso processo iniciado em algum lugar da Idade Média e que nunca se realizou completamente. Ou melhor, é um debate constante, em que os séculos XIX e XX foram talvez o período mais desencantado da história humana.
As metáforas que os escritores usavam para celebrar a chegada da fotografia, como qualquer boa metáfora, não deveriam ser tomadas como verdades literais, mas também não como simples absurdos. Eles estavam claramente comemorando uma vitória: “Wedgwood foi trabalhar com o propósito de tornar o raio de sol seu escravo, alistar o sol ao serviço da arte e obrigar o sol a ilustrar a arte e retratar a natureza com mais fidelidade do que a arte já imitara qualquer coisa iluminada pelo sol.” Esta é a maneira como John Werge fala das pesquisas de Thomas Wedgwood. Importante lembrar também que “luz” carrega uma herança pesada como símbolo da presença e manifestação divina: “E disse Deus, que haja luz, e a luz se fez”. A escuridão é inversamente correlacionada com todos os males.
Em 1862, Arthur Chevalier escreveu sobre as realizações de seu pai e relata um pouco da relação dele com Daguerre no livro Charles Chevalier. Ele descreve a frustração de Daguerre nos seguintes termos: “Depois de ter obtido a imagem, ele não conseguia conserva-la, enquanto contemplava sua cativa, ela se desvanecia, voltando à fonte da qual havia emanado”, criada pela luz e destruída pela luz, a “cativa” estava à espera de um herói para salva-la.
A ciência trazida pela Modernidade era toda ela baseada na ideia de dominação sobre a natureza, sobre explicar todos os seus segredos e fazê-la funcionar para a riqueza e glória humanas. A concepção da natureza para os filósofos do Iluminismo era que o Universo seria como uma grande máquina que se movia sozinha e governada exclusivamente por suas próprias leis. Uma máquina maravilhosa, mas não para ser contemplada ou adorada, antes, para ser explorada.
Em seu discurso importante e elucidativo perante a Academia de Ciências em Paris, François Arago inscreve fotografia entre descobertas científicas destinadas a inspecionar os segredos da natureza. Ele classificou a descoberta de Daguerre junto com o telescópio e o microscópio. Sobre o último, ele faz uma declaração muito iconoclasta e premonitória: “O microscópio posteriormente revelou no ar, na água, em todos os fluidos, estes animais, infusoria e reproduções estranhas, nas quais se espera um dia encontrar os primeiros germes de uma explicação racional dos fenômenos da vida “. Ele era ateu e também tinha muitos trabalhos especificamente sobre a luz. Apoiava a teoria ondulatória, pois era a abordagem mais materialista, e contribuiu de forma importante para a compreensão da polarização da luz e da determinação de sua velocidade. Colocar a luz para imprimir sozinha suas imagens deve ter lhe parecido um dos grandes feito do século.
A idéia de descobrir as leis da natureza e usar esse conhecimento para entender nossas próprias relações como seres humanos, foi a pedra angular do edifício da Modernidade. Na natureza, haveria a lógica e os fundamentos para regular até a vida social e essa foi a chave para se livrar da tutela espiritual e política, ambas apoiadas pelo pensamento tradicional, baseado nas autoridades da igreja e da nobreza, ao invés da análise científica de fatos e observações. A fotografia foi apresentada como liberando imagens da intermediação de um artista. Os objetos desenhavam a si próprios da mesma maneira que as pessoas dirigiriam e decidiriam sobre suas vidas. Na base do acordo preliminar entre Niépce e Daguerre a fotografia é definida nos seguintes termos: “M. Niepce, em seu esforço para fixar as imagens que a natureza oferece, sem a ajuda de um artista, realizou investigações, os resultados das quais são apresentados por inúmeras provas que fundamentarão a invenção. Esta invenção consiste na reprodução automática da imagem recebida pela câmera obscura ” (Fouque p.162). O automatismo, a superfície que apresentava uma imagem sem ter sido tocada por ninguém em nenhum passo do processo, essa era a maravilha da fotografia.
Richad Buckley Litchfield foi o biógrafo de Thomas Wedgwood. Na passagem a seguir, ele não esconde sua decepção com a falta de perspicácia de Humphrey Davy, químico competente e colaborador de Wedgwood em suas experiências com papel impregnado com sais de prata, por não ter percebido a importância que a fotografia poderia ter. Ele usa exatamente essa característica do novo processo para destacar sua qualidade mais importante: “Até esse momento, cada imagem produzida pelo homem tinha sido feita pela mão humana, guiada pelo olho humano. – Mas aqui estava uma foto , ou uma espécie de imagem, uma representação de um objeto, que surgiu pela ação espontânea das forças naturais, por uma mudança química produzida pela ação da luz “. O que Wedgwood e Davy não perceberam é como essa característica da fotografia estava sintonizada com o pensamento liberal que a cultura ocidental vinha assumindo. Devem ter avaliado a imagem em si mesma e desistiram, pois com certeza, não devia ser das melhores.
Henry Fox Talbot era um inglês que desenvolveu ao mesmo tempo que Daguerre um processo substancialmente diferente usando papel e o conceito negativo/positivo. Ele apresentou parcialmente sua descoberta à Royal Society em Londres em 31 de janeiro de 1839. Ele não divulgou todos os detalhes porque pretendia obter uma patente e ganhar dinheiro com o invento, como ele realmente o fez. Mais uma vez, a forma como ele apresentou sua invenção, a maneira como ele a descreve no título de sua exposição, sublinha a real força e atrativo do novo processo fotográfico. Foi publicado no Literary Gazette (Londres) nº 1153 (23 de fevereiro de 1839). Abaixo está o cabeçalho (tirado da excelente fonte on-line Midley History of early Photography – Derek Wood)
“… objetos colocados a delinear a si próprios sem a ajuda do Lápis de um Artista”, essa é a qualidade mais importante da fotografia, mais do que a sua capacidade real de traduzir fielmente uma impressão visual. Mais tarde, depois de algumas melhorias importantes em seu Calotype, Talbot publicou uma coleção de imagens que ele chamou de “Lápis da Natureza”. Isso também é o que Robert Hunt sublinhou em seu livro de 1844, Researches on light in its chemical relations, na qual ele diz: “A Europa e o Novo Mundo ficaram maravilhados com o fato de que a luz poderia ser posta para delinear dos corpos sólidos, belas imagens delicadas, geometricamente verdadeiras, dos objetos que ilumina”.
Existem muitos paralelos com a fotografia em outros campos da cultura, relacionados também à mudança de atitude em relação à natureza. Mesmo a pintura sofreu uma grande transformação e nunca mais seria a mesma. O mundo tangível que parecia anteriormente completamente desprovido de interesse para os artistas da Idade Média, entrou no escopo de temas válidos através de retratos, cenas de gênero com notas anedóticas, paisagens e ainda nas naturezas mortas, as Vanitas moralizantes dos séculos XVI e XVII. É verdade que as cenas bíblicas ou mitológicas, juntamente com os acontecimentos históricos como as grandes batalhas, mantiveram o seu estatuto em um grau de arte mais sério e respeitado. Mas no século XIX, ao mesmo tempo que Niépce estava experimentando todo tipo de materiais “tentando fixar as imagens que a natureza oferece”, pintores mais tarde conhecidos como École de Barbizon, entre eles Jean-Baptiste Camille Corot, Charles-François Daubigny, Jean-François Millet e Théodore Rousseau tentavam fixar as imagens que a natureza oferecia à sua maneira. Antes disso, pinturas de paisagens foram feitas com base em pinturas de paisagens anteriores e funcionavam muito bem como tal. Mas isso começou a ser questionado, por exemplo, pelo pintor inglês John Constable (1776-1837), que interrogou por que o primeiro plano da paisagem deveria estar sempre em cores acastanhadas, por que não olhar as cores reais que a natureza oferece e pintá-las como elas são?
Então, antes de qualquer fotógrafo instalar sua câmera e tripé para um “Desenho Fotográfico”, os pintores estavam montando seus cavaletes e telas para pintar d’après nature. O gesto era o mesmo, mudavam os instrumentos. Os fotógrafos queriam se livrar da interpretação do artista, os artistas queriam se livrar de antigas fórmulas acadêmicas. Todos queriam se livrar de quaisquer restrições autoritárias e a natureza era a resposta que eles pretendiam substituir às fontes tradicionais de orientação e conhecimento. Esse foi o projeto do Iluminismo e a fotografia não poderia ter nascido sem ele.
E a visita continua
Este texto começou como um review do museu e ainda o é. Então, digamos que a Chambre de la Découverte foi tão inspiradora, que desencadeou muitas leituras e pensamentos, e essa foi a razão de uma tão longa digressão sobre a invenção da fotografia e suas conexões com a modernidade.
Ao prosseguir para as salas seguintes, temos exemplos sobre as mudanças rápidas que aconteceram logo após a descoberta, durante as primeiras décadas da fotografia. Muitas imagens em técnicas novas ou modificadas nas quais podemos perceber a mudança de atitude das pessoas posando para fotos, pois finalmente elas puderam relaxar mais com tempos de exposição mais curtos. Era uma nova imagem e novas formas de registrar memórias individuais e coletivas.
Difícil de avaliar qual foi a sensação causada pelo equipamento e procedimentos da fotografia. Pareceria de alta tecnologia no mesmo sentido que a alta tecnologia tem hoje para nós? A madeira, o bronze e a vidraria eram muito parecidos com instrumentos científicos de então, mas parecia-se também com a aparelhagem dos alquimistas. Complicado adivinhar o quanto tinha de uma atração de circo ou de um ambiente mágico ou até esotérico.
No dia em que visitei, havia uma exposição individual de Yan Pei-Ming chamada “d’après photo” (a partir de foto). Uma de suas pinturas, foi realizada a partir da imagem famosa de Eddie Adams, que está certamente entre as imagens mais emblemáticas da guerra do Vietnã. Compartilhava a sala com imagens e equipamentos do século XIX. Estava ali para levar o visitante a pensar qual é o status da fotografia hoje. Haveria alguma mudança importante? A fotografia ainda representa um acesso direto à realidade? Por que um artista pintaria uma imagem que já existe como fotografia? Por que pintar um documento de guerra? O que as pinceladas acrescentam à imagem?
Se admitimos a idéia de que a fotografia estava tão contaminada pelos ideais e a visão de mundo trazida pelo Iluminismo, pode ser o caso de nos perguntarmos qual será o futuro das imagens fotográficas em nossa sociedade. A questão faz sentido pois o Iluminismo, por todas as suas promessas não cumpridas, está passando por revisão e crítica e modos de pensamento anteriormente considerados como obscuros encontraram novos sopros de vida. A tão explícita e comemorada representação imparcial da realidade, característica fundamental da imagem fotográfica, talvez deixará de ser um dos seus principais pontos e as pessoas não se interessarão muito em ter uma visão científica de coisa alguma. As imagens serão extremamente retocadas, sujeitas a todo tipo de intervenções manuais, e ninguém se importará com isso. A superfície virgem, a mídia transparente, sobre a qual os fotógrafos sempre foram tão zelosos, cederá a manchas, marcas de secagem, marcas de emulsão irregularmente aplicada, marcas de revelação desigual, filtros irão deliberadamente adicionar ruído, vinhetas, sharpening excessivo e distorções da faixa tonal serão uma marca registrada das imagens digitais. Em vez do controle e domínio da luz, o acaso encontrará as portas abertas. Exposições extremamente longas eliminarão novamente tudo o que se move. Deslocamentos e inclinações das lentes obscurecerão a sensação de escala das coisas. Lentes que desfocam, lentes usadas além do campo para as quais foram projetadas e exibem todo tipo de aberrações serão vistas como muito adequadas. Fotógrafos e público passarão a apreciar e procurar o que antes era considerado como falhas do processo. Além disso, a permanência das imagens, uma grande preocupação que tanto atrasou a invenção da fotografia nos seus primeiros passos, não será mais um problema. O lapso em que se vê uma foto é o único momento que conta e em seguida passa-se à próxima. Serão apreciados os processos em que as imagens desaparecem por si mesmas, como os Anthotypes. As imagens serão deixadas para afundar nos timelines das redes sociais esquecidas para sempre. Os selfies farão das câmeras algo como eram os espelhos, uma auto imagem fugidia que se renova a todo instante. Trocaremos sem piscar pessoas reais por avatares, acessórios e cenários feitos por computador. Todos esses serão sintomas de que, após cento e cinquenta anos, nossa cultura dirigida por imagens fotográficas move-se para novos territórios.
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Visitei muitos museus relacionados à fotografia, mas o Musée Nicéphore Niépce em Shalon sur Saône é o que, de longe, gostei mais. É como um discurso aberto, exatamente o que acredito que um museu deva ser. Não é uma visão individual editada por um curador, nem uma coleção de inventário antigo angariado indiferentemente ao longo dos anos. Eu recomendo vividamente a qualquer pessoa uma visita.
Wagner! Agradeço muito por ter me convidado a ver esse post! Finalmente encontrei o que procurava nos livros teóricos (e não encontrei): esse vínculo entre a história da fotografia e a ciência, aqui com sua reflexão sobre a relação com o Iluminismo. Sua digressão me fez ganhar o dia! Muito grata <3
Encantado com a sabedoria questionadora do autor! Amei ler este artigo e conhecer com mais profundidade o histórico das motivações para a criação da fotografia e sua relação com a ciência e o Iluminismo. Incrivelmente esclarecedor e encantador.
Obrigado, Shanti por suas palavras animadoras. Só por curiosidade, como que você chegou nesse post? Eu pergunto pois hoje acho que fiz mal de colocar essa digressão sobre o nascimento da fotografia dentro do post sobre o Museu Nicéphore Niépce. Ela ficou meio escondida. Vou ver se a replico em algum outro lugar no site de forma independente, como um post à parte.