Retoque pontual em cópias fotográficas preto e branco

Muitas vezes uma impressão fotográfica analógica apresenta pontos brancos ou pretos que precisam ser removidos.

    1. Pontos brancos: são normalmente poeira grudada no negativo ou arranhões que bloqueiam a luz do ampliador e produzem falhas na cópia.
  1. Pontos pretos: são normalmente falhas na emulsão, frequentemente devidas a problemas de processamento como impurezas nos banhos. Falhas no próprio filme, com emulsões modernas, são bem raras, mas quem faz placas secas, por exemplo, convive com a necessidade de eliminar pequenos pontos pretos sobre a impressão de suas fotos.

Mas o retoque não é apenas corretivo. Existe também o retoque criativo para ressaltar elementos da fotografia. Em um outro artigo mostrei o rebaixamento local que visava clarear os reflexos no chão de pedras de uma rua em uma cena noturna. Nesse artigo veremos um caso de retoque que envolve tanto a remoção da prata, portanto clareamento da fotografia, como o depósito de pigmentos para escurecer partes diminutas da mesma foto. Esse é o tipo de retoque que se chama de pontual ou spot retouching no inglês.

O caso que veremos era passagem quase obrigatória na produção retratos de estúdio de antigamente. Na foto acima é quase certo que os reflexos nos olhos do bebê, tão bem formados e luminosos, foram uma adição via retoque pontual. Embora seja eu mesmo o retratado na foto acima, não posso afirmar com certeza se foi retoque ou não. Pode ser que o estúdio estivesse equipado com alguma iluminação específica para dar esses bonitos catchlights, como se diz no inglês. Mas como meu interesse por fotografia só começou mais tarde, eu não observei esse detalhe.

Na falta de uma luz apropriada e bem posicionada para dar esse brilho no olhar, o fotógrafo podia e pode ainda lançar mão do ferricianeto de potássio para um retoque químico muito eficiente, mas até certo ponto arriscado pois pode arruinar uma cópia depois de pronta.

Retoque pontual por rebaixamento

Existem variações, mas o procedimento que adotei é provavelmente o mais simples e consiste basicamente em se preparar uma solução forte, na menor quantidade possível, de ferricianeto de potássio, e aplicá-lo com um pincel zero ou 2 zeros ou até 3 zeros diretamente sobre a foto levemente úmida. Se a cópia for muito pequena, pode-se até aplicar com um palito de dentes. No caso do palito, é bom treinar bem para encontrar um meio de regular a carga de rebaixador que irá se depositar e que seja no tamanho certo.

Em poucos segundos vemos o reagente atacar a prata e uma manchinha amarronzada ou amarelada surge no local. A cópia é então imediatamente lavada com um fluxo suave de água sobre o retoque, por alguns segundos, e colocada em seguida no fixador por alguns minutos, como uma fixagem normal seguida de uma lavagem também normal.

Este retrato foi feito com uma Eidoscope 275 mm f/4.5, fabricada pela SOM Berthiot, francesa,  sobre um negativo 4×5″. Essa é uma lente histórica e muito interessante na categoria das lentes soft focus. A câmera foi uma Linhof Technika 13×18 com back redutor para 4×5″.

A Eidoscope, quando totalmente aberta, produz como que uma imagem dupla sendo uma com boa nitidez e outra que acrescenta algo como uma iridescência, ou um halo, sobre o modelo se ele for convenientemente iluminado.

A imagem acima é um scan do negativo, apenas como  referência da imagem nua e crua. É evidente que havia aí uma intenção ou uma brincadeira a flertar com as convenções artísticas das imagens religiosas. Mas a foto tal qual foi gravada no negativo ainda precisava de duas intervenções para criar uma atmosfera realmente mística. A primeira foi uma carga de dodging & burning (proteger e queimar) para fazer da figura uma ilha de luz em meio à escuridão.

Uma máscara foi confeccionada para proteger a projeção do rosto e corpo de modo que o fundo recebeu o dobro da exposição. A seguir a mão foi também “queimada” um ponto a mais pois como se vê no scan do negativo, no momento da foto, ela estava iluminada por uma grande janela e por estar a uma altura menor ficou bem mais clara que o rosto e desviava muito a atenção.

Esta então já é a cópia feita em papel Ilford Fibra MG brilho natural em 18×24 cm. Para reforçar o papel de líder carismático, era preciso valorizar mais esse olhar profético e cheio de sabedoria. Faltava mais brilho, faltavam catchlights. Veio então o retoque pontual com Ferricianeto de Potássio.

Nesse ponto, o fotógrafo se pergunta se o que ele está vendo é o mesmo que outras pessoas verão em sua fotografia. Ele se pergunta: será que dá muito para perceber? Sabendo da artificialidade dos catchlights, eu não conseguia olhar para outra coisa ao ter a fotografia em mãos. Eles me pareciam extremamente exagerados e artificiais. Mas talvez, para um observador não instruído, esse seria apenas um olhar “penetrante”. Em todo caso, decidi por um efeito mais discreto, provavelmente menos gritante e dessa forma até mais convincente para os céticos como eu.

Retoque pontual por depósito de pigmentos

Enquanto que o rebaixamento não tem volta, o retoque pontual por depósito de pigmentos ou corantes pode ser feito com muito maior desprendimento. A maioria das substâncias usadas são solúveis em água, de modo que no caso de arrependimento, basta lavar e começar novamente ou mesmo abandonar como estava. Mas atenção, algum resíduo, ainda que bem tênue, pode ficar impregnado na gelatina mesmo com o material sendo solúvel. É portanto bom tomar cuidado e não contar tanto com a reversibilidade do processo.

Por muitos anos utilizei nanquim, depois comprei um jogo de folhas Peerless Dryspot®. Além de muito superiores ao nanquim, me parece que ao meu ritmo de retoques irão durar mais que eu. Com essas folhas e um pincel 3 zeros da da Vinci,  made in Germany, resolvi reduzir a intensidade e a forma dos brilhos, dos catchlights.

Esse resultado já me agradou bastante. Era bem essa a imagem final que tinha em mente desde que pensei em um possível encontro da lente, da luz, da pose e do Rodrigo Silva, a quem aproveito para agradecer. Creio que o soft focus da Eidoscope contrasta bem com a nitidez do brilho nos olhos e esse contraste que atrapalhava o entendimento da foto logo após o rebaixamento, ficou muito melhor aproveitado com um efeito mais discreto e irregular. Achei que ficou um ganho significativo em relação à foto original, sem roubar a cena, como acontecia com aquelas pintas brancas exageradas da fase intermediária.

Aqui uma comparação em detalhe das três fases. Embora não sejam feitas para observação com lupa, acho que podemos dizer que catchlighs que não sejam bolinhas ou elipses brancas perfeitas ficam mais naturais. Eu segui, ou tentei seguir, a forma e posição dos reflexos que já existiam e ainda dar uma irregularidade no brilho que apresentavam.

A seguir um vídeo para ilustrar a mesa e o fluxo de trabalho . Não é nenhum padrão, mas creio que dará uma referência mais concreta de como que a coisa se apresenta.

Retoques corretivos

O procedimento para retoques puramente corretivos é exatamente o mesmo. Pontos que precisam escurecer recebem diretamente o pigmento e pontos que precisam clarear são rebaixados e depois trazidos para a tonalidade de sua vizinhança para que desapareçam de vez. Creio que é praticamente impossível se rebaixar apenas até o ponto de densidade do entorno do ponto preto ou cinza. Seria preciso depositar o rebaixador na concentração e quantidade necessária para trazer o ponto apenas até uma certa tonalidade e parar por ali. O mais factível é mesmo branquear e depois escurecer.

No caso de pontos brancos ou claros que precisem ser escurecidos, não subestime o tamanho dos mesmos achando que por serem tão pequenos qualquer preto serve. É preciso avaliar se se trata de um papel com negros frios ou quentes e procurar o retoque mais adequado. Mesmo cópias viradas em sépia podem ser retocadas. É preciso ter paciência e testar pigmentos e combinações para se encontrar a que irá desaparecer na superfície da foto. Branco e preto tem cor! O retoque precisa ser na cor certa do cinza.

O acabamento brilho ou mate pode ser outra variável a se considerar. No caso dos brilhantes eu acredito que com eles fica mais importante que a gelatina esteja úmida. Se o pigmento puder nela penetrar há mais chances de que o brilho será preservado e não ficará um ponto mate no meio de uma superfície especular.

Recomendo ainda que você veja também os artigos sobre rebaixamento local, a mesa de retoques, e ainda retoque de negativos preto e branco

Não é publicidade mas eu vou acrescentar esse impresso que vem com as folhas Peerless simplesmente porque achei uma gracinha um produto assim ser comercializado em pleno 2020.

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