O foco suave
As lentes do tipo Petzval reinaram absolutas na fotografia de retratos desde sua criação em 1841 até o final do século XIX. Para os fotógrafos de então, a sua luminosidade compensava largamente o seu campo de nitidez bastante reduzido – apenas central. Por todo esse tempo a nitidez e ausência de distorção era algo perseguido e disputado por todos os fabricantes de lentes fotográficas. Juntamente com luminosidade, eram esses os principais eixos pelos quais tentava se desenvolver a óptica para fotografia.
A tão querida e procurada nitidez para o campo todo da imagem finalmente tornou-se realidade lá pelos anos 90. Foi graças e uma combinação de fatores:
- O crescimento do uso de placas secas, a partir da década de 80, pois elas eram bem mais sensíveis que o colódio e por isso permitiam se fechar mais o diafragma.
- O desenvolvimento de novos vidros que por sua vez permitiram soluções que eram apenas matematicamente conhecidas mas impossíveis de se implantar com a vidraria disponível.
- Graças a esses novos vidros surgiram muitas lentes ditas anastigmáticas já a partir da década seguinte.
Porém, uma vez conquistada, imediatamente descobriram que nitidez não é tudo em fotografia. Foi quando surgiram comercialmente as objetivas para retratos artísticos. Assim foi criada a categoria das lentes soft focus, ou foco suave. O ponto comum entre essas ópticas está em permitir que uma quantidade controlada de aberrações, sim, aquelas que antes ninguém queria mas não sabiam como delas se livrar, estivessem presentes na imagem para dar um efeito muito apreciado pelos artistas e público de então, em especial o grupo conhecido como os pictorialistas e os retratistas da alta sociedade.
A Eidoscope, lançada pela muito tradicional firma francesa Hermagis em 1903, foi um dos pontos altos nessa linha de ópticas de soft focus, ou objectifs à flou artistique no francês. Para o observador de hoje, ainda que ele ache a imagem bonita, uma foto realizada com uma dessas lentes pode passar despercebida como sendo “do tempo em que não se tinha como fazer melhor”, mas isso é um erro. Lançadas na mesma época, uma Tessar ou uma Protar antigas, são ainda lentes capazes de uma nitidez que em uso não técnico, competem muito bem com uma lente contemporânea. A imagem suave, envelopada de um certo halo que permite distinguir, mas ao mesmo tempo embaralha nos detalhes, foi muito apreciada ao tempo em que já se conseguiam imagens muito nítidas. Esse foco difuso sugeria um mundo idílico, trazia de volta um certo romantismo, um contraponto para uma sociedade ainda assustada com a rápida industrialização das últimas décadas.
A foto acima é de 1909 e foi realizada pelos irmãos Séeberger. Eram três, Jules (1872-1932), Louis (1874-1946) et Henri (1876-1956) Séeberger , donos de um importante estúdio fotográfico em Paris. À maneira das pinturas de gênero esta foto tem um nome que não é o da modelo, ela interpreta uma “personagem”, uma criação do artista, chama-se: Jeune femme au masque, “moça jovem com máscara”. Insere-se na categoria dos pictorialistas que tanto gostavam de temas exóticos, mitológicos, religiosos, retoques e intervenções que aproximavam muito a fotografia de um ideal artístico vizinho da pintura. Ela foi muito provavelmente realizada com uma Eidoscope, não só pela aparência de flou artistique e pela data, mas também porque foram os irmão Séeberger que deram à lente o seu famoso aforismo: L’Eidoscope ne photographie pas, il dessine, “A Eidoscope não fotografa, ela desenha”.
Lentes artísticas
É muito interessante se observar como foi a discussão sobre lentes que intencionalmente não faziam o que normalmente se esperava de uma lente. Sobre isso vale uma longa citação de um artigo na revista americana Wilson’s Photographic Magazine, de 1907.
“Nos últimos anos, os opticistas têm se esforçado para eliminar as aberrações nas lentes e, sem dúvida, as inúmeras melhorias introduzidas nos últimos anos na construção de lentes fotográficas oferecem vantagens valiosas ao fotógrafo científico, arqueológico e técnico, fornecendo os meios para obter a nitidez perfeita e exatidão matemática, mas não é assim para o artista, para o qual essas novas qualidades podem ser consideradas simplesmente defeitos. O opticistas estão agora sendo incentivados a produzir lentes que não são altamente corrigidas, mas que, de fato, têm uma certa quantidade daqueles muitos defeitos que até agora se esforçaram para eliminar. Desse modo, obtém-se uma suavidade desejável sem vulgarizar a imagem “.
Eidoscope foi um nome construído a partir do grego antigo: εἶδος, eidos, significa “forma” e σκοπέω, skopéô, significa “observador”. Isto sugere algo como colocar a “forma” não mais como uma entidade absoluta e independente, preceito fundamental em fotografia, presente em todos seus escritos fundadores, entre eles: The pencil of Nature de Willian Henry Fox Talbot, pelo qual na fotografia é a natureza que faz sua própria imagem, independente da ação ou interpretação humanas. Já no nome e conceito Eidoscope introduz-se uma subjetividade e o observador vem para o primeiro plano: a natureza é o que ele vê, é como ele a vê. Esse é essencialmente um ponto de vista tributário do movimento da pintura impressionista, a qual exerceu forte influência sobre os fotógrafos pictorialistas.
No texto do catálogo da Hermagis, reproduzido acima, vemos justamente esse argumento desenvolvido:
“O nome Eidoscope foi adotado para designar a propriedade característica dessa nova objetiva que é a de produzir imagens conforme à aparência dos objetos, em um retrato, por exemplo, o olho não poderá contar os fios de cabelo ou as pequenas rugas, não mais do que os contaria sobre o próprio modelo. Os artistas reprovam, com efeito e com razão, nas objetivas ordinárias a aridez que resulta de um excesso de nitidez nos pequenos detalhes. Para atenuar essa aridez temos o recurso do retoque com o risco de suavizar demais os traços essenciais, coisa que faz penar a semelhança e falseia a fisionomia”.
Os pictorialistas, não só recuperaram alguns procedimentos químicos que haviam sido esquecidos e inventaram outros com muitas maneiras de interferir na imagem através de retoques no negativo e no positivo, mas alguns chegaram a desenhar suas próprias lentes artísticas. Esse foi o caso do fotógrafo francês Émile Joachim Constant Puyo (1857–1933) que juntamente com Jean Leclerc Pulligny (1859–1939), os dois engenheiros e militares, desenhou e encomendou à casa Darlot uma objetiva simples que também gerava um efeito soft focus e foi comercializada por alguns anos. Porém, essa lente sofria de foco químico e é este ponto que o catálogo da Hermagis ataca no próximo bloco de texto em seu catálogo citando nominalmente Puyo.
“Outros hábeis operadores fabricam eles próprios engenhosos instrumentos anacromáticos, quer dizer, com foco químico, com os quais os mestres da arte chegam a obter resultados surpreendentes (como nos prova M. Puyo), porém, sabemos que é também da opinião de um grande número de amadores que as dificuldades da focalização são os motivos mais frequentes de desencorajamento e fazem perder muito tempo, placas e produtos, por conta de insucessos repetidos, como é o caso com todas as ferramentas defeituosas. É para remediar essas decepções e satisfazer a diversas demandas que nós lançamos a Eidoscope, propositadamente incompletamente corrigida da aberração esférica, condição essencial para se obter a suavidade, mas perfeitamente corrigida da aberração cromática, quer dizer, isenta de foco químico e permitindo, por consequência, sem cálculos, nem medidas, nem referências, nem tateamentos, de julgar exatamente a nitidez da futura fotografia ao gosto do artista e de acordo com o grau de envelopamento que ele deseja. Ou seja, estando isenta de foco químico, a Eidoscope permite a fotografia ortocromática e a fotografia a cores com valores exatos”.
Para gerar o flou artistique, Puyo-Pulligny, retrocederam aos tempos das lentes que nem correção cromática possuíam. Sua lente gerava um desfoque, entre outras coisas, por conta das diferentes distâncias focais para as diferentes cores. Isso gerava o desconforto de que a imagem vista pelo fotógrafo no vidro despolido, influenciada pelo vermelho ao qual nossos olhos são bem sensíveis, não era a que viria no negativo revelado, cuja emulsão era mais sensível à região do azul. Essa diferença entre o que o olho vê e o que a emulsão registra, nas lentes anacromáticas (não corrigidas cromaticamente) obriga o fotógrafo a, depois de focar, deslocar a lente ou filme para a distância ideal de focalização. É o que se chama de Foco Químico. A Hermagis entendeu isso e usou em sua Eidoscope a aberração esférica para gerar o flou, deixando assim o fotógrafo livre de ajustes de foco posteriores à focalização no vidro despolido. Mas mesmo assim, hoje, uma objetiva Puyo é algo muito valorizado por colecionadores e museus; alcançam preços que só mesmo o valor histórico e raridade podem justificar.
Para finalizar com o instrutivo texto de apresentação no catálogo da Hermagis, essas são as suas considerações finais. Com excessão dos pontos técnicos sobre as aberturas e o uso separado dos elementos frontal e traseiro, permanece uma conversa mais no plano emocional do “sentimento artístico”, do “talento” ou “reconhecimento” do fotógrafo, que não poderão se concretizar, sem que ele compre uma Eidoscope. O bom e velho “malho de vendas” que os fabricantes usam e abusam até hoje, seja para vender tanto a mais avançada tecnologia, como as câmeras coloridas e com lentes de plástico.
“-A Eidoscope convém também às paisagens, florestas e todos os temas onde o sentimento artístico do operador possa se manifestar
-A Eidoscope trabalha com uma abertura relativa de f/5, o que permite instantâneos em estúdio, mesmo em más condições de iluminação. Fechada a f/10 ou f/20 [veja explicação sobre escala de aberturas mais abaixo], ela ganha consideravelmente em nitidez e profundidade de campo e pode substituir as melhores retilíneas.
-A Eidoscope pode ser empregada separada [apenas o elemento frontal ou traseiro], obtém-se assim uma objetiva simples com o dobro da focal da combinação completa.
Concluamos que se há um novo progresso a se realizar no retrato artístico, é pela objetiva apropriada que se deve começar, o talento do operador faz o resto, e a marca pessoal dos verdadeiros mestres não será menos evidente para os entendidos”.
Soft Focus e pictorialismo
As lentes soft focus foram muito importantes em estabelecer a fotografia como uma possibilidade de arte. O movimento pictorialista, muito ativo tanto na Europa como nos Estados Unidos, foi fundamental ao reivindicar essa posição. Seria muito interessante saber para cada imagem da época que lente e que procedimento foi utilizado. Mas é impossível se estabelecer relação segura entre imagens e ópticas a não ser que se tenha uma prova documental, como uma anotação do fotógrafo, mas essas são muito raras. Por segredo profissional ou por considerar a informação irrelevante para o seu público, normalmente esse dado não era compartilhado e sequer anotado. Mas enquanto categoria de lentes, representada por várias marcas e modelos, as soft focus foram fundamentais para a fotografia pictorialista e, por esse motivo, para o futuro da fotografia como um todo.
As fotos artísticas do final do século XIX e início do XX inspiravam-se em diferentes fontes da pintura. Havia muita coisa com temas religiosos ou mitológicos. Eram fotos com modelos que, profissionais ou não, estavam lá representando um papel qualquer em meio a um cenário também produzido ou cuidadosamente escolhido – como na “moça com máscara” que vimos no início deste artigo. Eram como registros dos tableaux vivants, dramatizações de uma única cena estática, preparadas com muito esmero e geralmente apenas para a diversão dos próprios participantes e seus amigos, muito em moda nas elites do século XIX. Por sua imobilidade, os tableaux vivants encontraram na fotografia sua parceira natural. Mas esta logo emancipou-se da função de mero registro do evento e as imagens passaram a ser vistas como obras artísticas autônomas.
Fotografia de uma cena mitológica criada pelo fotógrafo americano Clarence Hudson White (1871–1925) , em 1905, com o título A Flauta de Pan. Tema e ambientação tipicamente românticos com contribuição fundamental de alguma lente soft focus. Pan, na mitologia grega era o deus dos bosques, dos rebanhos e dos pastores temas muito queridos ao ideário do romantismo.
Outro gênero era o de paisagens que também deviam muito a pintores românticos como Caspar David Friedrich, ou impressionistas como James Whistler. Geralmente cenas com pouca luz representando locais desabitados, idílicos, misteriosos, com uma luz bem horizontal, indistinta ou noturna.
Uma bela paisagem de Edward Steichen ( (1879–1973) em sua fase pictorialista: The Pond Moonlight, Mamaroneck, New York – 1904. Note que Steichen figura entre os fotógrafos citados no catálogo da Hermagis como usuário da Eidoscope. Porém, mais uma vez, não podemos afirmar com certeza que esta imagem tenha sido feita com esta lente. Ainda mais que a Eidoscope foi lançada em 1903 e esta foto é de 1904.
Finalmente, um grande grupo de fotografias onde as soft focus foram fundamentais, foi o dos retratos de sociedade. Grandes industriais, políticos, artistas e outros VIPs, mas principalmente as suas esposas, atrizes, amantes e outras beldades da época, adoravam apresentar-se com toda a elegância para que fossem retratadas como deusas evanescentes, ignorando ou desafiando o observador, com olhares bem ensaiados. Aqui a referência pictórica, pelas poses, pela importância das mãos e dedicação a figurar luxo, afetação e refinamento, remonta aos grandes pintores maneiristas e palacianos, como Agnolo Bronzino, por exemplo.
Esta foto é de Karl Schenker (1886–1954), fotógrafo romeno que viveu e trabalhou em Berlin, Munique, Nova York e Londres, retratista muito disputado, tinha como princípio fotografar homens com lentes mais duras, como seria uma Tessar, por exemplo, pois dizia que tais ópticas cortantes acentuavam melhor o caráter masculino, e para suas refinadas clientes reservava a doçura de sua Eidoscope. Sim, ele é um caso em que sabemos que usou muito uma Eidoscope da Hermagis e que fazia quase tudo em 18 x 24 cm. Esse tamanho lhe convinha bem pois ele era exímio pintor e retocava extensivamente seus negativos chegando a criar fundos e roupas que nem estavam no estúdio no momento da fotografia. Diz a lenda que ele chegou a cobrir um nu com um casaco de peles, só no retoque, para não enfurecer o marido de uma distinta senhora (fonte: catálogo da exposição de Karl Schenker no Ludwig Museum em Berlin – set/2016 – jan/2017).
Ainda na classe dos retratos, convém citar que houve um movimento forte pela retomada das soft focus bem mais tarde nas décadas de ouro do cinema Hollywoodiano quando atores e atrizes, e por um efeito cascata os clientes de estúdios fotográficos em geral, gostaram de se ver retratados com objetivas de foco difuso e efeitos de iluminação. Não havia mais referências explícitas à pintura, desenvolveu-se em vez disso uma estética própria da fotografia soft-focus que envolvia também uma iluminação emprestada do cinema. Creio que para esse movimento lentes como a Verito, da Wollensak, sejam mais representativas que as Eidoscope.
Esta Eidoscope da SOM Berthiot
Assim como a Hermagis, da qual se tem notícias como fabricante de ópticas pelo menos desde 1845 (Agostini), a Berthiot, fundada por Claude Berthiot (1821 – 1896) em 1857 também foi uma tradicional e bem sucedida firma do setor e tornou-se, no século XX, o maior fabricante francês de lentes para fotografia e cinema. A partir 1913 passou a se chamar SOM, Société D’Optique et de Mécanique Berthiot, e em 1934 comprou a Hermagis. Quase nada da linha desta última continuou no portfolio da SOM Berthiot, com excessão de algumas lentes gráficas e da Eidoscope. Certamente pelo sucesso da objetiva à flou artistique ela foi mantida no catálogo nas focais 275, 375 e 480 mm, para meia placa (13×18 cm), placa inteira (18×24 cm) e 24×30 cm, respectivamente. A abertura, que já havia passado de f/5 para f/4.5 ainda no tempo da Hermagis, foi mantida, e o latão cedeu para um acabamento em preto. No início, a SOM Berthiot manteve até mesmo o nome Hermagis Paris nas Eidoscopes, para aproveitar a boa fama que tais lentes gozavam entre os fotógrafos. Isso é o que se vê na página de catálogo reproduzida abaixo.
Esta Eidoscope que possuo já tem SOM Berthiot Paris gravado e seu acabamento é em preto fosco sobre corpo de alumínio. A pintura é muito fina e frágil. Qualquer contato com algum objeto mais duro ela se descasca e por isso precisa ser manuseada com muito cuidado. Infelizmente não encontrei nada sobre seu ano de fabricação baseado no número de série. Ela está no Brasil há muito tempo pois pertenceu a um amante da fotografia, Dr. Américo Sarubbi, do qual está também na coleção uma Super Ikonta IV e desta Super Ikonta veio um recibo de compra de 1957. Considerando que nessa lente já veio gravada a marca SOM Berthiot, não mais Hermagis, e como está em excelente estado, creio que seja de uma safra mais recente, talvez dos últimos anos de produção desta óptica.
O diâmetro dos vidros é de 6 cm e por ser uma construção do tipo RR, veja esquema no catálogo acima, o tubo, para dar os 275 mm, está mais para longo com 15 cm de comprimento total. Os vidros não possuem tratamento anti-reflexo.
Embora seu ângulo de visão permita o formato seja 13 x 18 cm, e embora ela esteja montada em uma Linhof Technika, também para meia placa, eu prefiro utilizá-la com um back redutor para quarto de placa, 4×5″ ou 9×12 cm, pois acho que fica mais interesante para retratos. O catálogo da Hermagis fala em paisagens e neste caso sim, creio que o 13×18 seria uma opção interessante.
Uma escala diferente de aberturas
Logo após a virada para o século XX tornou-se um padrão para todos os fabricantes indicar as aberturas seguindo a escala 2.8 – 4 – 5.6 – 11 – 16 – 22 – 32 … o primeiro número, o da maior abertura, poderia ser qualquer coisa, mas os seguintes começaram, a partir dessa época, a cair invariavelmente nessa sequência de números que indicavam a cada passo a metade, ou o dobro, da luz admitida no passo anterior.
Porém, para uma lente soft focus do tipo de Eidoscope esse padrão não faria muito sentido com o seu uso e objetivo. Pela possibilidade de regular a quantidade de aberração esférica, geradora do foco difuso, através da iris, no sentido de que quanto mais fechada a iris mais nítida torna-se a imagem, desde o tempo da Hermagis a escala de aberturas oferecia na Eidoscope um passo mais suave nas aberturas grandes. Isso faz todo o sentido pois quem usa uma Eidoscope está provavelmente interessado no seu efeito suavizador.
Esses números, 4,5 – 5 – 6 – 7 – 10 – 14 e 20, são alvo de questionamentos nos fóruns de fotografia. Eu achei mais seguro efetivamente medir a pupila de entrada em cada um deles e calcular a abertura. Utilizei o método descrito nesse link. Os resultados são representados na imagem abaixo. Na fileira de cima estão indicados os números do anel da lente e na fileira de baixo as aberturas calculadas.
Fiquei feliz em saber que não é necessária nenhuma tabela de conversão. Os números apresentados no anel da lente, embora não sejam os mesmo com os quais estamos habituados, correspondem à abertura real da lente calculada pela fórmula distâncias focal / pupila de entrada. Vemos na figura acima que os números, a menos de décimos, correspondem às aberturas reais. O que a Hermagis quis e a Berthiot manteve com esse sistema diferente foi oferecer ao fotógrafo maior controle justamente na região das aberturas maiores.
Em vez de pular de 4.5 para 5.6 e diretamente para 8, o que corresponderia a quase dois pontos, 4 vezes menos luz, ela criou mais passos menores que com o tempo o fotógrafo pode aprender a antecipar o quanto de foco difuso ele terá na imagem final. Minha experiência é que apenas olhando no vidro despolido é muito difícil avaliar esse efeito. O mais indicado é de fato expor alguma chapas e aprender observando resultado.
Esta fotografia, com o fotógrafo Ricardo Yamada, foi feita com f/10 e pode-se observar que o flou quase não está presente. Isso tem lógica pois ela usa a aberração esférica para gerar o soft focus e esse tipo de aberração não se apresenta com diafragmas pequenos justamente por utilizar as lentes, que são esféricas, na região onde a esfericidade não causa problemas que é a região central da lente (para os matemáticos: onde o seno do ângulo é praticamente igual ao próprio ângulo em radianos).
Já neste outro exemplo a abertura foi total: f/4.5. Esta foto, com o também fotógrafo Rodrigo Silva, faz uso intencional de referências de arte religiosa e lança mão de alguns recursos além do soft focus da Eidoscope para criar essa atmosfera. Na ampliação foi feita uma máscara para escurecer o fundo deixando um halo no entorno da figura. A periferia recebeu entre 2 e 4 vezes mais luz que o rosto. A mão, que estava bem iluminada por uma grande janela recebeu o dobro de exposição se comparada ao rosto. Uma luz artificial lateral por trás adicionou esse brilho que realça o halo da Eidoscope e, finalmente, os olhos tiveram o brilho, catchlights, realçados com rebaixador pontual. É portanto um retrato atual com uma receita de intervenções bem ao gosto dos fotógrafos pictorialistas. O geral, mas principalmente a mão, ficou para mim com um ar de sfumato renascentista muito delicado e agradável. Em meio a essa suavidade toda o brilho artificialmente super definido dos olhos deu um contraponto interessante. O filme foi Forte 200 e o scan é de uma cópia em Ilford MG fibra.
Alguns links interessantes que foram fonte de informações utilizadas neste artigo:
De autoria de Bernard Sulmon, esta página, em francês, do site galerie-photo lista e compara diversas ópticas soft focus:
Bernard Sulmon, Objectif à flou artistique
Também página na Galerie-photo, em inglês, de autoria de Dan Fromm, contém informações sobre diversas lentes da Berthiot e sobre a empresa em si:
Berthiot’s large format anastigmats
Página da Antique & Classic Cameras, em inglês, lista diversas lentes soft focus e é muito rica em textos de época, páginas de catálogos e outras informações:
An Illustrated Guide to Antique and Classic Soft Focus Lenses
Super Legal!
Bela Objetiva!